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Breve relato da perseguição aos Cristãos primitivos e à Igreja Católica


Enviado pelo Leitor Edmilson

A primeira perseguição contra a Igreja deu-se no ano 67 d.C, sob o domínio de Nero, o sexto imperador de Roma. Durante os cinco primeiros anos de seu reinado, o monarca agiu de forma tolerante. Depois, porém, deu vazão às mais atrozes barbaridades. Entre outros caprichos diabólicos, ordenou que a cidade de Roma fosse incendiada — ordem cumprida por seus oficiais, guardas e servos. Enquanto a cidade imperial ardia em chamas, subiu à torre de Mecenas a fim de tocar lira e entoar o cântico do incêndio de Tróia. Fez questão de declarar abertamente que “desejava a ruína de todas as coisas antes de sua morte”. Além do grande edifício do Circo, muitos palácios e casas foram destruídos. Milhares de pessoas pereceram nas chamas; outro tanto foi sufocado pela fumaça ou sepultado sob as ruínas.

Quando Nero percebeu que sua conduta era intensamente censurada, e que ele se tornara objeto de profundo ódio, decidiu culpar os cristãos pelo incêndio voraz. Assim, além de livrar-se, aproveitou para regalar-se com novas crueldades.

Foi esta a causa da primeira perseguição. As brutalidades cometidas contra os cristãos eram tais, que até os próprios romanos foram movidos pela compaixão. Nero desenvolveu requintes para as suas crueldades, e inventou castigos que só a mais infernal imaginação poderia conceber. Em particular, fez com que alguns fossem costurados em peles de animais selvagens e lançados aos cães para serem destroçados. Outros, com as vestes encharcadas de cera inflamável, foram atados aos postes de seu jardim particular, onde lhes atearam fogo para que ardessem como tochas de iluminação. A perseguição generalizou-se por todo o império romano. Contudo, o espírito do cristianismo só aumentava. Foi durante essa perseguição que os apóstolos Paulo e Pedro sofreram o martírio.

Aos seus nomes pode-se acrescentar Erasto, tesoureiro de Corinto; Aristarco, o macedônio; Trófimo, de Éfeso, convertido através da mensagem de Paulo e que se tornou seu colaborador; José, comumente chamado Barsabás; Ananias, o bispo de Damasco; e cada um dos setenta.

A Segunda Perseguição sob Domiciano, em 81 d.C.
O imperador Domiciano, por natureza inclinado à crueldade, matou primeiro seu irmão, suscitando logo a segunda perseguição aos cristãos. Em sua fúria, matou alguns senadores romanos; uns, por desconfiança, e outros, para confiscar-lhes os bens. De imediato, ordenou a execução de todos os pertencentes à linhagem de Davi.

Entre os numerosos mártires dessa perseguição, nomeiam-se Simeão, bispo de Jerusalém, e o evangelista João, lançado em óleo fervente, o qual nenhum mal lhe fez e, a seguir, foi exilado na ilha de Patmos. Flávia, filha de um senador romano, foi quem ditou a seguinte lei: “Que nenhum cristão, uma vez trazido ao tribunal, fique isento de castigo, sem que renuncie a sua religião”.

Durante esse reinado, foram escritas várias histórias, inventadas com a finalidade de causar dano aos cristãos. Tal era o fanatismo dos pagãos, que se qualquer fome, epidemia ou terremoto assolasse alguma das províncias romanas, culpavam os cristãos. As perseguições fizeram aumentar o número de informantes, e muitos, movidos pela cobiça, testificavam falsamente contra a vida de inocentes.

Outra dificuldade era que, ao serem levados aos tribunais, os cristãos eram submetidos a um juramento; caso se recusassem a fazê-lo, eram sentenciados à morte, e caso se confessassem cristãos, a sentença era a mesma.

Os nomes abaixo identificam os que mais se destacaram dentre os numerosos mártires dessa perseguição.

Dionísio, o areopagita, era ateniense de nascimento e instruído em toda literatura útil e estética da Grécia. Viajou ao Egito para estudar astronomia e fez observações muito precisas do grande eclipse sobrenatural ocorrido na crucificação de nosso Salvador. A santidade de sua vida e a pureza de suas maneiras recomendaram-no de tal modo diante dos cristãos, que foi designado bispo de Atenas.

Nicodemos, um benevolente cristão, sofreu em Roma durante o furor da perseguição de Domiciano.

Protásio e Qervásio foram martirizados em Milão.

Timóteo, o célebre discípulo de Paulo, foi bispo de Éfeso, onde pastoreou zelosamente a igreja até 97 d.C. Nesse tempo, quando os pagãos estavam para celebrar a festa chamada Catagogião, Timóteo repreendeu-os severamente por sua ridícula idolatria. Exasperado, o povo caiu sobre ele, armado de paus. Terrivelmente espancado, o discípulo de Paulo expirou dois dias depois.

A Terceira Perseguição sob Trajano, em 108 d.C.
Na terceira perseguição, Plínio, o Jovem, homem erudito e famoso, vendo a lamentável matança de cristãos, foi movido pela compaixão e escreveu a Trajano, comunicando-lhe que milhares de pessoas eram mortas diariamente sem que nada houvessem feito às leis romanas; não mereciam, portanto, aquela perseguição. “Tudo o que eles contam acerca de seu crime ou erro (ou como tenha que se chamar) somente consiste nisto: que costumam reunir-se em determinados dias, antes do amanhecer, e repetir juntos uma oração que honra a Cristo como Deus, além de se comprometerem a não cometer maldade alguma, não furtar, roubar ou adulterar; nunca mentir, e jamais defraudar alguém. Feito isto, costumam separar-se e voltar a reunir-se depois para uma inocente refeição em comum”.

Nessa perseguição sofreu o bem-aventurado Inácio, muito considerado por todos os cristãos. Ele havia sido designado ao bispado de Antioquia, em sucessão a Pedro. Contam alguns que, ao ser enviado da Síria a Roma, porque professava a Cristo, foi entregue às feras para ser devorado. Também dizem que quando passou pela Ásia (atual Turquia), debaixo do mais apurado cuidado de seus guardiões, fortaleceu e confirmou as igrejas em todas as cidades por onde passava, tanto com suas exortações como pela pregação da Palavra. Assim, ao chegar a Esmirna, escreveu aos cristãos de Roma a fim de exortá-los a não empregarem meio algum para libertá-lo de seu martírio; que não o privassem daquilo que mais anelava e esperava. “Agora começo a ser um discípulo, fiada me importa das coisas visíveis ou invisíveis, para poder ganhar somente a Cristo. Que venham sobre mim o fogo e a cruz, manadas de bestas selvagens, rompimento de ossos e dilaceramento do corpo, e toda a malícia do diabo. Que assim seja, se eu tão-somente puder ganhar a Cristo Jesus!” E quando recebeu a sentença de ser lançado às feras, tal era o seu desejo de padecer que, cada vez que ouvia rugir os leões, dizia: “Sou o trigo de Cristo; vou ser moído com os dentes de feras para que possa ser achado pão puro”.

Adriano, o sucessor de Trajano, deu andamento a esta terceira perseguição com a mesma severidade que o seu antecessor. Nesse tempo foram martirizados Alexandre, bispo de Roma; seus dois diáconos, Quirino e Hermes, com suas famílias; Zeno, um nobre romano, e cerca de outros dez mil cristãos.Muitos foram crucificados no monte Ararate, coroados de espinhos e traspassados com lanças, numa imitação da paixão de Cristo. Eustáquio, um valente comandante romano, com muitos êxitos militares, recebeu ordem do imperador para unir-se a um sacrifício idólatra em celebração a uma de suas próprias vitórias. Sua fé, porém (pois era cristão), era maior que a sua vaidade, e ele, nobremente, recusou-se a comparecer. Enfurecido pela negativa, o ingrato imperador esqueceu-se dos serviços do destro comandante e ordenou o seu martírio, bem como o de toda a sua família.

No martírio de Faustines e Jovitas, ambos os irmãos e cidadãos de Bréscia, tantos foram os seus padecimentos e tão grande a sua paciência, que Calocerio, um pagão, ao contemplá-los, foi tomado de admiração e exclamou: “Grande é o Deus dos cristãos!” Por isso, foi preso e sofreu igual sorte.Muitas outras crueldades tiveram de sofrer os cristãos, até que Quadratus, bispo de Atenas, fizesse uma erudita apologia a favor deles, diante do imperador, que então se achava presente. Aristides, um filósofo da mesma cidade, também contribuiu, ao escrever uma elegante epístola que levou Adriano a diminuir sua severidade e ceder a favor dos cristãos.Adriano, ao morrer em 138 d.C, foi sucedido por António Pio, um dos mais gentis monarcas que já reinaram, e que deteve as perseguições contra os cristã.

A Quarta Perseguição sob Marco Aurélio, em 162 d.C.

No ano 161 de nosso Senhor, Marco Aurélio assumiu o trono. Embora elogiável no estudo da filosofia e em sua atividade de governo, era um homem de natureza rígida e severa; foi duro e feroz contra os cristãos, e desencadeou a quarta perseguição.

As crueldades executadas nesta perseguição foram de tal calibre que muitos dos espectadores estremeciam de horror ao vê-las, e ficavam atónitos diante da coragem dos que as sofriam. Alguns dos mártires eram obrigados a passar, com os pés já feridos, sobre espinhos, cravos, conchas afiadas, etc. Outros eram açoitados até que seus tendões e veias ficassem expostos, e, depois de haverem sofrido os mais atrozes tormentos já inventados, eram mortos das maneiras mais terríveis.

Germânico, jovem ainda, porém verdadeiro cristão, foi entregue às feras por causa de sua fé. Enfrentou tudo com coragem tão assombrosa, que muitos pagãos se converteram ao cristianismo.

Policarpo, o respeitado bispo de Esmirna, ocultou-se ao ouvir que o procuravam; foi, porém, descoberto por um menino. Depois de servir uma refeição aos guardas que o prenderam, pediu-lhes uma hora de oração, e foi atendido. Orou com tal fervor que os soldados, os quais o haviam detido, arrependeram-se de havê-lo feito. Todavia, levaram-no ao procônsul; ele foi condenado e queimado na praça do mercado.

O procônsul pressionou-o: “Jura e te darei a liberdade. Blasfema contra Cristo”.

Policarpo respondeu-lhe: “Durante oitenta e seis anos o tenho servido, e nunca me fez mal algum. Como blasfemaria eu contra o meu Rei, que me tem salvado?”

Policarpo assegurou-lhes que se manteria imóvel na estaca; então, ao contrário do que se costumava fazer, foi apenas atado, e não cravado. Ao acenderem a fogueira, as chamas rodearam-lhe o corpo, como um arco, sem tocá-lo. Ordenaram então ao carrasco que o traspassasse com uma espada. Com isto, manou tão grande quantidade de sangue que o fogo apagou-se. Não obstante, por instigação dos inimigos do Evangelho, principalmente dos judeus, ordenou-se que seu corpo fosse consumido na fogueira; e a petição de seus amigos, que lhe queriam dar um sepultamento cristão, foi desprezada. Contudo, recolheram-lhe os ossos e o que foi possível de seus restos mortais, e os enterraram decentemente

Metrodoro, um ministro e pregador impetuoso, e Peônio, autor de várias e excelentes apologias à fé cristã, foram também queimados. Carpo e Papilo, dois dignos cristãos, e Agatônica, uma piedosa mulher, sofreram o martírio em Pergamópolis, na Ásia.

Felicitate, uma ilustre dama romana, de classe social elevada e muito virtuosa, era devota crista. Tinha sete filhos, a quem educara com a mais exemplar piedade. Enero, o mais velho, foi flagelado e prensado com pesos até morrer. Félix e Felipe, que o seguiam em idade, foram descerebrados com garrotes. Silvano, o quarto, foi jogado de um precipício e morreu. Os três mais novos, Alexandro, Vital e Marcial, foram decapitados. A mãe foi morta com a mesma espada que os mataram.

Justino, o célebre filósofo, foi martirizado nesta perseguição. Era natural de Neápolis, em Samaria, e nascera em 103 d.C. Foi um grande amante da verdade e erudito universal; investigou as filosofias estóica e peripatética, e provou a pitagórica, mas, ao desgostar-se da conduta de um de seus professores, investigou a platónica, na qual encontrou grande deleite. Por volta do ano 133 d.C, aos trinta anos, converteu-se ao cristianismo e, desde então, pela primeira vez, percebeu a real natureza da verdade.

Escreveu uma elegante epístola aos gentios e empregou seus talentos para convencer os judeus da verdade dos ritos cristãos. Dedicou grande tempo a viajar, até estabelecer sua residência em Roma, no monte Viminal.

Abriu uma escola pública; ensinou a muitos que foram, posteriormente, destacados personagens na história; e escreveu um tratado para refutar todo tipo de heresias. Quando os pagãos começaram a tratar os cristãos com severidade, Justino escreveu sua primeira apologia a favor deles. Este escrito, que exibe grande erudição e genialidade, fez com que o imperador publicasse um edito em favor dos cristãos.

Pouco depois entrou em frequentes discussões com Crescente, pessoa de vida viciosa, conquanto célebre filósofo cínico. Os argumentos de Justino foram poderosos, porém odiosos para Crescente, que decidiu, e conseguiu, sua destruição.

A segunda apologia de Justino, devido a certas coisas que continha, deu ao cínico Crescente a oportunidade de predispor o imperador contra ele; por isso, Justino foi detido juntamente com seis companheiros. Como se recusassem a prestar sacrifícios aos ídolos pagãos, foram condenados ao açoite seguido de decapitação. Esta sentença cumpriu-se com toda a severidade imaginável.

Vários foram decapitados por se recusarem a sacrificar à imagem de Júpiter; em particular, Concordo, diácono da cidade de Espólito.

Quando algumas das agitadas nações do Norte levantaram armas contra Roma, o imperador pôs-se em marcha para enfrentá-las. Não obstante, viu-se preso numa emboscada e temeu perder todo o seu exército. Isolados entre montanhas, rodeados de inimigos, e com muita sede, em vão invocaram as divindades pagãs. Então o imperador ordenou aos homens pertencentes à Legião do Trovão que orassem ao seu Deus pedindo socorro. De imediato veio a milagrosa resposta: caiu uma chuva torrencial, que foi recolhida e represada pelos homens, trazendo alívio repentino e assombroso. Parece que a tormenta intimidou de tal forma os inimigos que uma parte deles desertou até o exército romano; o restante foi derrotado, e as províncias rebeldes foram totalmente recuperadas.

Este episódio fez com que a perseguição se atenuasse por algum tempo, ao menos nas zonas sob a inspeção do imperador. Observamos, porém, que logo se desencadearia na França, particularmente em Lyon, onde as torturas impostas aos cristãos quase ultrapassam a capacidade de descrição.

Eis os principais desses mártires: um jovem chamado Vetio Agato; Blandina, uma dama cristã de débil constituição; Sancto, diácono em Vienna — a este aplicaram pratos de bronze em brasas sobre as partes mais sensíveis do corpo; Bíblias, uma frágil mulher que fora apóstata anteriormente; Attalo, de Pérgamo, e Potino, o conceituado bispo de Lyon, que tinha noventa anos. No dia em que Blandina e outros três campeões da fé foram levados ao anfiteatro, penduraram-na em um lenho a fim de expô-la como alimento às feras. Entretanto, com suas fervorosas orações, ela alentava os companheiros. Nenhuma das feras a tocou, e ela foi levada de volta à masmorra. Ao ser retirada de lá pela terceira e última vez, saiu acompanhada por Pontico, um adolescente de quinze anos. A consistência da fé deles enfureceu de tal maneira a multidão, que não foram respeitados nem o sexo dela nem a juventude dele; ambos foram objeto de todo tipo de castigos e torturas. Fortalecido por Blandina, o menino perseverou até a morte; ela, depois de suportar os sofrimentos mencionados, foi finalmente morta à espada.

Nessas ocasiões, os cristãos caminhavam para o martírio coroados com guirlandas de flores; por elas, recebiam no Céu imarcescíveis coroas de glória.

Dizem que a vida dos cristãos primitivos consistia em “perseguição sobre a terra e orações no subsolo”. Suas vidas estão expressas no Coliseu e nas

catacumbas. Debaixo de Roma estão os subterrâneos que chamamos de catacumbas, e tanto serviam de templos como de tumbas. A primitiva comunidade cristã em Roma poderia ser chamada, com razão, de a Igreja das Catacumbas. Perto desta cidade existem cerca de sessenta catacumbas, onde podem ser percorridas umas seiscentas milhas de galerias, e isto não é a totalidade. Elas têm uma altura de aproximadamente oito pés (2,4 metros) e uma largura entre três e cinco pés (em torno de 1 a 1,5 metro), e contêm, de cada lado, várias fileiras de cavidades compridas, baixas e horizontais, umas sobre as outras, como as beliches de um barco. Nestes cubículos eram postos os cadáveres e em seguida eram fechados com uma simples lápide de mármore ou grandes lajes de argila, unidas com concreto. Nestas lápides ou lajes estão gravados ou pintados epitáfios e símbolos. Tanto pagãos como cristãos sepultavam seus mortos nessas catacumbas. Quando foram abertos os sepulcros cristãos, os esqueletos contaram sua terrível história. Encontraram-se cabeças separadas do corpo, costelas e clavículas quebradas, e ossos calcinados pelo fogo. Apesar da terrível história de perseguição que aí se lê, as inscrições respiram gozo, paz e triunfo. Eis algumas delas:

“Aqui jaz Márcia, posta a repousar em um sonho de paz.”

“Lorenzo a seu mais doce filho, levado pelos anjos.”

“Vitorioso em paz e em Cristo.”

“Ao ser chamado, foi-se em paz.”

Ao ler estas inscrições, recordemos a história de perseguições, tortura e fogo contada pelos esqueletos.

Entretanto, a plena força destes epitáfios é melhor apreciada quando os contrastamos com os epitáfios pagãos, tais como:

“Vive para esta hora presente, porque de nada mais estamos seguros.”

“Levanto minhas mãos contra os deuses que me arrebataram aos vinte anos, mesmo não havendo feito algo de errado.”

“Uma vez não era. Agora não sou. Nada sei dele, e não é minha preocupação.”

“Peregrino, não me maldigas quando passares por aqui; porque estou em trevas e não posso responder.”

Os mais frequentes símbolos cristãos nas paredes das catacumbas são: um pastor com um cordeiro nos ombros, um navio com as velas desfraldadas, harpas, âncoras e, principalmente, o peixe.

A Quinta Perseguição sob Severo, em 192 d.C.

Severo, recuperado de uma grave enfermidade após haver recebido cuidados de um cristão, chegou a ser um grande benfeitor dos cristãos em geral. Ao prevalecer, porém, os preconceitos e a fúria da multidão ignorante, foram postas em ação leis obsoletas em relação aos adeptos do cristianismo. O avanço do movimento alarmava os pagãos e reavivava o velho hábito de se culpar os cristãos pelas desgraças acidentais que sobrevinham. Esta perseguição desencadeou-se em 192 d.C.

Embora rugisse a malícia persecutória, o Evangelho resplandecia fulgurantemente; firme como uma rocha, resistia com êxito aos ataques dos inimigos. Tertuliano, que viveu nessa época, informa-nos que, se os cristãos houvessem se retirado em massa dos territórios romanos, o império teria ficado grandemente despovoado.

Victor, bispo de Roma, sofreu o martírio no primeiro ano do terceiro século, em 201 d.C. Leônidas, pai do célebre Origenes, foi decapitado por Cristiano. Muitos dos ouvintes de Origenes também foram martirizados; em particular dois irmãos, Plutarco e Sereno. Um outro Sereno, e também Heron e Heráclides, foram decapitados. Com Rhais deu-se o seguinte: derramaram-lhe breu fervente sobre a cabeça, e logo o queimaram, como também a sua mãe Marcela. Potainiena, irmã de Rhais, foi executada da mesma forma que ele. Entretanto, Brasílides, oficial do exército, que recebeu ordens para presidir a execução, converteu-se ao Evangelho.

Quando pediram a Brasílides que fizesse um certo juramento, afirmou que não poderia jurar pelos ídolos romanos, porque era cristão. Cheia de estupor, a multidão não podia crer no que ouvia; porém, após confirmar o que dissera, ele foi arrastado à presença do juiz, lançado no cárcere e, pouco depois, decapitado.

Irineu, bispo de Lyon, nascera na Grécia e recebera uma educação esmerada e cristã. Supõe-se, em geral, que o relato das perseguições em Lyon tenha sido escrito por ele mesmo. Sucedeu ao mártir Potino, como bispo de Lyon, e pastoreou com grande discrição sua comunidade cristã; opunha-se fervorosamente às heresias em geral e, por volta de 187 d.C, escreveu um célebre tratado contra as mesmas. Victor, bispo de Roma, desejoso de impor ali a observação da Páscoa, ao preferir este a outros lugares, provocou algumas desordens entre os cristãos. De maneira particular, Irineu escreveu-lhe uma epístola sinódica, em nome das igrejas galicanas.

Este zelo pelo cristianismo acabou por destacá-lo como objeto de ressentimento diante do imperador, o que lhe custou a decapitação em 202 d.C.

As perseguições, ao se estenderem à África, provocaram a morte de muitos cristãos. Mencionaremos os mais destacados entre eles:

Perpétua, de aproximadamente vinte e dois anos, casada. Com ela sofreram Felicitas, também casada e em adiantado estado de gestação, e Revocato, escravo e catecúmeno de Cartago. Outros presos destinados a sofrer nessa ocasião foram Saturnino, Secúndulo e Satur. no dia marcado para a execução deles, foram levados ao anfiteatro. A Satur, Secúndulo e Revocato mandaram que corressem entre os domadores das feras. Estes, dispostos em duas fileiras, flagelavam-nos severamente enquanto corriam. Felicitas e Perpétua foram despidas e expostas a um touro bravo, que se lançou primeiro contra Perpétua, deixando-a inconsciente; logo arremessou-se contra Felicitas, e a içou terrivelmente pelos chifres. Como ambas continuassem vivas, o carrasco atravessou-as com uma espada. Revocato e Satur foram devorados pelas feras; Saturnino foi decapitado, e Secúndulo morreu no cárcere. Estas execuções aconteceram em março de 205 d.C.

Esperato e outros doze foram decapitados, e o mesmo aconteceu com Androcles, na França. Asclepíades, bispo de Antioquia, sofreu muitas torturas, mas não foi morto.

Cecília, jovem dama de uma boa família em Roma, casada com um cavaleiro chamado Valeriano, ganhou o marido e o irmão para Jesus, que foram por isso decapitados. O oficial que os levou à execução foi convertido por eles e sofreu a mesma sorte. A dama foi lançada despida em um banho fervente e, após permanecer ali um tempo considerável, foi decapitada. Isto aconteceu em 222 d.C.

Calixto, bispo de Roma, sofreu o martírio em 224 d.C, mas não há registro sobre a forma de sua morte. Urbano, bispo de Roma, sofreu a mesma sorte em 232 d.C.

A Sexta Perseguição sob Maino, em 235 d.C.
Em 235 d.C, começou, sob o comando de Maximino, uma nova perseguição. O governador de Capadócia, Seremiano, fez todo o possível para exterminar os cristãos daquela província.

As principais pessoas a morrer sob este reinado foram: Pontiano, bispo de Roma (seu sucessor, um grego chamado Anteros, ofendeu o governo ao

reconhecer os atos dos mártires); Pamaquio e Quirito, senadores romanos, juntamente com suas famílias; Simplício, também senador; Calepódio, um ministro cristão que foi lançado ao rio Tiber; Martina, uma nobre e formosa donzela; e Hipólito, um prelado cristão que foi atado a um cavalo selvagem e arrastado até morrer.

Durante esta perseguição, suscitada por Maximino, muitos cristãos foram executados sem julgamento e enterrados indiscriminadamente em montões; às vezes, cinquenta ou sessenta eram jogados juntos em uma vala comum, sem a menor decência.

Ao morrer o tirano Maximino, em 238 d.C, substituiu-o Qordiano. Durante seu reinado, assim como no de Felipe, seu sucessor, a Igreja esteve livre das perseguições num período de mais de dez anos. Porém, em 249 d.C, por instigação de um sacerdote pagão, e sem conhecimento do imperador, desatou-se em Alexandria violenta perseguição.

A Sétima Perseguição sob Décio, em 249 d.C.
Esta foi ocasionada, em parte, pelo aborrecimento que Décio tinha para com seu antecessor, Felipe, considerado cristão, e também por seu ciúme diante do assombroso avanço do cristianismo. O que ocorria era que os templos pagãos começavam a ser abandonados e as igrejas cristãs tornavam-se repletas.

Estas razões estimularam Décio a tentar a extirpação do nome “cristão”. E, desafortunadamente para o Evangelho, vários erros ocorreram, nesse tempo, dentro da Igreja. Os cristãos achavam-se divididos entre si; os interesses próprios separavam aqueles a quem o amor deveria manter unidos; a virulência do orgulho deu ocasião a uma série de facções.

Os pagãos, em geral, ambicionavam pôr em ação os decretos imperiais e consideravam o assassinato dos cristãos um mérito para si próprios. Nessa ocasião, os mártires foram inumeráveis; relacionaremos, porém, apenas os principais.

Fabiano, bispo de Roma, foi a primeira pessoa, em posição eminente, a sentir a severidade dessa perseguição. O falecido imperador havia posto seu tesouro aos cuidados desse homem, devido à sua integridade. Mas Décio, por não encontrar tanto quanto sua avareza o fizera imaginar, decidiu vingar-se do bom prelado. Fabiano foi, então, preso e decapitado em 20 de janeiro de 250 d.C.

Julião, nativo da Cilicia, como nos informa Crisóstomo, foi preso por ser cristão. Posto em uma bolsa de couro, junto com várias cobras e escorpiões, foi lançado ao mar.

Pedro, um jovem muito simpático, tanto pelo seu físico como por suas qualidades intelectuais, foi decapitado por se recusar a sacrificar a Vénus. No julgamento, declarou: “Estou atónito ao ver que sacrificais a uma mulher tão infame, cujas abominações são registradas por vossos próprios historiadores e cuja vida consistiu em ações que vossas próprias leis castigariam. Não oferecerei sacrifício a ela, mas ao verdadeiro Deus apresentarei a oferta aceitável de louvores e orações”. Ao ouvir isto, Óptimo, procônsul da Ásia, ordenou que o preso fosse estirado na roda de tormento, onde se lhe romperam todos os ossos. Depois, foi decapitado.

Nicômaco, obrigado a comparecer diante do procônsul como cristão, recebeu ordens de sacrificar aos ídolos pagãos. No entanto, ele replicou: “Não posso dar a demónios a reverência devida somente ao Todo-Poderoso”. Esta maneira de falar enfureceu de tal modo o procônsul, que Nicômaco foi posto no potro. Depois de suportar os tormentos por um tempo, retratou-se. Porém, logo depois desta prova de debilidade, entrou em agonia; tombou ao chão e morreu imediatamente.

Denisa, uma jovem de apenas dezesseis anos, ao contemplar este terrível juízo, exclamou: “Oh, infeliz, para que comprar um momento de alívio à custa de uma eternidade de misérias?!” Ao ouvi-la proferir tais palavras, Óptimo chamou-a e, ao saber que ela também era cristã, mandou decapitá-la.

André e Paulo, dois companheiros de Nicômaco, sofreram o martírio por apedrejamento em 251 d.C. e morreram invocando o nome de seu Redentor.

Alexandro e Epímaco, de Alexandria, foram presos como suspeitos de serem cristãos. Diante da confirmação, foram golpeados com estacas, rasgados com ganchos de ferro e, finalmente, queimados. Também nos informa um fragmento preservado por Eusébio que quatro mulheres mártires sofreram naquele mesmo dia e no mesmo lugar, mas não da mesma maneira; foram decapitadas.

Luciano e Marciano, dois malvados pagãos versados nas artes mágicas, converteram-se ao cristianismo e, para expiar os erros passados, passaram a viver como eremitas e alimentar-se apenas de pão e água. Depois de um tempo nesta condição, tornaram-se zelosos pregadores e ganharam muitas almas para Jesus. Vindo a perseguição, foram presos e levados diante de Sabino, o governador da Bitínia. Quando lhes interrogaram em nome de que autoridade pregavam, Luciano respondeu que “as leis da caridade e da humanidade obrigavam todo homem a buscar a conversão de seus semelhantes e a fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para libertá-los dos laços do diabo”.

Havendo Luciano respondido desta maneira. Marciano acrescentou que a conversão deles “havia sido pela mesma graça concedida ao apóstolo Paulo, que, de zeloso perseguidor da Igreja, convertera-se em pregador do Evangelho”.

O procônsul, ao perceber que não podia prevalecer sobre eles no sentido de obrigá-los a renunciar a fé, condenou-os a ser queimados vivos. A sentença foi logo executada.

Trifon e Respício, dois homens ilustres, foram apreendidos como cristãos e encarcerados em Nisa. Tiveram os pés traspassados com cravos; foram arrastados pelas ruas, açoitados, descarnados com ganchos de ferro, queimados com tochas, e finalmente decapitados no dia primeiro de fevereiro de 251 d.C.

Ágata, uma bonita dama siciliana, não era tão notada por seus dotes naturais, mas por sua piedade. Tal era a sua formosura que Quintiano, governador da Sicília, apaixonou-se por ela e fez muitas tentativas de vencer sua castidade; todas, porém, sem êxito. A fim de satisfazer mais facilmente suas paixões, colocou a virtuosa dama nas mãos de Afrodica, mulher infame e depravada. Esta miserável usou todos os artifícios para arrastá-la à prostituição; contudo, viu falidos todos os seus esforços, pois a castidade de Ágata era inexpugnável, e ela sabia muito bem que só a virtude poderia dar-lhe a verdadeira felicidade. Afrodica fez saber a Quintiano a inutilidade de seus esforços, e este, enfurecido ao ver seus desígnios frustrados, tornou sua concupiscência em ressentimento. Quando Ágata se confessou cristã, ele decidiu satisfazer-se com a vingança, desde que não podia gratificar-se com a paixão. Por ordens suas. Ágata foi flagelada, queimada com ferros em brasa e descarnada com ganchos de ferro. Ao suportar estas torturas com admirável força, foi posta nua sobre brasas misturadas com vidro, e logo devolvida ao cárcere, onde expirou no dia 5 de fevereiro de 251 d.C.

Cirilo, bispo de Qortyna, foi preso por ordens de Lúcio, governador daquela região, que o exortou a obedecer à ordem imperial, a fazer os sacrifícios e a salvar da destruição sua venerável pessoa de oitenta e quatro anos. O bom prelado respondeu que, como havia ensinado a outros durante muito tempo a salvar suas almas, agora só podia pensar na própria salvação. O digno prelado escutou, sem a menor emoção, a sua sentença, dada com furor; caminhou animadamente até o lugar da execução e sofreu o martírio com total integridade.

Em nenhum lugar a perseguição manifestou-se com tanta ira como na ilha de Creta, pois o governador, sumamente ativo na execução dos éditos imperiais, fez correr rios de sangue dos piedosos cristãos.

Babylas, um cristão com educação académica, chegou a ser bispo de Antioquia em 237 d.C, depois de Zebino. Atuou com zelo incomparável e pastoreou a igreja com uma prudência admirável durante os tempos mais tormentosos. A primeira desgraça a ocorrer em Antioquia durante a missão de Babylas foi o cerco orquestrado por Sapor, rei da Pérsia, que, ao invadir toda a Síria, tomou e saqueou essa cidade, entre outras, e tratou os moradores cristãos com maior dureza que os outros; porém, logo foi derrotado por Qordiano.

Depois da morte de Qordiano, o imperador Décio, que o sucedeu, visitou Antioquia e ali expressou o desejo de visitar uma comunidade cristã. Babylas opôs-se absolutamente a isso e não permitiu a sua entrada. O imperador dissimulou momentaneamente a ira, mas logo mandou buscar o bispo e, ao repreendê-lo duramente por sua insolência, ordenou que sacrificasse às divindades pagãs como expiação por sua ofensa. Ao recusar, Babylas foi deixado no cárcere, preso em cadeias, e tratado com a maior severidade. Logo depois, foi decapitado juntamente com três jovens que foram seus alunos. Isto aconteceu em 251 d.C.

Neste mesmo tempo foi encarcerado Alexandro, bispo de Jerusalém, e ali morreu devido à dureza de sua reclusão.

Juliano, um ancião aleijado por causa de uma artrite, foi atado juntamente com Cronión a corcovas de camelos, flagelados cruelmente e logo lançados ao fogo, onde morreram. Também quarenta donzelas foram queimadas em Antioquia, após sofrerem encarceramento e flagelos.

Em 251 d.C, o imperador Décio, depois de erigir um templo pagão em Éfeso, ordenou que todos os habitantes da cidade sacrificassem aos deuses. Esta ordem foi nobremente desprezada por sete de seus próprios soldados: Maximiano, Marciano, Joanes, Malco, Dionísio, Seraión e Constantino. O imperador, desejoso de que eles renunciassem a fé cristã mediante suas exortações e apelos, deu-lhes um tempo considerável até voltar de uma expedição. Durante a sua ausência, os bravos soldados fugiram e ocultaram-se em uma gruta. Ao regressar e tomar conhecimento do fato, o imperador ordenou que a entrada da caverna fosse fechada, e todos morreram de fome.

Teodora, uma jovem e formosa dama de Antioquia, recusou-se a sacrificar aos deuses de Roma. Foi, por isso, condenada a viver em um bordel, onde sua

virtude seria sacrificada à brutalidade e à concupiscência. Dídimo, um cristão, entrou naquele recinto vestido com um uniforme de soldado romano, revelou-se a Teodora e aconselhou-a a fugir disfarçada com aquela roupa, ficando ele em seu lugar. Quando descobriram no bordel um homem no lugar da formosa dama, Dídimo foi levado diante do governador, a quem confessou a verdade. Ao declarar-se cristão, recebeu imediata sentença de morte. Teodora, ao ouvir que seu libertador morreria, rogou perante o juiz e implorou que a sentença recaísse sobre ela. Não obstante, surdo aos clamores dos inocentes e insensível à justiça, o implacável juiz condenou a ambos. Dídimo e Teodora foram decapitados e depois tiveram os corpos queimados.

Secundiano, acusado de ser cristão, era levado ao cárcere quando Veriano e Marcelino indagaram aos soldados que o conduziam: “Para onde levais um inocente?” A pergunta fez com que também fossem presos e, após serem torturados, os três foram pendurados e decapitados.

Orígenes, o célebre presbítero e ensinador da Palavra de Deus em Alexandria, foi preso aos sessenta e quatro anos e largado numa imunda masmorra, totalmente acorrentado, com os pés no cepo e as pernas estiradas ao máximo, durante vários dias seguidos. Foi ameaçado com fogo e torturado com todos os requintes de crueldade inventados pelas mentes mais diabólicas. Durante o seu terrível e prolongado tormento, morreu o imperador Décio. Qallo, seu sucessor, envolveu-se numa guerra com os godos e, com isso, os cristãos tiveram um certo alívio. Orígenes obteve então a liberdade e retirou-se para Tiro, onde ficou até a morte, que lhe sobreveio aos sessenta e nove anos.

Qallo, depois de concluir suas guerras, deparou-se com uma praga no império. Ele ordenou, então, que fossem oferecidos sacrifícios aos deuses pagãos. Esta medida fez com que novas perseguições aos cristãos fossem desencadeadas, desde a capital do império até as províncias mais afastadas. Muitos foram as vítimas da impetuosidade da população, assim como do preconceito dos magistrados. Entre esses mártires estiveram Cornélio, bispo cristão de Roma, e Lúcio, seu sucessor, em 253 d.C.

A maioria dos erros introduzidos na Igreja, nesta época, resultou de se colocar a razão humana em competição com a revelação. Quando, porém, os teólogos mais capazes demonstraram a falibilidade de tais argumentos, as opiniões que se haviam levantado desvaneceram-se como as estrelas diante do Sol.

A Oitava Perseguição sob Valeriano, em 257 d.C.
A oitava perseguição veio sob o comando de Valeriano, em abril de 257 d.C, e continuou por três anos e dez meses. Foram inumeráveis os mártires dessa perseguição; suas torturas e mortes eram variadas e penosas. Citamos a seguir os mais ilustres nomes dentre eles, embora não se tenha respeitado classe, sexo ou idade.

Rufina e Secunda eram duas formosas e refinadas damas, filhas de Asterio, eminente cavalheiro de Roma. Rufina, a mais velha, estava prometida em casamento a Armentário, um jovem da nobreza. Secunda, a mais nova, a Verino, pessoa de linhagem fina e opulenta. Os pretendentes eram ambos cristãos, mas ao levantar-se a perseguição, renunciaram a fé para salvar suas fortunas. Esforçaram-se muito, então, na tentativa de persuadir as damas a fazerem o mesmo. Frustrados em seus propósitos, tornaram-se tão abjetos que chegaram ao ponto de denunciá-las. Ambas foram presas e levadas a comparecer perante Junio Donato, governador de Roma. Lá, em 257 d.C, selaram com sangue o seu martírio.

Estêvão, bispo de Roma, foi decapitado naquele mesmo ano. Também Saturnino, o piedoso bispo ortodoxo de Toulouse, por se recusar a sacrificar aos ídolos, foi tratado com as mais bárbaras e inimagináveis crueldades. Ataram-lhe os pés à cauda de um touro, e o enfurecido animal desceu em disparada as escadarias do templo. O crânio do digno mártir abriu-se, de onde saiu seu cérebro, que se espalhou pelo chão.

Sixto sucedeu a Estêvão como bispo de Roma. Supõe-se que era grego de nascimento e servira durante algum tempo como diácono, sob a direção de Estêvão. Sua grande fidelidade, singular sabedoria e coragem incomum distinguiram-no em muitas ocasiões. E o feliz resultado de uma polémica travada com alguns hereges é geralmente tido como uma confirmação de suas características de piedade e prudência. Mo ano 258 d.C, Marciano, que dirigia os assuntos do governo em Roma, conseguiu uma ordem do imperador Valeriano para matar todo o clero cristão que atuava na capital do império. Por ordem dele, Sixto e seis de seus diáconos sofreram o martírio.

Acerquemo-nos do fogo do martirizado Lorenzo, para que nossos corações sejam aquecidos. O implacável tirano Marciano, ciente de que Lorenzo não só era ministro da Palavra de Deus, mas também tesoureiro das finanças da igreja em Roma, prometeu ao imperador, com o aprisionamento de uma só pessoa,

uma dupla presa: primeiro, com o espírito da avareza, puxaria para o governo todo o tesouro dos cristãos pobres; depois, com a ferocidade da tirania, trataria de agitá-los, perturbá-los e esgotá-los em seus trabalhos diários. De rosto feroz e cruel semblante, o ambicioso lobo perguntou onde Lorenzo havia empregado as riquezas da igreja em Roma. Este, pedindo-lhe três dias de prazo, prometeu declarar onde se encontrava o tesouro. Enquanto isso, fez congregar uma grande quantidade de cristãos pobres. Ao chegar o dia em que deveria dar a resposta, Lorenzo recebeu do perseguidor ordens de se manter fiel à promessa. Então, o valente ministro, estendendo os braços aos pobres, declarou: “Estes são o precioso tesouro da igreja em Roma; estes são verdadeiramente o tesouro, aqueles em quem reina a fé de Cristo, em quem Jesus Cristo tem sua morada. Que jóias mais preciosas pode ter Cristo, senão aquelas nas quais prometeu morar? Porque assim está escrito: Tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; fui forasteiro e me hospedastes’. E também: ‘Sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes’. Que maior riqueza pode possuir Cristo, nosso Mestre, que o povo pobre em quem deseja ser visto?”

Ah! que língua poderia expressar o furor e a raiva do coração do tirano? Agora batia o pé, lançava olhares furiosos, gesticulava ameaçadoramente, comportava-se como louco. Seus olhos relampagueavam fogo; a boca espumava como a de um javali e mostrava os dentes como um infernal mastim, não era mais um homem racional; era um leão rugidor e rompante.

“Acendam o fogo”, guinchou ele, “e não economizem lenha. Este vilão pensa que engana o imperador? Acabem com ele! Acabem com ele! Açoitem-no com chicotes, sacudam-no com varas, apliquem-lhe golpes com os punhos, descerebrem-no com garrotes. Este traidor zomba do imperador? Pincem-no com uma tenaz ardente, imprensem-no com placas incandescentes, atem-lhe as mãos e os pés, e quando a grelha de ferro estiver em brasas, amarrem-no a ela. Sob pena de nosso maior desagrado, cada um de vocês, verdugos, cumpra sua missão”.

Ditas estas palavras, foram prontamente cumpridas. Depois de cruéis tormentos, o manso cordeiro foi posto — não direi que sobre uma cama de ferro incandescente, mas em suave colchão de plumas. Pois Deus operou de modo tão milagroso para com Lorenzo, que a cama de fogo serviu-lhe de leito de repouso eterno.

Na África, a perseguição rugiu com peculiar violência; milhares receberam a coroa do martírio. Dentre eles destacamos as personalidades mais distintas:

Cipriano, bispo de Cartago, um eminente prelado e adorno da Igreja. O esplendor de seu génio era temperado pela solidez de seu juízo; tinha todas as virtudes de cavalheiro combinadas às qualidades de um cristão. Sua doutrina era ortodoxa e pura; sua linguagem, fácil e elegante; e seus modos, gentis e atraentes. Era, em resumo, um pregador piedoso e cortês. Em sua juventude, fora educado nos princípios dos gentios e, possuidor de uma fortuna considerável, vivera em todo o esplendor da riqueza e em toda a dignidade da pompa.

Por volta do ano 246 d.C, Cecílio, ministro cristão em Cartago, tornou-se o feliz instrumento da conversão de Cipriano e, pelo grande afeto que sempre sentiu pelo mestre, este jovem resolveu ser chamado Cecílio Cipriano. Antes de seu batismo, estudou cuidadosamente as Escrituras e, impressionado com a beleza da verdade, decidiu praticar as virtudes que nelas se recomendavam. Depois de seu batismo, vendeu suas posses, distribuiu seu dinheiro aos pobres, vestiu-se de modo simples e iniciou uma vida austera. Em pouco tempo foi nomeado presbítero. Era tão admirado por suas virtudes e obras que, por ocasião da morte de Donato, em 248 d.C, foi eleito, quase unanimemente, bispo de Cartago.

Os cuidados de Cipriano não se estendiam somente a Cartago, mas a Numídia e Mauritânia. Em todas as suas palestras, sempre aconselhou seus obreiros, ciente de que só a unanimidade ajudaria o progresso da Igreja. Esta era a sua máxima: “O bispo está na igreja, e a igreja no bispo, de forma que a unidade só pode ser preservada mediante um estreito vínculo entre o pastor e sua igreja”.

Em 250 d.C, Cipriano foi publicamente proscrito pelo imperador Décio sob o nome de Cecílio Cipriano, bispo dos cristãos. O clamor universal dos pagãos foi: “Cipriano aos leões; Cipriano às feras”. O bispo apartou-se do furor da multidão, e suas possessões foram imediatamente confiscadas. Durante seu retiro, escreveu trinta piedosas e elegantes epístolas ao seu rebanho. Contudo, vários cismas ocorridos na Igreja provocaram nele grande ansiedade. Com o abrandamento do rigor da perseguição, voltou a Cartago e fez tudo o que estava ao seu alcance para desfazer as opiniões erróneas. Quando uma terrível peste sobreveio a Cartago, foi, como de costume, atribuída aos cristãos. Os magistrados começaram logo uma perseguição, o que ocasionou uma carta deles a Cipriano. Em resposta, ele reivindicou a causa do cristianismo. Em 257 d.C, Cipriano teve de comparecer diante do procônsul Aspásio Paturno, que o desterrou para uma pequena cidade, no mar da Líbia. Ao morrer este procônsul, voltou a Cartago; porém, logo foi preso e levado diante do novo governador, que o condenou à decapitação. A sentença foi executada no dia quatorze de setembro de 258 d.C.

Os discípulos de Cipriano, martirizados nesta perseguição, foram Lúcio, Flaviano, Victórico, Remo, Montano, Julião, Primelo e Donaciano.

Em Útica, a tragédia foi maior: por ordem do governador, trezentos cristãos foram postos ao redor de um forno de cozimento de cerâmica. Após prepararem as brasas e o incenso, receberam a ordem para que sacrificassem a Júpiter, ou seriam jogados ao fogo. Recusaram unanimemente e, cheios de bravura, saltaram no forno, onde foram imediatamente asfixiados.

Fructuoso, bispo de Tarragona, na Espanha, e seus dois diáconos, Augúrio e Eulogio, foram queimados por serem cristãos.

Alexandro, Malco e Prisco, três cristãos da Palestina, e uma mulher da mesma região, acusaram-se voluntariamente de serem cristãos, pelo que foram sentenciados a ser devorados por tigres, determinação que foi executada.

Máxima, Donatila e Secunda, três jovens de Tuburga, receberam como bebida fel e vinagre, foram duramente flageladas, atormentadas sobre um patíbulo, sujas com cal, assadas sobre uma grelha de ferro, maltratadas por feras, e finalmente decapitadas.

É oportuno observar a singular, porém mísera sorte do imperador Valeriano, que durante muito tempo, e tão duramente, perseguiu os cristãos. Este tirano foi feito prisioneiro, mediante um estratagema, por Sapor, imperador da Pérsia, que o levou ao seu próprio país e tratou-o ali com a mais inusitada indignidade, ao fazê-lo sempre ajoelhar-se como o mais humilde escravo e colocar sobre ele os pés, como se fora uma banqueta, quando montava em seu cavalo. Depois de tê-lo humilhado durante sete anos neste abjeto estado de escravidão, fez com que lhe tirassem os olhos, apesar de já possuir oitenta e três anos de idade. Ainda não saciados os seus desejos de vingança, ordenou que o esfolassem e esfregassem-lhe sal na carne viva. Sob tais torturas, morreu Valeriano, um dos mais tiranos imperadores de Roma e um dos maiores perseguidores dos cristãos.

Em 260 d.C, assumiu Qallieno, filho de Valeriano, e durante seu reinado (exceto por alguns poucos mártires) a Igreja gozou paz.

A Nona Perseguição sob Aureliano, em 274 d.C.
Eis os dois mártires desta perseguição:

Félix, bispo de Roma, que assumiu o cargo em 274 d.C, foi a primeira vítima da petulância de Aureliano, ao ser decapitado no dia vinte e dois de dezembro do mesmo ano.

Agapito, um jovem cavalheiro que vendera suas possessões e dera o dinheiro aos pobres, foi preso como cristão, torturado, e logo decapitado em Praeneste, cidade que dista um dia de viagem de Roma.

Foram eles os únicos mártires registrados durante este reinado, que tão cedo viu o seu fim, quando foi o imperador assassinado em Bizâncio por seus próprios criados.

Aureliano foi sucedido por Tácito, que foi seguido por Probo, e este, por Caro. Quando este último foi morto por um raio, sucederam-no os seus filhos Carnio e Numeriano. Durante todos estes reinados a Igreja teve paz.

Diocleciano ascendeu ao trono imperial em 284 d.C. No princípio, mostrou grande favor aos cristãos. No ano 286 d.C, fez sociedade com Maximiano. Alguns cristãos foram mortos antes que se desatasse uma perseguição geral. Dentre eles destacam-se os irmãos Feliciano e Primo.

Marco e Marceliano eram gémeos, naturais de Roma e de nobre linhagem. Seus pais eram pagãos, porém os tutores responsáveis por sua educação criaram-nos como cristãos. Sua constância venceu os que desejavam vê-los convertidos ao paganismo; seus pais e toda a família converteram-se à fé que antes reprovavam. Foram martirizados ao serem atados a estacas, com os pés traspassados por cravos. Depois de permanecer nesta situação um dia e uma noite, foram transpassados com lanças, que lhes puseram fim aos sofrimentos.

Zoe, a mulher do carcereiro que cuidou dos mártires acima mencionados, converteu-se através deles. Foi por isso pendurada numa árvore com um fogo de palha sob si. Seu corpo foi lançado a um rio, atado a uma pedra, para que afundasse.

No ano 286 d.C, teve lugar um acontecimento dos mais notáveis registrados nos anais da Igreja. Uma legião de soldados, composta de seis mil seiscentos e sessenta seis homens, era totalmente constituída por cristãos. Era chamada Legião Tebana porque os homens haviam sido recrutados em Tebas. Estiveram alojados no Oriente até que o imperador Maximiano ordenou que se dirigissem às Qálias, a fim de o ajudarem contra os rebeldes de Borgonha. Passaram os Alpes, entraram nas Qálias, sob as ordens de Maurício, Cândido e Exupérnio, seus dignos comandantes, e finalmente reuniram-se ao imperador.

Nesta ocasião, Maximiano ordenou um sacrifício geral, que deveria ser assistido por todo o exército. Também determinou um juramento de lealdade e de auxílio na extirpação dos cristãos das Qálias. Alarmados diante de tais ordens, cada um dos componentes da Legião Tebana recusou-se, por completo, a sacrificar e fazer os juramentos propostos. Extremamente enfurecido com a recusa, Maximiano ordenou que toda a legião fosse dizimada, isto é, que selecionassem um de cada dez homens, e os matassem à espada. Após a execução da ordem sanguinária, o restante permaneceu inflexível; por isso deu lugar à segunda dizimação: um de cada dez homens dos que ficaram vivos morreu de igual modo.

Este segundo castigo não teve maiores efeitos que o primeiro; os soldados mantiveram-se firmes em sua decisão e em seus princípios. Porém, por conselho de seus oficiais, declararam fidelidade ao seu imperador. Poder-se-ia pensar que isso abrandaria o soberano, mas o efeito foi contrário. Encolerizado diante da perseverança e unanimidade dos soldados, determinou que toda a legião fosse morta. A ordem foi executada pelas outras tropas, que os despedaçaram com suas espadas em 22 de setembro de 286 d.C.

Alban, que deu nome a St. Alban’s, em Hertfordshire, foi o primeiro mártir britânico. A Inglaterra havia recebido o Evangelho de Cristo através de Lúcio, o primeiro rei cristão; porém, não sofreu a ira da perseguição até muitos anos depois. Alban era originalmente pagão, mas foi convertido através de Anfíbalo, um evangelista, a quem deu refúgio por causa de sua religião. Os inimigos de Anfíbalo, ao inteirar-se do lugar onde estava escondido, chegaram à casa de Alban. A fim de facilitar a fuga do mensageiro de Deus, Alban apresentou-se como a pessoa a quem buscavam.

Descoberto o engano, o governador ordenou que o açoitassem, e o sentenciou à decapitação no dia 22 de junho de 287 d.C. Assegura-nos o conceituado Beda que, nesta ocasião, o carrasco converteu-se subitamente ao cristianismo e pediu permissão para morrer por Alban ou com ele. Ao obter sua segunda petição, foram ambos decapitados por um soldado, que assumiu voluntariamente o papel de carrasco. Isto aconteceu no dia vinte e dois de junho de 287 d.C, em Verulam, agora St. Alban’s, em Hertfordshire, onde foi erigida uma magnífica igreja em sua memória, no tempo de Constantino, o Grande. Destruído nas guerras saxônicas, o nobre edifício gótico foi reconstruído por Offa, rei de Mércia, e junto a ele levantou-se um monastério, onde ainda é visível parte de suas ruínas.

Fé, uma mulher cristã da Aquitania, França, foi assada sobre uma grade de ferro e depois decapitada em 287 d.C.

Quintin era um cristão natural de Roma; porém, decidiu empreender a propagação do Evangelho nas Qálias com um tal Luciano, e pregaramjuntos em

Amiens. Luciano dirigiu-se a Beaumaris, onde foi martirizado. Quintin permaneceu em Picardia e mostrou grande zelo em seu ministério. Preso como cristão, foi estirado com roldanas até que se lhe deslocassem os membros. Seu corpo foi dilacerado com açoites de arame farpado, e depois derramaram-lhe óleo fervente sobre a carne viva. Suas faces e axilas foram queimadas com tochas. Após tanta tortura, foi enviado de volta à masmorra, onde morreu no dia 31 de outubro de 287 d.C. Seu corpo foi lançado ao rio Somme.

A Décima Perseguição sob Diocleciano, em 303 d.C.
Sob os imperadores romanos, a chamada Era dos Mártires foi ocasionada, em parte, pelo aumento do número de cristãos e por suas crescentes riquezas, que suscitaram o ódio de Qalerio, filho adotivo de Diocleciano. Some-se a isto o estímulo de sua mãe, uma fanática pagã, que praticamente empurrou o imperador a iniciar esta perseguição.

O dia fatal, assinalado para o início da sangrenta obra, era vinte e três de fevereiro de 303 d.C., data em que se celebraria a Terminalia, e que, como se jactavam os cruéis pagãos, poria fim ao cristianismo. Mo dia marcado, iniciou-se a perseguição em Nicomédia. Pela manhã, o prefeito da cidade chegou à igreja dos cristãos com um grande número de oficiais e, após arrebentarem as portas, tomaram todos os livros sagrados e lançaram-nos às chamas.

Toda esta ação ocorreu na presença de Diocleciano e Qalerio que, não satisfeitos em queimar os livros, fizeram desmoronar a igreja, de modo que não ficasse dela nem o rastro. O gesto foi seguido de um severo edito que ordenava a destruição de todas as demais igrejas e todos os livros cristãos. Logo veio a ordem para banir os seguidores de Cristo de todas as possessões romanas.

A publicação deste edito ocasionou um martírio imediato porque um atrevido cristão não só o arrancou do lugar onde estava posto, mas execrou o nome do imperador pela injustiça cometida. A provocação foi suficiente para atrair a vingança pagã sobre o tal cristão, que foi então preso, severamente torturado e, finalmente, queimado vivo.

Todos os cristãos foram encarcerados. Qalerio ordenou secretamente que ateassem fogo ao palácio imperial para que os seguidores de Cristo fossem acusados de incendiários; assim teria uma razão plausível para, com a maior das severidades, levar a cabo a perseguição. Começou um sacrifício generalizado; houve vários martírios. Não se fazia distinção de idade ou sexo. O simples nome “cristão” era tão odioso aos pagãos que todos, imediatamente, caíram vitimados. Muitas casas foram incendiadas, e famílias cristãs inteiras pereceram nas chamas. Outros tiveram pedras penduradas ao pescoço e, atados juntos, foram lançados ao mar. A perseguição generalizou-se em todas as províncias romanas, principalmente no Leste. Pelo longo tempo que durou — dez anos — é impossível determinar o número de mártires e descrever as várias formas de martírio.

Açoites, espadas, punhais, cruzes, veneno e fome foram empregados para matar os cristãos. Esgotou-se a imaginação no esforço de inventar torturas contra pessoas que não haviam cometido crime algum, a não ser pensar de maneira distinta dos seguidores da superstição.

Uma cidade da Frigia, totalmente povoada por cristãos, foi queimada, e todos os moradores pereceram nas chamas.

Cansados da carnificina, vários governantes de províncias apresentaram-se diante da corte imperial para mostrar a ilegalidade de tal conduta. Assim, muitos foram livres da execução, mas, ainda que não fossem mortos, tudo se fazia para que suas vidas se tornassem miseráveis. Muitos tiveram as orelhas e o nariz cortados, o olho direito arrancado, os membros inutilizados mediante terríveis deslocações, e as carnes queimadas com ferro em brasa.

Lembremos agora, de maneira particular, das pessoas mais destacadas dentre aquelas que deram suas vidas nesta sangrenta perseguição.

Sebastião, um célebre mártir nascido em Narbona, nas Qálias, e que chegou a ser oficial da guarda do imperador romano, permaneceu um verdadeiro cristão em meio à idolatria. Não se deixou seduzir pelos esplendores da corte, nem se levar pelos maus exemplos; tampouco se contaminou por esperanças de ascensão.

Ao recusar-se a abraçar o paganismo, foi levado, por ordem do imperador, a um campo perto da cidade, chamado Campo de Marte, e ali o atacaram com flechas. Executada a sentença, alguns piedosos cristãos dirigiram-se ao local da execução a fim de sepultar o corpo. Foi então que perceberam nele sinais de vida. Levado imediatamente para um lugar seguro, em pouco tempo Sebastião recuperou-se, a fim de preparar-se para um segundo martírio. Pois, tão logo pôde sair, colocou-se intencionalmente no caminho do imperador, quando este subia a um templo pagão, e repreendeu-o pelas muitas crueldades e irracionais prejuízos contra o cristianismo.

Ao recobrar-se do assombro, Diocleciano ordenou que Sebastião fosse preso e levado a um lugar perto do palácio, e que ali fosse golpeado até morrer.

Para que os cristãos não conseguissem recuperar nem lhe sepultar o corpo, ordenou que fosse lançado ao esgoto. Todavia, Lucina, uma dama cristã, encontrou um modo de tirá-lo dali e de sepultá-lo nas catacumbas.

Neste tempo, os cristãos, após sérias ponderações, concluíram ser ilegítimo portar armas sob as ordens de um imperador pagão. Maximiliano, o filho de Fábio Victor, foi o primeiro a ser decapitado por causa desta norma.

Vito, siciliano de alta classe, foi educado como cristão e teve suas virtudes aumentadas com o passar dos anos. Em todas as suas aflições, susteve-o a sua constância; a sua fé foi superior aos maiores perigos. Seu pai, Hylas, que era pagão, ao descobrir que o filho fora instruído nos princípios do cristianismo pela ama que o criara, empregou todos os esforços para demovê-lo da fé. Desiludido, por nada conseguir, sacrificou o filho aos ídolos, no dia 14 de junho de 303 d.C.

Victor era um cristão de boa família, em Marselha, na França. Passava grande parte da noite em visita aos aflitos e aos débeis, obra que não podia ser realizada durante o dia, por questão de segurança. Victor gastou sua fortuna na minoração das angústias dos cristãos pobres. Finalmente, teve sua prisão decretada pelo governador Maximiano, que ordenou fosse ele atado e arrastado pelas ruas. No cumprimento dessa ordem, Victor recebeu da enfurecida plebe todo tipo de crueldades e indignidades. Como continuasse inflexível, sua força foi interpretada como obstinação.

Levantou então os olhos ao céu, orou a Deus que lhe desse paciência; depois, sofreu as torturas com a mais admirável firmeza. Os carrascos, cansados de atormentá-lo, levaram-no a uma masmorra. Nesta prisão, ganhou para Cristo os carcereiros Alexandro, Feliciano e Longino. Ao inteirar-se disso, o imperador ordenou que fossem imediatamente executados. Os policiais foram decapitados, e Victor novamente levado ao tronco. Depois de golpeado sem misericórdia, foi de novo lançado ao cárcere. Ao ser interrogado pela terceira vez acerca de sua religião, perseverou em seus princípios.

Trouxeram então um pequeno altar, e ordenaram-lhe que oferecesse incenso sobre ele. Inflamado de indignação diante de tal ordem, precipitou-se valentemente e, com um chute, derrubou o altar e o ídolo. Maximiano achava-se presente, e ficou de tal modo enfurecido, que ordenou a amputação do pé que golpeara o altar. Pouco depois, Victor foi jogado em um moinho e destroçado. Isto se deu no ano 303 d.C.

Quando Máximo era governador da Cilicia, na cidade de Tarso, fizeram comparecer diante dele três cristãos: Taraco, um ancião; Probo e Andrônico.

Depois de repetidas torturas e exortações a que se retratassem, receberam finalmente a sentença de morte. Levaram-nos ao anfiteatro, soltaram sobre eles várias feras. Contudo, nenhum dos animais, ainda que famintos, os quis tocar. Então o domador soltou um grande urso, que naquele mesmo dia havia destruído três homens; tanto este voraz animal como uma feroz leoa recusaram atecax os presos. Ao perceber que era impossível destruí-los através das feras, Máximo ordenou sua morte pela espada, no dia 11 de outubro de 303 d.C.

Romano, natural da Palestina, era diácono da igreja em Cesaréia, quando se iniciou a perseguição de Diocleciano. Condenado por sua fé, em Antioquia, foi flagelado e posto no tronco. Seu corpo foi rasgado com ganchos; sua carne, cortada com facas; seu rosto, marcado; seus dentes, quebrados com golpes; e seus cabelos, arrancados pela raiz. Pouco depois ordenaram que fosse estrangulado. Era dia o 17 de novembro de 303 d.C.

Susana, sobrinha de Caio, bispo de Roma, foi induzida pelo imperador Diocleciano a se casar com um nobre pagão, parente próximo dele. Ao recusar a honra que lhe era proposta, foi decapitada.

Doroteo, homem notável na casa de Diocleciano, era cristão, e muito se esforçou a fim de ganhar outros para Cristo. Em seus labores religiosos, foi ajudado por Qorgonio, outro cristão que também pertencia ao palácio. Ambos foram torturados e estrangulados.

Pedro, um eunuco pertencente à cada do imperador, era um cristão de singular modéstia e humildade. Foi posto sobre uma grelha de ferro e assado em fogo lento, até expirar.

Cipriano, o mago (assim chamado para ser distinguido de Cipriano, bispo de Cartago), era natural de Antioquia. Recebeu uma educação académica em sua juventude, e aplicou-se particularmente à astrologia. Depois, viajou para ampliar seus conhecimentos, e visitou vários países, entre eles Grécia, Egito, índia, etc. Com o passar do tempo, conheceu Justina, uma jovem dama de Antioquia, cuja linhagem, beleza e qualidades suscitavam a admiração geral. Um cavalheiro pagão pediu a Cipriano que o ajudasse a conquistar o amor de Justina. Porém, após ele empreender esta tarefa, foi convertido; queimou seus livros de astrologia e magia, recebeu o batismo, e sentiu-se animado pelo poderoso espírito da graça. A conversão de Cipriano exerceu grande efeito sobre o cavalheiro pagão, que logo abraçou o cristianismo. Durante as perseguições de Diocleciano, Cipriano e Justina foram aprisionados como cristãos. Ele foi dilacerado com tenazes; ela, açoitada. Após outros tormentos, foram decapitados.

Eulália, dama espanhola de família cristã, fora notável em sua juventude, por seu gentil temperamento e grande sabedoria, raramente encontrados nos caprichosos anos juvenis. Após ser ela presa como cristã, o magistrado tentou, com os modos mais sutis, ganhá-la para o paganismo. Eulália ridicularizou as divindades pagãs com tal aspereza, que o juiz, enfurecido por sua conduta, ordenou que fosse torturada. Assim, seus flancos foram dilacerados com garfos, e seu tórax queimado, até que espirou nas chamas. Era dezembro de 303 d.C.

No ano 304 d.C, quando a perseguição atingiu a Espanha, Daciano, governador de Tarragona, ordenou que Valério, o bispo, e Vicente, o diácono, fossem presos, atados com correntes e encarcerados. Como os prisioneiros se mantivessem firmes em sua resolução, Valério foi exilado, e Vicente, posto no tronco. Seus membros foram deslocados, e sua carne rasgada com garfos. Depois, foi posto sobre uma grelha, com fogo por baixo, e pontas para cima, que lhe atravessavam a carne. Estes tormentos não o destruíram nem fizeram com que mudasse de atitude; foi então levado de volta ao cárcere, confinado em uma pequena e imunda masmorra escura, repleta de pedras pontiagudas e de cacos de vidro, onde morreu em 22 de janeiro de 304 d.C. Seu corpo foi jogado a um rio.

A perseguição de Diocleciano tomou feições mais duras em 304 d.C, quando muitos cristãos foram torturados de modo cruel, e mortos das maneiras mais penosas e ignominiosas. Citaremos dentre estes cristãos os mais eminentes.

Saturnino, bispo de Albitina, cidade da África, foi, depois de torturado, enviado de novo ao cárcere, onde morreu de fome. Seus quatro filhos, após serem atormentados de várias maneiras, tiveram a mesma sorte.

Dativas, um nobre senador romano; Telico, um piedoso cristão; Victoria, uma jovem dama de fina linhagem e grande fortuna, com alguns outros de classes sociais mais humildes, todos eles discípulos de Cristo, foram torturados de maneira similar, e pereceram de igual forma.

Agrape, Quionia e Irene, três irmãs, foram encarceradas em Tessalônica, quando a perseguição de Diocleciano chegou à Grécia. Receberam nas chamas a coroa do martírio, em 25 de março de 304 d.C. O governador, ao perceber que não podia causar qualquer impressão a Irene, ordenou que a fizessem desfilar nua pelas ruas, e quando a vergonhosa ordem foi executada, acendeu um fogo junto à muralha da cidade. Nessas chamas, subiu ao Céu o espírito desta jovem cristã.

Agato, homem piedoso, Cassice, Felipa e Eutiquia foram martirizados nessa mesma época. Os detalhes, porém, não nos foram transmitidos.

Marcelino, bispo de Roma, que sucedeu a Caio naquela cidade, opôs-se intensamente às honras divinas dadas a Diocleciano. Por isso, sofreu o martírio mediante uma variedade de torturas, no ano 304 d.C. Até expirar, consolou sua alma com a perspectiva dos gloriosos galardões, que receberia pelos sofrimentos experimentados no corpo.

Victorio, Carpoforio, Severo e Severiano eram irmãos, e os quatro ocupavam cargos de grande confiança e honra na cidade de Roma. Após eles

51 replies »

  1. Em 1200 a igreja católica matou milhares de pessoas em nome de Jesus….e proibiam que as pessoas lessem a Bíblia…quer algo pior que isso?

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  2. Prezado amigo! Há tempos venho procurando um texto sobre todo este assunto. Teria como receber uma cópia ou, talvez me indicar algum livro sobre o assunto? Sabe se existe algum dvd lançado sobre este tema? também não encontrei. Obrigado pela atenção

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    • Leia história eclesiástica direito nem todos imperadores perseguiram os seguidores
      de cristo.por ex: TRAJANO,MARCO AURÉLIO,NERVA emitiram decreto que não perse
      guissem cristãos.

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  3. Não adianta atacar uns aos outros apontando genocídios cometidos por A ou B. Todos mataram, matam e matarão em nome de seus interesses próprios e encontram legitimidade dos seus atos na religião (seja ela qual for). Essa é a natureza humana! Israel, em nome de Jeová, assassina palestinos; muçulmanos terroristas, em nome de Alá, matam qualquer um que se oponha a sua ditadura religiosa.

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  4. Edmilsom, sou evangélico e li sobre este tópico falando a respeito de perseguição a Igreja e aos católicos. Gostaria de lhe fazer uma pergunta sem ironia: o que você acha do genocídio realizado pela ICAR nas cruzadas “Em nome de Deus” contra milhares de protestantes. Gostaria de saber se tal perseguição realizada contra aqueles que discordaram daquilo que a ICAR ensinava pode ser considerado justo a luz da Bíblia e moralmente dizendo. Gostaria de saber sua opnião a respeito deste fato histórico. Como católico, o que você acha??? A ICAR não fez igual o império romano??? Matou e persegui aqueles que consideravam inimigos??? Não foi uma perseguição cristã??? Por favor, se não se sentir ofendido com minhas perguntas (falo de um fato histórico) me responda se a luz da Bíblia a ICAR do passado agiu segundo as doutrinas de Cristo ou não. Obrigado e se achar o que eu disse uma piada tudo bem e obrigado. Valeu!!!

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    • Rodrigo,

      Antes de postar sua pergunta “sem ironia”, gostaria que vc fizesse uma demonstração factual da sua afirmação:

      O que vc pensa do genocídio praticido pela Igreja Católia?

      Pra discutir esse tema, peço que o sr antes apresente as seguintes evidências:

      1. Onde isso ocorreu? Mostre dados históricos – não vale site anti-católico. Portanto, qdo digo dados históricos, refiro-me à referencias bibliográficas, nome do livro, documento, página, etc.

      Uma vez que o sr conseguir provar sua afirmação, eu responderei pessoalmente a sua pergunta.

      Pax

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      • Li seu artigo, 5 anos depois de vc postar.. sou professor de historia, e percebi que seu artigo nao apresentam fontes….. e no comentario acima vc exigiu fontes do amigo… quais fontes vc usou? obrigado

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      • So pra constar e abrir seus olhos a igreja catolica nao batiza, entao as pessoas e impedida de receber o Espirito santo consolador. O espirito santo consolador nos faz ver a verdade e tudo que se passa no mundo e abre nossos olhos, voltando la pro começo o verdadeiro batismo e emergi nas águas.

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    • Rodrigo Viana disse:
      setembro 3, 2013 às 3:49 pm

      Edmilsom, sou evangélico e li sobre este tópico falando a respeito de perseguição a Igreja e aos católicos. Gostaria de lhe fazer uma pergunta sem ironia: o que você acha do genocídio realizado pela ICAR nas cruzadas “Em nome de Deus” contra milhares de protestantes. Gostaria de saber se tal perseguição realizada contra aqueles que discordaram daquilo que a ICAR ensinava pode ser considerado justo a luz da Bíblia e moralmente dizendo. Gostaria de saber sua opnião a respeito deste fato histórico. Como católico, o que você acha???

      RODRIGO, VOU QUEBRAR SEU GALHO; ME TRAGA AS TESTEMUNHAS OCULARES E OS REGISTROS HISTÓRICOS BULAS PAPAIS QUE AFIRME ESSAS SUAS PAPAGAIADAS, OK? ARRUMANDO ISSO A GENTE DEBATE, OK?

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    • a igreja romana foi criada somente com um intuito enganar e roubar o povo na santa inquisição é ate pecado dizer que aquilo foi Santo , sem contar as cruzados que foram mortos milhares de pessoas inocentes.

      A Inquisição foi criada na Idade Média (século XIII) e era dirigida pela Igreja Católica Romana. Ela era composta por tribunais que julgavam todos aqueles considerados uma ameaça às doutrinas (conjunto de leis) desta instituição. Todos os suspeitos eram perseguidos e julgados, e aqueles que eram condenados, cumpriam as penas que podiam variar desde prisão temporária ou perpétua até a morte na fogueira, onde os condenados eram queimados vivos em plena praça pública.

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      • Fontes, relatos, links, trechos de livros de historiadores sérios que é bom, nada né irmãozinho?

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    • “Gostaria de lhe fazer uma pergunta sem ironia: o que você acha do genocídio realizado pela ICAR nas cruzadas “Em nome de Deus” contra milhares de protestantes”
      —————————————————————————————————————-

      PERAI, PERAI!!! EU LI CERTO????

      As CRUZADAS a Igreja católica matava PROTESTANTES??????
      KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

      As Cruzadas iniciaram em 1095 e terminaram em por volta de 1272.

      A reforma protestante INICIOU em 1517.

      KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

      Desculpem-me pelos risos más não deu pra segurar!

      Vamos estudar mais Rodrigo! Falar até papagaio fala, esteja em paz! Bons estudos.

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      • Helen, resposta bem parecida como a dita acima por Luiz Ricardo já foi dada por mim a colegas de trabalho protestantes, que confundiam ou trocavam os contextos e épocas históricas da inquisição com a das cruzadas. Apesar de alguns artigos publicados citarem as fontes sinto falta de um menu ou opção neste blog para “Livros Recomendados”. Além de comprar para leitura e agregar conhecimento sobre determinado assunto, já presente-ei alguns colegas protestantes com livros como “Todos os Caminhos Levam a Roma” é o “Banquete do Cordeiro” do Scott Hahn e o “O Canon Bíblico” do Alessandro Lima.

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        • Irmãos me parece que o texto exposto em nada tem haver com essa discussão, Católicos e protestantes ou evangélicos são todos cristãos e os fatos históricos acima exposto trata da fé em Jesus, não de dogmas ou paradigmas, apesar das discordâncias teológicas. Que devem ser tratadas em outro contexto. Paz vos seja multiplicadas em nome de Jesus.

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  5. O IMPÉRIO E A IGREJA PRIMITIVA

    Um conto de perseguição e Justiça
    ________________________________________

    Eles se recusam a obedecer um decreto imperial para queimar incenso diante dos ídolos dos antigos deuses romanos. São 40 legionários que servem na fronteira armênio e eles são cristãos. Cristianismo recentemente tinha sido declarado legal por Constantino, mas a sua autoridade está no oeste. Seu colega no leste é Licínio, que está ressentido com crescente poder de Constantino e de seu crescente interesse no cristianismo. Licínio ignora as lições aprendidas pelos imperadores, governadores e prefeitos das últimas três séculos de Roma: A perseguição só aumentou a determinação e os números desta seita problemático. Ele ignora as palavras de Tertuliano que o sangue dos mártires é a semente da fé.
    O magistrado local adverte os soldados da desgraça que vai acontecer a eles que eles não deveriam oferecer o sacrifício. Ele oferece promoção para os que vão. Ainda “nenhuma ameaça ou suborno irá levá-los a abandonar Jesus Cristo” (Giuseppe Riciotti, The Age of Martyrs: o cristianismo de Diocleciano a Constantino , 212).
    Amarrado com uma corrente e confinado a uma pequena cela, eles escrevem uma carta exortando seus irmãos cristãos a deixar de lado as coisas deste mundo e para corrigir os seus corações no céu. Sabendo que eles estão a ser martirizados, incitam seus companheiros cristãos para não brigar por suas relíquias.
    Depois de semanas de prisão, eles são condenados: Devem ser despojados de suas roupas, marchou para o meio de um lago congelado, e expostos ao frio e vento do inverno armênio até que eles estão mortos. Ao redor do lago do governador local postou guardas e criar incêndios e banhos quentes para tentá-los, mas “uma barreira intransponível está entre eles ea costa: o Cristo invisível, que eles teriam que negar a entender a vida que está deixando seu corpos momento a momento “(Riciotti, 212). Os soldados rezar para que nenhum deles irá falhar, que todos os 40 vai ganhar a coroa do martírio.
    O frio ea escuridão da noite tem o seu preço. A fé de um vacila, e ele rasteja para o banco, mas quando ele é mergulhado em um banho de choque da água quente leva a sua vida. Um guarda pagão, inspirado pela fé dos restantes 39, declara-se um cristão, retira suas roupas e corre para o gelo, restaurando o seu número para 40. Pela manhã, eles estão todos mortos salvar o caçula, Melitão, que morre logo depois nos braços de sua mãe.
    O calvário dos 40 Mártires de Sebastia é o último piscar de olhos da cauda do dragão. Dentro de três anos Licínio vai cair para os exércitos de Constantino. Eusébio lança a guerra entre os dois Augusti como um conflito na história da salvação, com Constantino, o campeão do cristianismo contra Licínio, o último defensor dos antigos deuses pagãos.
    Mas há mais para a história. Para ter certeza, foi Constantino, que finalmente trouxe liberdade para a Igreja primitiva, mas seus editais não foram sem precedentes. É uma caricatura para descrever os primeiros 300 anos da Igreja como uma organização secreta constantemente perseguido por um Estado romano hostil. Enquanto houve períodos de terríveis perseguições, também houve longos períodos de cooperação e convergência que culminaram no Édito de Milão de Constantino.
    Durante as primeiras décadas da Igreja, os cristãos na Palestina geralmente contava com a proteção da justiça romana, que, como sabemos a partir do julgamento de nosso Senhor, reservou para si as sentenças capitais e tentou não interferir com as religiões dos vários povos do império. O apedrejamento de Santo Estêvão, por exemplo, foi um dos “atos ocasionais de justiça popular brutal que eram não-autorizado, mas que as autoridades romanas nem sempre podia evitar” (Marta Sordi, os cristãos e do Império Romano , 12).
    Protegido por Tibério
    Tertuliano e registro Justin Martyr que após a crucificação de Jesus Cristo, Pôncio Pilatos informou ao imperador a sua frustração com o Sinédrio, porque eles reagiram ao crescimento do cristianismo com uma série de provas ilegais e execuções.
    Tertuliano diz que o imperador Tibério, depois de ler o relatório de Pilatos, foi tão tomado com a natureza pacífica dos cristãos que ele propôs ao senado que Jesus Cristo seja adicionado ao panteão romano.O Senado, talvez porque Tibério era impopular, rejeitou a proposta e declarou o cristianismo a superstitio illicita , um culto ilegal. Tibério, na esperança de libertar os cristãos da opressão do Sinédrio, minar a lei com um veto contra qualquer acusação futuros contra os cristãos. A veracidade da história é debatida por historiadores, mas uma vez que é o único relato escrito de como o cristianismo passou a ser ilegal, há boas razões para acreditar.
    Tibério, em seguida, enviou um emissário para a Judéia para saquear Caifás, o sumo sacerdote dos judeus, provavelmente, para o crime de execução de Stephen. Os Atos dos Apóstolos relata que, posteriormente, a “Igreja tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria” (Atos 9:31), as mesmas três regiões sob o domínio romano .
    Para as próximas três décadas cristãos contava com a proteção de veto de Tibério, com duas exceções. Primeiro, 41-44, os romanos se renderam regra da Judéia a Herodes Agripa, durante cujo reinado Tiago Maior tornou-se o primeiro apóstolo a morrer por Cristo. Herodes Agripa, vendo que sua execução de Tiago “agradava aos judeus” (Atos 00:03), detido e preso Peter.
    Em segundo lugar, durante a ausência subseqüente do domínio romano em 62, Tiago, o Menor, primeiro bispo de Jerusalém, foi atirado do telhado do templo, em seguida, apedrejado, em seguida, desferiu o golpe mortal na cabeça com um taco. Relatórios historiador judeu Flávio Josefo que os Ananius sumo sacerdote eo Sinédrio estavam se aproveitando de uma vaga temporária no assento do governador romano.
    O tratamento de Paulo
    É ilustrativo olhar para o tratamento de Paulo aos romanos. Ele foi levado perante o procônsul romano (Atos 18) e duas vezes perante o procurador romano na Judéia pelas autoridades judaicas (Atos 21, 23, 25). Os romanos se recusou a intervir em uma briga religiosa entre cristãos e judeus. É nesta atmosfera de algo entre tolerância e benevolência que Sergius Paulus, procônsul romano de Chipre, movido pela pregação de Paulo e Barnabé, “aprendeu a crer” (Atos 13:12).Sérgio Paulo se tornou um amigo próximo de Paulo, e toda a sua família convertida.
    coisas não ficar escuro para a Igreja até o reinado de Nero, embora não imediatamente, pois Paulo é absolvido em seu primeiro julgamento, e continua a pregar o evangelho em a casa do imperador (Fl 1:13) e durante todo o pretório (Fl 4:22). Seu tempo lá talvez inspirado no imaginário de toda a armadura de Deus, em Efésios.
    Durante o reinado de Nero, uma mulher da classe senatorial, Poponia Graecina, um convertido ao cristianismo, foi declarado inocente em um julgamento público. Relatórios Pagan historiador Tácito que ela continuou sua maneira austera de vida e passou em seu cristianismo a seus descendentes. Outros proeminentes famílias das classes aristocráticas eram cristãos: A família Pudens alojados e alimentados com Peter, e sua casa na colina Esquilino é o site de Santa Pudenziana hoje.
    Nero Violinos
    Quando os rumores de que Nero começou o grande incêndio de 64 não ia embora, ele escolheu um bode expiatório fácil: a comunidade cristã em Roma. Os cristãos não eram universalmente gostava. Seu código moral rigoroso pode explicar por que eles foram acusados de, como Tácito coloca, “o ódio da raça humana.” Peter descreve pagãos caluniando os cristãos para a sua falta de vontade de participar de “desordens sem lei” (1 Pe 4:4). Inimigos pagãos e judeus espalhar histórias selvagens de atividades criminosas. “Eles vão falar mal de você como trabalhadores de maldades”, escreve Pedro (1 Pd 2:12).Sabemos de fontes contemporâneas que essas maldades foram: o sacrifício humano eo canibalismo (deturpações deliberadas da Eucaristia) e incesto (a torção deliberada da prática cristã de chamar um outro irmão e irmã).
    O historiador romano Lactantius culpa perseguições de Nero sobre o número crescente de romanos que estavam abandonando a adoração de ídolos para a nova religião. O fogo pode ter perseguições aceleradas que já foram ganhando força. Paul parece ter sido martirizado diante do fogo e Peter depois.
    Quando a tempestade quebrou, a primeira perseguição foi brutal.Tácito, não é amigo dos cristãos, relata:
    No entanto, nenhum esforço humano, não há generosidade principesca nem oferendas aos deuses podiam fazer esse boato infame desaparecer que Nero tinha de alguma forma ordenou o incêndio. Portanto, a fim de abolir esse boato, Nero falsamente acusado e executado com os mais requintados punições aqueles chamados cristãos. . . E perecendo, eles foram também feitas em esportes: Eles foram mortos por cães por ter as peles de animais que lhes são inerentes, ou eles foram pregados a cruzes, ou incendiados, e, quando a luz do dia faleceu, eles foram usados como luzes noturnas. . . . [P] essoas começaram a pena estes doentes, porque eles não foram consumidos para o bem, mas na conta pública do furor de um homem. (Anais , 44,2-44,5)
    Nero, ao permitir que os cristãos a ser acusados de superstitio illicita, criou um precedente legal que até então só existia nos livros. Os dois primeiros governantes da dinastia dos Flávios, Vespasiano e seu filho Tito, no entanto, rejeitou imperador culto e tolerado o número crescente de cristãos, mesmo em suas próprias casas. O irmão de Vespasiano, Flávio Sabino, foi um deles. Vespasiano tinha chegado a conhecer o cristianismo durante o seu tempo na Palestina, onde ele concluiu que os cristãos não eram uma ameaça política para o império.
    Quando o segundo filho Domiciano de Vespasiano (81-96) reviveu a idéia do imperador como um deus, ele reacendeu a perseguição dos cristãos, matando seu próprio primo, Flavius Clemens, um cônsul.Perseguições de Domiciano coincidir com a escrita do Apocalipse, assim: a mulher “embriagada com o sangue dos mártires de Jesus” (Ap 17:06). Sucessores de Domiciano, de Nerva a Marco Aurélio (96-161), manteve as leis contra o cristianismo, mas não assume qualquer campanha geral da perseguição.
    Situação de Plínio
    Temos um vislumbre de relações entre a Igreja eo Império, durante o reinado de Trajano (98-117). Trajano foi um grande soldado e administrador do trabalhador. Quando os problemas eclodiram na província de Bitínia, enviou Plínio, o Jovem para solucionar problemas.Sua correspondência resultou no famoso documento todos os bons estudantes latino conhecido como Édito de Trajano .
    Plínio explica que o cristianismo é muito popular entre as pessoas de todas as classes e idades, urbanas e rurais, e porque muitos se converteram, o negócio templo-sacrifício é para baixo. Os cristãos tinham feito inimigos não apenas de sacerdotes pagãos mas também comerciantes de gado. Porque ele “nunca participou em ensaios de cristãos”, Plínio não sabe o que “infracções que é a prática de punir ou investigar.” É um fator de idade? Deve ser concedido o perdão para o arrependimento? Ele pergunta: “se o próprio nome, mesmo sem ofensas, ou apenas os crimes associados ao nome devem ser punidos.”
    Ele descreve o procedimento que tem vindo a seguir, quando as acusações são trazidos diante dele. Ele interroga o acusado, e se ele ou ela confessa, ele repete o questionamento várias vezes na esperança de ganhar o arrependimento. O teimoso foram executados, embora os cidadãos romanos foram transferidos para Roma, como Paulo tinha sido.
    Plínio é desdenhoso de denúncias anônimas, e ele não encontra nenhuma evidência de má conduta real em cerimônias cristãs:
    Eles estavam acostumados a reunir-se em um dia fixo antes do amanhecer e cantar juntos um hino a Cristo como a um deus, e vincular-se por juramento, e não a algum crime, mas não para cometer fraude, roubo ou adultério, não falsificar sua confiança , nem de se recusar a devolver a confiança quando chamados a fazê-lo. Quando isso acabou, ele era seu costume de partir e de montar novamente para participar de comida, mas vulgar e inocente. ( Cartas 10)
    Trajano responde:
    Você observado o procedimento adequado, meu caro Plínio, em peneirar os casos daqueles que foram denunciados a você como cristãos. Pois não é possível estabelecer qualquer regra geral para servir como uma espécie de padrão fixo. Eles não devem ser procurados (Conquirendi non sunt), se eles são denunciados e sua culpabilidade, eles devem ser punidos, com esta reserva, que quem nega que ele é um cristão e realmente comprova isso, isto é, adorando a nossa deuses, mesmo que ele estava sob suspeita no passado, deve obter o perdão através do arrependimento. Mas as acusações postadas anonimamente deve ter lugar em qualquer acusação. Para isso é ao mesmo tempo uma espécie de precedente perigoso e fora de sintonia com o espírito de nossa época.
    Então, do ponto de vista romano, a prática do cristianismo realizada a pena de morte, mas Trajano não busca razões para executar pessoas.Nenhum esforço deveria ser feito para procurá-los e há denúncias anônimas poderia levar a uma prisão. Esta é a burocracia romana no seu melhor e no seu pior. Trajano e Plínio são dedicados funcionários públicos trabalhando em precedentes legais que podem levar à morte de inocentes. Trajano não pode repudiar a lei a partir do reinado de Tibério, mas ele inventa uma interpretação leniente para Plínio de seguir.
    Durante este era um cristão poderia ser dedurou, mas informantes foram pensados mal de na sociedade romana, e eles corriam o risco de derrubar o peso de justiça romana em si deve ir suas acusações não provadas. Assim, perseguições variou conforme a região. Em uma área com uma grande população cristã como Bitínia, só um tolo abertamente denunciar um vizinho, para os cristãos que seguiam a liminar de Paulo não deliberadamente para procurar o martírio desfrutado de relativa segurança.
    Imigrantes saem pior
    Em Lyon, no entanto, as questões eram muito piores. Há uma correspondência entre o imperador Marcus Aurelius e os oficiais romanos em Lyons semelhantes rescrito de Trajano, mas nesta região, onde a população cristã composta por imigrantes da Ásia Menor, eles eram desprezados pela população gaulesa local.
    A conta dos Mártires Lyons, uma carta contemporânea copiado por Eusébio, descreve as provações terríveis dos líderes desta comunidade cristã (o mais famoso é Bl Blandina.), Incluindo:
    confinamento nas celas escuras e mais mau-cheiro da prisão. . . em que um grande número sufocada. . . o alongamento dos pés sobre os estoques. . . a fixação de placas em brasa de bronze, para as partes mais delicadas do corpo. . . exposição às feras e assar durante um incêndio em uma cadeira de ferro. ( História da Igreja V)
    O próximo imperador, Commodus, foi o depravado filho adotivo de Marcus Aurelius. Mas, mesmo na sua corte havia cristãos. Sua concubina, Marcia, que mais tarde conspirou em seu assassinato, era simpático ao Cristianismo. Por sua intervenção, os escravos cristãos foram libertados das minas da Sardenha.
    Rescrito de Trajano manteve a lei, durante o reinado de Septímio Severo (193-211), que procurou verificar o crescimento do cristianismo, fazendo a conversão de um crime. O famoso mártires convertido deste período, mencionado no Cânon da Missa, são santos.Perpétua e Felicitas de Cartago.
    Começando com o reinado de Caracalla (211-217), os cristãos gostava de paz. Havia até mesmo um imperador cristão durante este período.Filipe, o Árabe tem sido considerado como um dos piores imperadores do império, mas a opinião pode ser mais o resultado de subseqüente propaganda anti-cristã do que um relato honesto de sua administração, que durou cinco anos, excepcionalmente longo para esse período de agitação. Ele foi assassinado por Décio (249-251), que provavelmente matou sua reputação.
    Atormentado por invasões bárbaras, Décio acredita que o crescimento da seita cristã foi derrubada desfavor dos deuses, então ele emitiu um decreto exigindo que todos os cristãos a oferecer sacrifícios aos deuses pagãos. Valeriano (253-260) abriu um em todo o império série de perseguições, e é nesta faixa etária que o patrono dos coroinhas, Tarcísio, deu a sua vida (ver “Tarcísio”, página 11).
    Duas décadas mais tarde, o imperador Aureliano ( que construiu a maior parte do muro que circunda Roma hoje) tolerada cristianismo e mesmo interveio em uma disputa sobre a propriedade de um prédio da Igreja de Antioquia, governando em favor dos cristãos que estavam em união com o Bispo de Roma! Embora o pior ainda estava por vir sob Diocleciano, o caminho já estava sendo liberado para a convivência pacífica.
    Na primeira, Paz
    O mais sangrento, e melhor documentado, das grandes perseguições veio sob Diocleciano (284-305), embora este imperador para quem a perseguição é lembrado não foi, em primeiro lugar, o seu instigador.Para a maioria do reinado de Diocleciano, os cristãos gostava de paz e prosperidade.
    Diocleciano era um general corajoso. Sua inovação política, a tetrarquia, que dividiu regra do enorme Império Romano entre doisAugusti , uma no leste e outra no oeste, e sua Césares, ou diretores, restaurou a ordem de um império que tinha há cinco décadas sofreu caos, legionários rebelados, Pretorianos em revolta e guerra civil. Dos 28 imperadores que precederam Diocleciano, 22 tinham sido assassinados.
    Ele transferiu a capital imperial de Roma para Nicomédia, perto do Bósforo, com o fundamento de que o imperador era mais necessário na fronteira. Sob Diocleciano, construção e obras públicas começou de novo a sério por todo o império, incluindo os banhos extraordinários nomeados para ele em Roma. Ele trouxe a inflação sob controle. Ele ainda emitiu um édito promover a instituição do casamento, sustentando que a castidade seria sacar o favor dos deuses sobre o império. No final do seu reinado, o velho imperador abdicou e partiu para a sua fazenda crescer repolhos.
    Havia cristãos na casa de Diocleciano. Sua esposa, Prisca, e sua filha, Valeria, eram catecúmenos. Oficiais de sua corte, incluindo dois eunucos nomeados pelo próprio Diocleciano, Gorgonius e Pedro, eram abertamente cristã. Além disso, Diocleciano tinha nomeado cristãos como governadores de várias províncias.
    Diocleciano César Galério, no entanto, era um soldado menor e um homem de menor caráter completamente, apesar de um auto-promotor especializado. Um homem violento e muito grande, ele subiu de pastor analfabeto a César, e, eventualmente, para Augusto, no leste, seguindo a abdicação de Diocleciano. Diocleatian deu-lhe sua filha, Valeria, em casamento.
    Não foi Valeria, no entanto, mas a mãe Galério “, uma sacerdotisa Corybantic, que tinha influência sobre Galério. Ela e outros adivinhos, oráculos e adivinhos vira-as no dia-seus negócios de Trajano sofrem como o Cristianismo se espalhou por todo o império. Galério também levou a sério o trabalho de panfletários pagãos que argumentou que a rejeição explícita do cristianismo das divindades romanas tradicionais ameaçou o império. Galério visto cristãos que servem no exército como uma ameaça para a coesão da unidade e disciplina, embora não haja evidência de que este era nada mais do que o preconceito. (Muitos soldados perderam suas vidas durante essas perseguições, inclusive São Sebastião e São Jorge).
    O Pior começa
    Na primeira Diocleciano estava relutante em abrir uma nova rodada de perseguições. Nesta fase, os cristãos estavam bem integradas em todos os níveis da sociedade romana, e viu perseguição como politicamente imprudente. Quando, finalmente, Galério prevaleceu no velho imperador, o resultado foi uma série de quatro editais começam em 302, cada um mais grave do que o anterior.
    Eusébio relata que esse primeiro edital ordenaram a destruição de igrejas ea queima das Sagradas Escrituras. É também necessário a degradação dos homens da estação, que eram cristãos. Os próximos três editais ordenou a prisão dos bispos e do clero, então a tortura de presos bispos e do clero, e, finalmente, a tortura ea prisão dos leigos.
    Esta perseguição foi acirrada eo império inteiro. Mártires, no Egito, por exemplo, teve as pernas amarradas a duas árvores jovens empenhados em direção ao outro e, em seguida, permissão para pular de volta, rasgando a vítima pela metade. A perseguição continuou no leste durante o reinado Galério “e por isso de Licínio, sob o qual os 40 Mártires de Sebastia foram congelados até a morte.
    Triunfo
    O triunfo de Constantino trouxe as perseguições ao fim com a exceção de um breve período de meio século mais tarde, sob Juliano, o Apóstata.
    Como vimos, a concepção comum de que os cristãos dos primeiros 300 anos foram bandidos eternamente perseguido por um estado hostil não é preciso. Houve períodos de brutal perseguição e também períodos de paz. A maioria das perseguições eram local. Apenas dois foram império de largura, os de Valeriano e Diocleciano. No caso das perseguições de Diocleciano, Constâncio, pai de Constantino, não participou, deixando a Grã-Bretanha, Gália e grande parte da Espanha em paz. Com exceção das perseguições sob Nero, as perseguições sistemáticas e horrível ocorreu nas províncias, e não em Roma.
    Esses fatos, de modo algum diminui o heroísmo dos mártires cujas privações e torturas são boas para lembrar quando os inconvenientes da vida diária nos mover para a auto-piedade. A caridade dos mártires para os seus torturadores traz reflexão quando nos deparamos com o idiota periódica. O Papa João Paulo II coloca mais eloquentemente emVeritatis Splendor :
    Embora martírio representa o ponto alto do testemunho da verdade moral, e ao qual poucas pessoas são chamados, há, contudo, um testemunho coerente que todos os cristãos devem estar prontos a fazer, mesmo à custa de sofrimento e de graves sacrifícios. De fato, diante das muitas dificuldades que a fidelidade à ordem moral pode exigir, mesmo nas circunstâncias mais comuns, o cristão é chamado, com a graça de Deus invocado na oração, para um compromisso por vezes heróico. (93)
    João Paulo enfatiza que os mártires são um testemunho de clareza moral:
    Dando pleno testemunho do bem, eles são uma viva censura para os que transgridem a lei (cf. Sb 2,12), e eles fazem as palavras do profeta ressoar: “Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal que fazem da escuridade luz e da luz, escuridade, que põem o amargo por doce eo doce por amargo! “(Is 5:20) (VS 93)
    Nesta época em que a tolerância é apontado como o maior bem, é bom lembrar que os primeiros mártires não eram mártires da causa da tolerância religiosa. Eles eram mártires para o Primeiro Mandamento.Domínio romano foi tão bem sucedido, em parte por causa de sua capacidade de conciliar tantas crenças e tantos deuses, para a satisfação da maioria dos seus cidadãos. Esse sincretismo entrincheirados reagiram com tudo de ridículo a raiva de um cristianismo que insistiu em um só Deus em três pessoas antes que não havia outros. No início de Christian disse a seu amigo pagão, “Você chama o Sol Invictus e eu chamá-lo de Jesus Cristo, mas, basicamente, adoram o mesmo Deus”.
    A tolerância religiosa de um tipo prático tem valor político, como mais do que um oficial romano aprendido, mas a tolerância dogmática é um pecado contra a verdade, e quem não pode ver esta distinção não pode defender sua fé. Um tempo pode estar se aproximando rapidamente, no entanto, quando eles serão chamados em circos o horror de que irá rivalizar com Nero. A diferença haverá períodos de alívio da ordem do direito romano.
    BARRAS LATERAIS
    Tarcísio
    Quando o imperador Valeriano ordenou a execução de bispos, presbíteros e diáconos, os cristãos à missa em porões e nas catacumbas de fora das muralhas da cidade. Diáconos levaria Comunhão aos cristãos para quem chegar a missa foi muito perigoso.
    Em uma dessas ocasiões, nenhum diácono estava disponível. O padre não sabia o que ele iria fazer até o seu altar menino, um menino Roman jovem de 11 Tarcísio nomeados, deu um passo adiante, depois da missa e disse que iria levar a Comunhão a alguns cristãos que esperam dentro das muralhas da cidade. O padre Tarcísio admirado por sua garra, deu-lhe as hóstias sagradas embrulhadas em seda, juntamente com uma bênção rápida, e enviou-o para a cidade.
    Tudo estava indo bem até que Tarcísio correu para alguns meninos pagãos de sua idade que lhe pediu para vir e participar do seu jogo.Tarcísio agradeceu-lhes, explicou que ele tinha uma missão a ser executado, mas disse que ele iria se juntar a eles mais tarde.
    “Oh! Menino cristão! “Um dos meninos pagãos zombou. “Será que você pensa que é muito bom para jogar com a gente?” E eles circularam em torno Tarcísio.
    “Nem um pouco”, disse Tarcísio. “Eu tenho algo para entregar e deve estar no meu caminho.”
    “Bem-nos mostrar o que é! Qual é o segredo grande, menino cristã “?
    “Não é da sua conta”, disse Tarcísio, olhando para cada um dos meninos diretamente nos olhos. “Agora passo para o lado e abrir caminho.”
    Ao invés de passo para o lado, os meninos pagãos fechado seu círculo em torno de Tarcísio e, como eles fizeram, pegaram varas pesadas e pedras do chão. Um deles gritou: “Aposto que está levando os mistérios cristãos!”
    “Você, rapaz cristão?” Que outro. “Mostra-nos!”
    Tarcísio, segurando sua preciosa carga em seu peito fez um traço para o que parecia ser uma abertura no círculo, mas ele não foi rápido o suficiente. A multidão de meninos fecharam em torno dele e eles começaram a club-lo com as pedras e paus pesados. Tarcísio não gritou, mas rezou silenciosamente, sempre agarrado ao Santíssimo Sacramento no peito.
    Os meninos pagãos espancaram até a morte.
    Com as mãos ensangüentadas, pegaram o corpo machucado e quebrado de Tarcísio e tentou torcer o pano de seda levar a Eucaristia de seus braços mortos. Embora ele não tinha vida deixado por ele, Tarcísio não largava do nosso Senhor. Os meninos tentaram durante horas para erguer os braços abertos, mas eles não conseguiram e fracassaram novamente. Eles deixaram o corpo de Tarcísio ao lado da estrada para os urubus para comer.
    Depois de algum tempo, alguns cristãos foi à procura de Tarcísio, e quando encontraram seu corpo quebrado e sangrando ainda agarrados ao Santíssimo Sacramento, que adivinhou o que tinha acontecido.Cuidadosamente levantar o corpo do pequeno menino, furam-o suavemente de volta para o sacerdote, que até agora tinha crescido profundamente preocupados com sua jovem coroinha. Os cristãos definir o corpo do rapaz ao pé do padre, que se ajoelhou e calmamente afastou o cabelo do Tarcísio, emaranhado com sangue, longe do seu rosto e com o polegar fez o sinal da cruz em sua testa. Naquele momento, o corpo de Tarcísio descruzou os braços e lançou o Santíssimo Sacramento para o sacerdote, e todos os que testemunharam este sabia que aqui era um menino cristão santo, que ocupava Jesus em seus braços e que agora estava sendo mantido para sempre nos braços de Jesus .
    Reinados de imperadores romanos relevantes
    Tibério 14-37
    Nero 54-68
    Vespasiano 69-79
    Tito 79-81
    Domiciano 81-96
    Trajano 98-117
    Marco Aurélio 161-180
    180-192 Commodus
    Septímio Severo 193-211
    211-217 Caracalla
    Phillip o árabe 244-249
    Décio 249 -251
    Valerian 253-260
    Aureliano 270-275
    Diocleciano 284-305
    Licínio 308-324
    306-337 Constantino,
    Juliano, o Apóstata 355-363

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  6. Epístola de Adrian em nome dos cristãos.

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    Eu recebi a carta dirigida a mim por seu antecessor Serenius Granianus, um homem mais ilustre, e esta comunicação não estou disposto a passar em silêncio, para que pessoas inocentes ser perturbado, e ocasião ser dada aos informantes para praticar vilania. Assim, se os habitantes de sua província vai tão longe sustentar esta petição deles a acusar os cristãos em alguns tribunal de justiça, eu não proibi-los de o fazer. Mas eu não vou sofrer los a fazer uso de súplicas meros e lamentos. Pois é muito mais justo, se alguém deseja fazer uma denúncia, de que você dá julgamento sobre ele. Se, portanto, qualquer um faz a acusação, a prova de que os homens disseram fazer qualquer coisa contrária às leis, você deve julgar punições na proporção das ofensas. E isso, por Hércules, você deve dar especial atenção a que se qualquer homem, por meio de mera calúnia, trazer uma acusação contra qualquer dessas pessoas, você deve conceder a ele punições mais severas em proporção a sua maldade.
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    Epístola de Antonino ao conjunto comum de Ásia.
    O Imperador César Titus Aelius Adrianus Antonino Augusto Pio, Supremo Pontífice, no décimo quinto ano de sua tribunado, cônsul pela terceira vez, pai da pátria, à Assembleia Comum da Ásia, saudação: Eu deveria ter pensado que os próprios deuses faria fazer com que os infratores não devem escapar. Porque, se eles tinham o poder, eles mesmos seria muito melhor punir aqueles que se recusam a adorá-los, mas é você quem trazer problemas nessas pessoas, e acusam como a opinião de ateus que são titulares, e ficou a seu cargo alguns outros coisas que não podemos provar. Mas seria vantajoso para eles que deve ser pensado a morrer por aquilo de que são acusados, e conquistar a você por ser pródiga de suas vidas, em vez de produzir que a obediência que você precisar deles. E sobre os terremotos que já aconteceram e estão ocorrendo agora, não é conveniente que nos lembrar deles, perdendo coração sempre que eles ocorrem, e, assim, definir a sua conduta em contraste com a de esses homens, pois eles têm confiança muito maior para Deus do que vocês mesmos. E você, de fato, parecer em tais ocasiões a ignorar os deuses, e você negligenciar os templos, e não fazer o reconhecimento do culto de Deus. E, portanto, você está com ciúmes dos que servem a Ele, e persegui-los até a morte. No que diz respeito a essas pessoas, alguns outros também dos governadores das províncias escreveu a meu pai mais divino, ao qual ele respondeu que eles não devem perturbar a todos essas pessoas, a menos que eles foram encontrados para ser de tentar qualquer coisa contra o governo romano. E a mim mesmo muitas enviou intimações relativas a essas pessoas, a quem eu também respondeu nos termos do julgamento do meu pai. Mas, se alguém tem uma questão de trazer contra qualquer pessoa da classe, simplesmente como tal pessoa, [1918] deixar o acusado ser absolvido da acusação, mesmo que ele deve ser encontrado para ser o tal, mas deixa o acusador ser passíveis de justiça.
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    Epístola de Marco Aurélio para o Senado, no qual ele demonstra que os cristãos foram a causa de sua vitória.

    O Imperador César Marco Aurélio Antonino, Germanicus, Parthicus, Sarmaticus, para o Povo de Roma, e à saudação Senado sagrado: Eu expliquei a você meu grande projeto, e quais as vantagens que eu ganhei nos confins da Alemanha, com muito trabalho e sofrimento , em conseqüência da circunstância de que eu estava cercado pelo inimigo, que eu sendo encerrado no Carnuntum por 74 grupos, nove milhas ao largo. E o inimigo estar à mão, os escuteiros apontou para nós, e nossos Pompeianus gerais nos mostrou que havia perto de nós uma massa de uma multidão mista de 977.000 homens, o que de fato vimos, e eu estava trancado por este vasto exército , tendo comigo apenas um batalhão composto por primeiro, décimo, legiões de casal e marinha. Tendo então examinou minha própria posição, e meu anfitrião, com relação à grande massa de bárbaros e do inimigo, eu rapidamente dirigiu-me em oração aos deuses do meu país. Mas sendo desconsiderados por eles, eu convocados aqueles que entre nós ir com o nome de cristãos. E tendo feito investigação, descobri um número grande e vasto exército deles, e se enfureceu contra eles, o que não era de forma a tornar-se, para depois eu aprendi o seu poder. Por isso eles começaram a batalha, não por armas se preparando, nem braços, nem cornetas, pois tal preparação é odioso para eles, por causa do Deus que suportar cerca em sua consciência. Por isso, é provável que aqueles que supomos ser ateus, têm Deus como seu poder governante entrincheirado em sua consciência. Por ter se lançam no chão, eles oraram não só para mim, mas também para todo o exército, tal como existia, que eles possam ser entregues a partir da sede presente e fome. Para durante os cinco dias que já tínhamos nem água, porque não havia nenhuma, pois estávamos no coração da Alemanha, e em território inimigo s. E, simultaneamente, com a sua lançando-se no chão, e orando a Deus (um Deus de quem eu sou ignorante), a água derramada do céu, em cima de nós mais refrescante legal, mas sobre os inimigos de Roma, um fulminante [1920] granizo. E imediatamente reconhecemos a presença de Deus na sequência da oração de um Deus invencível e indestrutível. Fundar sobre isso, então, vamos perdoar, como são os cristãos, para que não orar e obter uma arma contra nós mesmos. E o conselho que eu tal pessoa não ser acusado no chão do seu ser cristão. Mas se qualquer um ser encontrada imposição à acusação de um cristão que ele é um cristão, eu desejo que ela se manifestasse que ele que é acusado como cristão, e reconhece que ele é um, é acusado de nada mais do que apenas isso , que ele é um cristão, mas que ele denuncia que ele seja queimado vivo. E eu desejo ainda, que quem é confiada com o governo da província não deve obrigar o cristão, que confessa e certifica esse assunto, para retratar; nem se compromete. E eu desejo que estas coisas ser confirmado por um decreto do Senado. E ordeno este édito minha a ser publicada no Fórum de Trajano, a fim de que possa ser lido. O prefeito Vitrasius Pollio vai ver que ele é transmitido a todas as províncias ao redor, e que ninguém que deseje fazer uso ou a possuir ser impedido de obter uma cópia do documento agora publicado.

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  7. Biografia de Atenágoras
    Atenágoras, que viveu no século 2, foi um filósofo cristão e apologista. Tratado chefe Atenágoras, intitulado Presbeia peri Christiann (177 dC), é um dos primeiros trabalhos a utilizar conceitos neoplatônicos, que são baseadas nas idéias do filósofo grego Platão, para interpretar o cristianismo. Atenágoras pode ter sido um nativo de Atenas, Grécia. Ele é conhecido por ter ensinado, e ele estabeleceu uma academia cristã em Alexandria, no Egito.
    Presbeia foi inscrito para o imperador romano Marcus Aurelius Commodus e seu filho. Neste tratado, Atenágoras defendeu os cristãos contra as acusações de ateísmo contemporâneo, canibalismo e promiscuidade, destacando a crença cristã na Trindade, na ressurreição do corpo, e na santidade do casamento.Atenágoras também produziu a primeira explicação racional para a simultânea unidade de Deus e Trindade.
    Outro tratado, traduzido A Ressurreição do Corpo (encontrado no mesmo manuscrito com Presbeia), é atribuído à cautela Atenágoras. O segundo tratado é, talvez, a primeira exposição completa em literatura da doutrina cristã da ressurreição do corpo. Autenticidade do documento é questionada porque recebe nenhuma menção nos escritos do teólogo Orígenes de Alexandria do século terceiro, nem é mencionado nos escritos patrísticos mais tarde. No entanto, os estudiosos notaram que os dois tratados compartilhar o mesmo vocabulário. Presbeia também sugere a existência de um trabalho posterior que mais plenamente discute o conceito cristão da ressurreição.
    OBRAS
    Um apelo para os cristãos (Apologia) por Atenágoras (177 dC)
    Tratado de Atenágoras

    Sobre a ressurreição dos mortos

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  8. BIOGRAFIA
    Teófilo de Antioquia (186). Teólogo,foi um grande escritor cristão, apologista e Padre da Igreja Teófilo foi o sexto bispo de Antioquia, da Síria, reinando entre 169 e 182 ou 188.
    AS OBRAS DE TEÓFILO

    Teófilo de Antioquia (115-181 dC),

    Teófilo para Autolycus – Livros I

    Teófilo para Autolycus – Livros II

    Theophilus para Autolycus – Livros III

    Epístola de Mathetes a Diogneto (130 dC)

    Agora um pouquinho da biografia da vida de Teófilo.

    Teófilo ocupa uma posição interessante, depois de Inácio, na sucessão de homens fiéis que representavam Barnabé e outros profetas e mestres de Antioquia, em que antiga sede, de onde vem o nosso nome como cristãos. Eu não posso abster outra referência a esses autores recentes que tão brilhantemente ilustradas e mostrava a Antioquia dos primeiros cristãos

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  9. A REGIÃO chamada DO PAPA MILCÍADES

    Através de uma passagem aberta na parede de fundo do cubículo A1 entra-se na região chamada de São Milcíades. A região foi escava na segunda metade do séc. 3º e contém muitos cubículos e arcossólios, também ao longo das galerias.

    A primeira galeria percorrida é bastante espaçosa. Ela era continuamente usada no período das visitas às sepulturas dos mártires, porque constituía uma passagem obrigatória dos antigos peregrinos das criptas dos Papas e de Santa Cecília à sepultura do papa mártir S. Cornélio nas criptas de Lucina.
    À parede esquerda, no início da galeria, vêem-se alguns símbolos: a pomba, dois monogramas, o peixe, a âncora, o passarinho que vai saciar a sede num vaso. No ângulo da primeira galeria à esquerda estão duas lápides relativas a sacerdotes: “Julianus presbyter” e “Presbyter in pace” (Juliano sacerdote e Sacerdote em paz).
    Logo após um cruzamento de galerias com uma ampla clarabóia, vê-se à direita, no alto, a sugestiva lápide da fênix radiada e nimbada, ou seja, com os raios e a auréola ao redor da cabeça. Como explicamos falando dos símbolos, a fênix representava para os primeiros cristãos, a ressurreição da carne e o nascimento à nova vida divina.

    Observemos agora o primeiro arcossólio, que era às vezes, como neste caso, decorado. Sobre ele a pequena lápide de Irene, uma menina cristã representada como orante na paz do céu. Ao seu lado, o símbolo por excelência da paz: a pomba.

    Pouco mais adiante, à esquerda, está a cripta do Refrigério, que servia para as reuniões de oração e para os ritos de refrigério, isto é, a comemoração anual dos defuntos. Conserva-se em seu interior a cobertura de um sarcófago monumental em forma de telhado, e, por isso a cripta foi chamada, no tempo do de Rossi, a cripta do telhado. Abre-se em frente ocubículo das 4 Estações, que simbolizam a continuidade da vida.
    Terminando a galeria, antes do portão, encontramos dois cubículos: à esquerda ocubículo de Aquilina, com a escrita “Aquilina dormit in pace” (Aquilina, dorme em paz).
    À direita, está o cubículo de Sofrônia, assim chamado pelo nome da defunta repetido duas vezes na parede do fundo. Esse nome está gravado outras duas vezes na cripta dos Papas. As escritas falam, provavelmente, de um cristão que, profundamente atingido pela morte de uma pessoa querida, talvez a esposa, descera à catacumba para encontrar conforto para sua dor. Ao pé da escada escreveu um augúrio: “Ó Sofrônia, que tu possas viver com os teus”. Depois escreveu ainda: “Ó Sofrônia, tu viverás no Senhor” e, embaixo,“Sim, Sofrônia, tu viverás”. Trata-se de um belo testemunho de amor conjugal e de fé na ressurreição.
    Após uma curva em U entra-se na galeria W2. À direita está o cubículo de Oceano, do nome da mítica personificação do mar pintado no teto. É de modestas dimensões, decorado com faixas vermelhas fortemente marcadas. Continuando, chega-se à galeria decumana Q1, a principal e mais longa galeria do cemitério, de onde partem as galerias secundárias chamadas “cardines – eixos”.
    A poucos passos da escada de saída encontra-se o cubículo dos Sarcófagos, fechados com placas de vidro na parte superior e que contêm alguns restos humanos.

    Termina aqui a visita ordinária às catacumbas de São Calisto.

    REGIÃO DE SÃO CAIO E DE SANTO EUSÉBIO

    Caminhando ao longo da galeria Q1 além da escada de saída Z, encontram-se duas importantes criptas históricas: à direita a cripta do papa Caio e à esquerda a do papa mártir Santo Eusébio.

    Cripta do papa Caio
    A cripta ocupa um lugar especial nas Catacumbas de São Calisto pelas suas proporções realmente excepcionais. Podia conter mais de sessenta pessoas. Foi projetada desde as origens assim tão vasta para favorecer as reuniões comunitárias. Através de uma ampla clarabóia, situada na galeria, garantiam-se à cripta luz e ar suficientes. A decoração é muito sóbria; as paredes foram revestidas de uma simples camada de estuque branco.

    Encontram-se nas paredes laterais muitos lóculos, mas só três na parede de fundo. O lóculo mediano, de consideráveis proporções, é a sepultura principal e mais importante de toda a cripta. Conservam-se nela os fragmentos da inscrição grega do Papa Caio:

    “Deposição do bispo Caio em 22 de abril” (ano 296) .

    Encontramos várias inscrições gregas e latinas na cripta, infelizmente quase todas fragmentárias, e também alguns grafitos. Um deles diz: “Senhor, ajuda o teu servo Benjamim”. Numa epígrafe está escrito: “Em paz o espírito de Silvano. Amém”. O pavimento também está repleto de sepulturas. Os grafitos nas paredes da cripta trazem os nomes de três bispos africanos, que vieram rezar na sepultura de seu conterrâneo Santo Optato, provavelmente sepultado nesta cripta.

    Cripta de Santo Eusébio
    Encontra-se na frente da de São Caio. É de forma retangular, mas não excessivamente espaçosa. As paredes e o pavimento eram revestidos de mármore. A clarabóia é moderna; a original abria-se no forro da galeria.

    A cripta contém três arcossólios. No arcossólio da parede direita localizava-se a sepultura de S. Eusébio. O interior era revestido de mármore, com o arco decorado com mosaico. Encontra-se nele uma grande placa marmórea moderna onde está gravado o poema composto pelo Papa Dâmaso em honra de Santo Eusébio. No centro da sala sepulcral está colocada um tosca cópia do poema, feita gravar pelo papa Vigílio (537-559) depois da devastação gótica. Na parte posterior a placa contém uma dedicação em honra de Caracala.
    A inscrição do Papa Dâmaso recorda a bondade e a misericórdia do pontífice pelos lapsos, apóstatas do Cristianismo, isto é, daqueles que tinham renegado a fé por medo das perseguições. Oposta ao pontífice era a posição de Eráclio, expoente do clero romano, que não aceitava o arrependimento deles. O Papa sustentava que, a exemplo de Cristo, que sempre tinha perdoado, era preciso ser compreensivos e perdoar os apóstatas, depois de um período de adequada penitência.
    A controvérsia, já debatida no pontificado do Papa São Cornélio (251-253), causou vivazes contrastes, sobretudo na segunda metade do séc. 3º e início do 4º, provocando desordens. O imperador Maxêncio, por causa dos contrastes entre as duas facções religiosas mandou afastar de Roma os seus expoentes. Eusébio foi enviado em exílio à Sicília, onde morreu algum tempo depois devido às privações. A Igreja considerou-o logo mártir. O seu sucessor S. Milcíades fez trazer o seu corpo a Roma e o depôs nesta cripta que dele recebeu o nome.

    O poema traz a dedicação “Dâmaso bispo fez (a inscrição) a Eusébio, bispo e mártir”. Eis o texto do poema:

    “Eráclio não admitia que os lapsos pudessem fazer penitências pelos seus pecados.
    Eusébio ensinava que esses infelizes deviam chorar seus pecados (fazer penitência).
    O povo, com a intensificação das paixões, dividiu-se em duas facções:
    nascem sedições, lutas, discórdias, litígios.
    (Eusébio e Eráclio) são logo igualmente exilados pelo cruel tirano.
    Uma vez que o guia (o Papa) conservara intactos os princípios de paz,
    ele suportou alegremente o exílio, à espera do juízo divino.
    Deixou o mundo e a vida terrena à margem sícula (da Sicília)“.

    Cubículo dos mártires Calógero e Partênio
    Deixando a cripta de S. Eusébio e ultrapassando um cruzamento de galerias, encontramos, à esquerda, a cripta dos Santos Calógero e Partênio, talvez vítimas da perseguição de Diocleciano. Chama particularmente a atenção um grafito gravado num pedaço de argamassa à esquerda do ingresso:

    “PARTN(i) MARTIRI isto é (Sepultura) de Partênio mártir

    CALO(c)ERI MARTIRI (Sepultura) de Calógero mártir”

    O cubículo foi completamente restaurado a partir dos primeiros séculos por causa do tufo pouco consistente. O cubículo à frente, maior que um cubículo comum de catacumba, servia como lugar de culto junto a veneráveis sepulturas.
    Continuando o caminho na galeria Q1, encontra-se um cubículo duplo, clareado em tempos antigos por uma ampla clarabóia. À esquerda encontra-se o

    Cubículo dos 5 Santos
    Assim chamado porque na parede de fundo estavam representadas cinco pessoas orantes no meio de um jardim, alegrado pelo canto de pássaros, com plantas carregadas de flores e frutos: clara imagem do paraíso. Acima de cada figura foi colocado o nome acompanhado do augúrio “Em paz”: “Dionísia em paz, Nemésio em paz, Procópio em paz, Eliodora em paz, Zoé em paz”. A pintura foi datada como dos inícios do séc. 4º.
    À direita há um cubículo duplo, clareado antigamente por uma ampla clarabóia. Trata-se do

    Cubículo do diácono Severo
    Pertencia a esse eclesiástico, que fora autorizado a escavá-lo pelo seu Papa Marcelino (296-304). Foi gravada no grande ambiente, numa trave marmórea que fechava um arcossólio, uma das mais importantes e sugestiva inscrições métricas da Roma subterrânea. Os primeiros versos da inscrição falam da propriedade do cubículo: “O diácono Severo, autorizado pelo seu PP (papa) Marcelino, fez um cubículo duplo (formado por dois ambiente conjugados), com arcossólios e clarabóia, para a tranqüila morada na paz, sua e de seus caros, onde conservar no sono (para Deus) criador e juiz, por longo tempo, os caros membros …”.

    A inscrição continua com a afetuosa lembrança do pai Severo pela sua filhinha: “Severa, doce aos pais e aos servos, entregou (a alma ainda) virgem (isto é, criança) no dia 25 de janeiro. A ela o Senhor quis conceder desde o nascimento sabedoria e beleza…”.
    A inscrição é importante do ponto de vista dogmático, porque exprime a fé na ressurreição dos corpos: “O corpo mortal está sepultado aqui em tranqüila paz até quando o Senhor o fizer ressurgir, Aquele que tomou a sua alma casta, pudica e para sempre inviolável com o seu santo espírito, e que a restituirá (ao corpo) adornada de glória espiritual. Viveu nove anos, onze meses e quinze dias. Passou assim desta vida terrena”.
    A inscrição é importante também do ponto de vista histórica, porque é o primeiro documento epigráfico em que o Bispo de Roma é nomeado com o título de “Papa” (pai). Desde então o termo foi usado como sinônimo do Bispo de Roma. A palavra não está gravada por inteiro, mas com a sigla PP, a mesma ainda usada pelos Papas em suas assinaturas.
    Deixando agora a estrada mestra da galeria Q1 e girando à esquerda entramos na galeria R2, em cuja esquerda encontra-se o

    Cubículo das Ovelhinhas
    A sepultura do fundo é constituída por um nicho para sarcófago, com um arco sobre ele . O arco e a luneta contêm uma pintura do séc. 4º, danificada pela abertura de um lóculo. No centro do arcossólio está a imagem do Bom Pastor com a ovelhinha nos ombros, rodeado por um rebanho (um carneiro e cinco ovelhas). A cena representa Cristo Bom Pastor que leva o defunto às fileiras dos bem-aventurados. Aos lados, dois homens de túnica e pálio, apressam-se em beber de duas fontes que brotam da rocha: são dois bem-aventurados que recobram as forças nas fontes de água viva que é Cristo.
    Na parede esquerda do nicho encontra-se uma cena eucarística que pode ser definida como única na pintura, embora freqüente nos sarcófagos. Jesus impõe as mãos sobre um cesto de pães e alguns peixes que lhe são apresentados por dois Apóstolos. Por terra, seis cestos de pães com cruz em cima. A pintura foi em seguida danificada pela abertura de um pequeno nicho para lamparinas. Na parede direita do arcossólio está representado Moisésque tira as sandálias. Ao lado aparece Pedro no ato de bater sobre a rocha para fazer brotar água. Um soldado com a lâmpada ao lado, aproxima-se da fonte e bebe água com as duas mãos. Moisés é o símbolo da antiga Lei, Pedro da nova. A água da rocha é símbolo da água batismal; o soldado vestido como militar romano representa os primeiros pagãos convertidos por Pedro.

    A REGIÃO OCIDENTAL

    Originou-se nos inícios do séc. 4º e desenvolveu-se no período da paz religiosa. A área foi usada apenas com finalidade sepulcral e tinha uma escada própria. Contém um discreto número de cubículos, entre os quais um redondo com o teto em cúpula. Este mausoléu subterrâneo acolhia uns cinqüenta defuntos.
    Merece atenção particular, o arcossólio de Nossa Senhora, da metade do séc. 4º. Conserva-se nele a cena da Epifania: Nossa Senhora sentada num trono, tem um véu sobre a cabeça e está vestida com um longa túnica. Tem sobre os joelhos o Menino Jesus, que veste uma pequena túnica. Os Magos, que representam os primeiros pagãos chegados à fé, apressam-se a oferecer seus dons ao Menino.

    A REGIÃO LIBERIANA

    Foi escavada na segunda metade do séc. 4º na parte setentrional do Cemitério de São Calisto. A região foi assim chamada pelo de Rossi depois de encontrar três inscrições sepulcrais do tempo do papa São Libério (352-366), predecessor de São Dâmaso. Numa das inscrições, agora no Museu Pio-Cristiano do Vaticano, fala-se de uma certa Euplia, menina de cinco anos, “deposita in pace sub Liberio papa” (“sepultada em paz no tempo do papa Libério”).
    Sua principal característica é a presença de grandes cubículos com teto em forma de cruz ou semicírculo, tendo nos quatro cantos colunas entalhadas no tufo. Às vezes, em lugar das colunas existem pequenas pilastras. A região contém um grande número de clarabóias, bem visíveis também nono nível terreno. As pinturas, não muito numerosas e espalhadas em diversos lugares, referem-se a temas conhecidos de representações catacumbais: Cristo “pantocrátor”, um monograma de Cristo, Adão e Eva com a serpente, Susana entre os anciãos que a acusam, etc.
    Alguns cubículos desta área foram adquiridos por membros do clero, como Deusdedit “que, com bondade, dobrou o coração dos obstinados. Foi cultor da justiça e levou uma vida honesta. Rico com os pobres e pobre consigo mesmo”. O diácono Tigridas distinguiu-se“pela seriedade de vida. Foi também homem de tipo antigo, diligente, atento e observante da lei divina”, enquanto o diácono Redento “transcorreu uma juventude digna de louvor e viveu de modo inocente”.
    Os diáconos eram estritos colaboradores dos bispos; em Roma, do Papa. Na hierarquia eclesiástica eles vinham após os presbíteros e, na comunidade cristã, desenvolviam funções litúrgicas, administrativas, caritativo-assistenciais…

    Inscrições sepulcrais
    Nas Catacumbas de São Calisto contam-se bem 2378 inscrições, boa parte das quais pertencentes a esta Região Liberiana. Elas trazem a lembrança do humilde mundo da Igreja das origens; são testemunhos da vida, da fé, da morte dos primeiros cristãos. As inscrições são elogios das virtudes e dos merecimentos dos defuntos; são a lembrança de sua participação na vida familiar, social, religiosa; são invocações e orações pelos defuntos e pelos supérstites.
    Elas exaltam a vida conjugal e familiar:

    Celso Eutrópio perdeu a jovem esposa com apenas trinta anos, depois de terem vivido juntos quase onze anos de matrimônio feliz. Ele escreve na lápide sepulcral que o tempo passado com ela fora um paraíso: “Celso Eutrópio a sua esposa… que viveu sempre comigo sem jamais dar-me qualquer desprazer. Sua vida foi de 31 anos, 9 meses e 15 dias. Passou com o marido 10 anos e 9 meses… Benemérita em paz”.

    Probiliano exalta a honestidade e a bondade da mulher: “Probiliano à sua esposa Felícita, da qual todos os próximos conheceram a fidelidade, a honestidade dos costumes e a bondade. Jamais o traiu nos oito anos de ausência do marido. Foi sepultada neste santo lugar no dia 3 de janeiro”.

    Os pais de Acuziano chamam o filhinho de “cordeiro de bondade oferecido a Cristo”: “A Júnio Acuziano, que viveu cerca de dez anos. Benemérito na paz. Sepultado no dia… Na sepultura que vês, repousa um menino arguto no falar apesar da jovem idade. Cordeiro levado ao céu e dado a Cristo”.

    A mãe de Agostinho dedica a inscrição ao filho adolescente: “… ao doce repouso, à singular piedade, à inocência da vida e à admirável sabedoria de um adolescente caríssimo, que escolheu a religião da mãe. Benemérito além de qualquer palavra… Agostinho viveu 15 tenros anos e 3 meses. A piedosíssima mãe ao dulcíssimo filho na paz eterna”.

    Um pai recorda com amor ilimitado o pequeno Macedoniano, já órfão: “Ao caríssimo filho Macedoniano, mais suave que qualquer doçura de filhos, que viveu nesta terra nove anos e vinte dias. Um pai fez a sepultura ao seu querido. Em paz”.

    Encontra-se na escada da Região Liberiana a lápide de uma jovem de vida exemplar: “ASegunda, de bondade admirável, que viveu 20 anos com fé sincera. Foi de costumes honestos. Conservou a sua virgindade. Morreu na paz do Senhor. À benemérita pomba sem fel (sem maldade no falar). Sepultada no dia 15 de julho sob o consulado de Mamertino e Nevita”.

    Valentina é chorada pelos pais com amor pungente: “Ó Valentina, doce e tão amada, estou vencido por um pranto irrefreável e nada posso dizer. A quem dirigiste o teu sorriso, ele permanece no coração acrescentando outras lágrimas, e não pode tirar-lhe a dor. O céu raptou-te improvisamente “.

    Os cristãos participavam plenamente de todas as atividades sociais, nas profissões e nos trabalhos mais disparatados, colocando a própria vida a serviço dos irmãos. As inscrições confirmam-no amplamente e recordam:

    Deutério, professor de latim e grego: “Deutério, intérprete dos antigos vates (poetas) e professor de latim e grego, repousa seguro (da salvação) em tranqüila paz”.

    Teódulo, suboficial valoroso e administrador honesto: “A memória dos amigos conserva a lembrança de Teódulo, que morreu com a honra das armas. A sua lealdade, com efeito, distingue-o entre os suboficiais. Fiel aos companheiros de armas e aos amigos. A fama declara-o servidor de Deus mais que do dinheiro, e íntegro suboficial da Prefeitura Urbana. Se estive em grau de fazê-lo, diria sempre os seus louvores, para que sejam concedidos os prometidos dons de luz (o paraíso)…“.

    Redento, diácono chorado pelos seus fiéis e pelo Papa Libério: “Detém, ó dor, as lágrimas! Ó povo santo de Deus, perguntas do diácono Redento? Improvisamente acolheu-o o Reino dos céus. Tirava doces sons cantando suavemente e celebrando com plácida harmonia o santo profeta Davi (cantava os Salmos). Sua vida terrena foi a de um inocente, sua juventude foi louvada. O mal finalmente foi vencido e não pode mais causar-lhe dano. Agora, acolhe-o o paraíso, depois de tê-lo raptado, aquele que obtivera tantas vitórias sobre o inimigo (o diabo)“.

    Ânio Inocêncio, núncio apostólico: “Ânio Inocêncio, acólito, viveu 26 anos.Por disposição eclesiástica, ele afadigou-se muito em viagens. Foi, de fato, enviado duas vezes às províncias gregas, freqüentemente à Campânia, Calábria e Apulia. Enfim, enviado à Sardenha, ali foi-se deste mundo. O seu corpo foi transladado para este lugar. Dorme (agora) em paz, em 25 de agosto”.

    Valério Pardo, hortelão, representado com a foice numa das mãos e uma hortaliça na outra: “Aqui repousa Valério Pardo. Felicísima fez a inscrição ao ótimo marido”.

    Ebêncio, sacerdote em cura de almas: “Aqui repousa Ebêncio presbítero, que, chegando ao sacerdócio de Cristo, mereceu governar o povo de Deus”.

    Estas são apenas algumas das várias epígrafes das Catacumbas de São Calisto, que descrevem a vida dos cristãos e a extrema variedade de suas profissões. Percebemos o quanto estivessem intimamente inseridos no contexto social do tempo. Não podemos continuar a transcrever suas lápides, mas recordamos o nome e a profissão de alguns outros cristãos:

    Dionísio, médico e sacerdote. Aurélio Aureliano, centurião da 4ª coorte; Gorgônio,mestre; Paulo, exorcista; Justo, chefe artesão, recordado com o machado, o cinzel, a colher de pedreiro; Primênio, vendedor de comida; Puteolano, escultor de mármore;Jovinus, construtor de carroças; Astásio, Alexandre, Picêncio, Quinto, Martiniano, Urso, Félix, coveiros; Fausto, servente. Sobre a sepultura de um comerciante está gravada sobre a placa de cobertura uma balança, da mesma forma que uma serra e um frasco de bebida estão gravados na lápide de um carpinteiro.

    Com muita razão os apologistas dos séc. 2º, 3º e 4º podiam confutar como absurdas e injustas as calúnias e acusações dirigidas aos Cristãos de viverem isolados de todos, de serem desonestos e improdutivos. Sua forma de vida era maravilhosa, ou melhor, tinha algo de incrível (Carta a Diogneto); não se isolavam realmente, mas participavam de todas as atividades como os pagãos; numa palavra, “viviam na justiça e na santidade” (Aristides); “tinham aprendido de Deus a viver na honestidade” (Tertuliano). “Passam a vida na terra, mas são cidadãos do céu”.
    As inscrições da Catacumba ilustram, de fato, a fé professada dos primeiros Cristãos. Dizem-nos o que eles pensavam das realidades últimas, da morte e da sorte da alma na eternidade. As inscrições revelam nos fiéis uma difusa atitude de serenidade e de paz. A morte não é vista como maldição, como o fim de tudo, mas como um repouso tranqüilo à espera da ressurreição dos corpos prometida por Cristo.
    Uma expressão ocorre continuamente: “Em paz, sepultado em paz, morreu em paz, entregou a alma em paz, dorme na paz”. Encontramos também freqüente o augúrio:“Possas viver entre os Santos, em Deus, em Cristo, no Espírito Santo, eternamente”. O voto expresso é ilustrado pela pomba com o raminho de oliveira, símbolo universal de paz.“Felícia, a tua paz no Senhor”. A mesma certeza é encontrada nas outras catacumbas. Uma inscrição em particular resume a fé dos Cristãos: “O doce e inocente Severiano dorme aqui no sinal de Cristo, no sono da paz. Viveu mais ou menos 50 anos. Sua alma foi recebida na luz do Senhor”.
    O destino final dos Cristãos é a ressurreição de Cristo e a vida eterna. Fala por todos Dâmaso, o cantor das catacumbas. Após recordar em sua inscrição alguns milagres de Cristo, como caminhar sobre as ondas do mar (Mc 6,45-52); a ressurreição de Lázaro (Jo 11,1-44), e a sua própria ressurreição (Mt 28,1-10), Dâmaso afirma com absoluta certeza que Jesus Cristo o fará ressuscitar um dia:

    “Aquele que dá nova vida às sementes
    que morrem sob a terra,
    Aquele que pode desfazer os laços letais da morte
    após as trevas,
    dando de novo depois de três dias à irmã Maria
    o irmão entre os vivos,
    creio que fará Dâmaso ressurgir de suas cinzas “.

    AS CRIPTAS DE LUCINA

    Ao longo da Via Appia, após meados do séc. 2º, tiveram origem as Criptas de Lucina. O nome de Lucina deve-se à notícia trazida pelo Liber Pontificalis na biobrafia do Papa São Cornélio: “A bem-aventurada Lucina, com a ajuda de alguns eclesiásticos, recolheu à noite os restos do papa Cornélio para depô-los numa cripta escavada em uma propriedade sua no Cemitério de Calisto na Via Appia, em 14 de setembro”.

    As criptas são formadas por dois hipogeus “alfa” e “beta”, pequenas áreas subterrâneas destinadas a sepultura, contendo alguns cubículos, que se comunicam entre si por galerias e possuem exteriormente duas escadas. No séc. 4º essas criptas foram unidas ao Cemitério de São. Calisto através de uma galeria que permitia aos peregrinos, que tinham visitado as criptas dos Papas e de Santa Cecília, atingirem diretamente, através da Região do Papa Milcíades, a sepultura do Papa Cornélio aí sepultado.

    Lapide Cornelius Martyr
    © Pontificia Commissione di Archeologia Sacra

    São Cornélio, eleito Papa em 251, depois de um ano de pontificado, foi exilado em Civitavecchia onde morreu no ano seguinte. Devido aos graves sofrimentos padecidos foi considerado mártir e como tal foi qualificado também por São Cipriano em diversas ocasiões. A Igreja de Roma celebrou a data de sua definitiva deposição no cemitério de São Calisto em 14 de setembro. Sua sepultura tornou-se meta de constante peregrinação testemunhando o florescente culto dos mártires em Roma.

    O corpo de São Cornélio foi deposto num amplo nicho quadrangular do hipogeu b e diante dele foi colocada uma placa marmórea onde foram esculpidas as palavras:

    “CORNELIVS · MARTYR · EP (iscopus)“

    (Cornélio bispo mártir)

    Na pare de à esquerda da sepultura estão representados os santos Sisto II e Optato. À direita da sepultura há uma mesa de forma circular: servia para apoiar as lamparinas a óleo que ardiam em honra do papa mártir. Vêem-se na parte alta da parede, as figuras dos santos Cornélio papa e Cipriano, bispo de Cartagena (mártir na perseguição de Valeriano em 258).

    As quatro figuras são nimbadas, isto é, têm a auréola ao redor da cabeça; vestem hábitos pontificais e com a mão esquerda seguram um livro ornado de pedras preciosas (o Evangelho). Acima da sepultura do papa Cornélio, encontra-se parte da lápide em que foram gravados os versos do papa Dâmaso, por ele ditados como lembrança da construção da escada que leva à cripta e da abertura de uma dupla clarabóia. O Papa releva que realizou os trabalhos levado pela própria solicitude pelas sepulturas dos mártires, e convida os fiéis a rezarem por ele, enfermo e aflito por muitas preocupações.

    Encontra-se nessas criptas um cubículo duplo, rico de pinturas do final do séc. 2º com as cenas do Batismo de Jesus, Daniel na fossa dos leões, duas figuras do Bom Pastor, outras duas orantes veladas, o ciclo de Jonas. Encontram-se aqui os famosíssimos peixes eucarísticos: dois peixes e diante de cada um deles um cesto com pães, com uma taça cheia de vinho tinto. Simbolizam a Eucaritia.

    DESPEDIDA

    As Catacumbas de São Calisto são muito extensas. Percorremos apenas uma parte do segundo plano, que constitui, porém, a parte mais importante devido às criptas sem dúvida de valor histórico: dos Papas, de Santa Cecília, de Santo Eusébio, e os Cubículos dos Sacramentos. A nossa visita de estudo e de piedade foi breve, mas suficiente para dar-nos uma idéia do que sejam as catacumbas, os cemitérios da Igreja dos primeiros tempos.

    As catacumbas são a prova histórica de que a Igreja em suas origens foi uma Igreja de Mártires. Estão sepultados nestas catacumbas cerca de 46 mártires dos quais conhecemos os nomes, mas certamente eles foram mais numerosos.
    A Igreja daqueles tempos foi também uma Igreja de Cristãos autênticos, que não sepultaram a própria fé debaixo da terra, nas catacumbas, mas manifestaram-na abertamente em todas as situações da vida, na família, no trabalho, nas profissões, com lealdade ao imperador e ao Estado e bondade para com todos, tanto é verdade que suscitaram a admiração incondicionada também dos não cristãos.
    Descrevemos um cemitério onde tudo fala de vida mais do que de morte. Cada galeria percorrida, cada cubículo visitado, cada pintura, cada escultura, cada inscrição, ofereceram-nos uma mensagem, com linguagem silenciosa, mas verdadeira e compreensível: a mensagem da fé, do testemunho cristão na vida de cada dia e do martírio nas perseguições.

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  10. O CEMITÉRIO SUBTERRÂNEO

    Ao descrever este tesouro de testemunhos antigos, que são as catacumbas, limitar-nos-emos a indicar, seguindo o itinerário dos peregrinos, os lugares e o que há mais significativo sem repetir quanto foi dito sobre as catacumbas em geral na primeira parte desta home-page Internet.

    Escada de ingresso
    Para descer às catacumbas toma-se uma moderna escada de ingresso, reconstruída em boa parte no lugar da anterior, do 4º século, aberta no tempo do papa Dâmaso para permitir que os peregrinos chegassem com facilidade às sepulturas dos mártires. Ao longo das paredes do primeiro trecho da escada foram fixados numerosos fragmentos de lápides que fechavam os lóculos.
    Estátua do Bom Pastor
    No patamar, onde a escada gira à direita, encontra-se uma estátua do Bom Pastor, cópia do original do século 4º, conservada nos Museus Vaticanos. O Bom Pastor com a ovelha nos ombros representa Cristo Salvador e a alma salva por Ele. É o símbolo mais freqüente do amor de Cristo e o mais amado dos primeiros cristãos. Tinha para eles a mesma importância que o Crucifixo tem para nós.
    Lápide de Agripina
    Ao longo das paredes da escada estão fixadas algumas inscrições funerárias. Numa delas o dia da morte é chamado de “o dia em que a defunta entrou na luz” (“cuius dies inluxit”).“Agripina entregou (a alma a Deus)… Entrou na luz… deposta nos idos de…“. O cristianismo soube transformar em luz o lúgubre conceito pagão de morte.

    Os grafites

    No final da escada, numa parede protegida por um vidro, tem início uma série de grafitos, gravados com uma ponta de ferro na argamassa da parede. São nomes de pessoas, palavras ou também pequenas frases de invocação aos mártires, escritas pelos peregrinos durante a visita às catacumbas. Os grafitos são freqüentes perto das sepulturas dos mártires.
    Podem-se ler na parede externa da Cripta dos Papas, estas escrituras. “Ó S. Sisto, lembra-te em tuas orações de Aurélio Repentino…”; “Ó Santas Almas, recordai-vos de Marciano, de Sucesso, de Severo, e de todos os nossos irmãos”; “Felicio, PBR (presbítero) pecator”(Felício, sacerdote, pecador). Lê-se, ainda, a expressão admirada de um desconhecido cristão que compara a cripta dos Papas à Jerusalém celeste: “Jerusalém, cidade e ornamento dos mártires de Deus…”.
    À esquerda encontra-se a abertura que introduz na cripta dos Papas.

    A CRIPTA DOS PAPAS

    La Cripta dei Papi
    © Pontificia Commissione di Archeologia Sacra

    É o lugar mais sagrado e importante destas catacumbas, descoberto em 1854 pelo grande Arqueólogo Giovanni Battista de Rossi e definido por ele como “o pequeno Vaticano, o monumento central de todas as necrópoles cristãs”. A cripta teve origem no final do séc. 2º como um cubículo privado. Após a doação da área à Igreja de Roma, o cubículo foi restruturado e transformado em cripta tornando-se o mausoléu dos papas do 3º século. De forma retangular, a cripta continha 4 nichos para sarcófagos e seis lóculos em cada lado; no total são 16 sepulturas, mais uma monumental na parede do fundo.
    Foram aí sepultados 9 Papas e 8 Bispos do séc. 3º. Estão fixadas nas paredes as lápides originais, quebradas e incompletas, de 5 Papas. Seus nomes estão escritos em grego, segundo o uso oficial da Igreja do tempo. Em 4 lápides, ao lado do nome do pontífice, há a qualificação de epi epì(scopos) = bispo, porque era o chefe da Igreja de Roma; e em duas lápides está a sigla MTR, ou seja, a abreviação de Mártir. Mártir significa testemunha.Foram chamados mártires os cristãos que testemunharam a fé de Cristo com o sangue.
    Os nomes dos Papas, escritos nas lápides, são estes:

    São Ponciano (230-235), morreu mártir na Sardenha para onde tinha sido exilado e condenado a trabalhos forçados. Para não colocar em dificuldade a Igreja de Roma pela sua ausência definitiva, pouco depois de sua chegada à ilha, renunciou ao pontificado. Provavelmente o clima insalubre, o trabalho cansativo nas minas e os maltrato apressaram o seu fim. Quando morreu, a Igreja considerou-o mártir. Alguns anos mais tarde os seus restos mortais foram transportados a Roma e sepultados em S. Calisto.

    Santo Antérote (235-236), de origem grega, teve um brevíssimo pontificado, de apenas 43 dias, transcorridos todos na prisão.

    Lapide di Papa Fabiano
    © Pontificia Commissione di Archeologia Sacra

    São Fabiano (236-250) era romano e fora eleito papa quando morreu S. Antérote. O seu serviço coincidiu com um período de paz religiosa. Foi um grande organizador da Igreja de Roma. Dividiu a cidade em 7 regiões eclesiásticas confiando a cada uma os seus “títulos” (paróquias), seu clero e suas catacumbas (cemitérios). Morreu decapitado durante a perseguição do imperador Décio.

    São Lúcio I (253-254). Teve um pontificado breve: oito meses ao todo, transcorridos parte em Civitavecchia, para onde fora exilado.

    Santo Eutiquiano (275-283), de Luni na Ligúria, foi o último dos nove Papas a serem sepultados nesta cripta.

    O Papa Mártir Sisto II (257-258), definido por S. Cipriano “sacerdote bom e pacífico”, é certamente um dos mártires mais ilustres desta catacumba. É o mártir por excelência das catacumbas. De fato, estava presidindo uma liturgia neste cemitério, quando foi surpreendido pelos soldados do imperador Valeriano em 6 de agosto de 258 e decapitado aí mesmo, no mesmo dia, junto com quatro diáconos.

    Os poemas do Papa Dâmaso

    Conservam-se unidos, na parede esquerda da Cripta dos Papas, dois fragmentos originais de um primeiro poema de S. Dâmaso, dedicado ao Papa Sisto II para celebrar o dia glorioso do seu martírio.

    “No dia em que a espada (a perseguição)
    traspassou as piedosas vísceras da Mãe (a Igreja),
    eu (Sisto II), aqui colocado, como pastor (Papa)
    ensinava a palavra de Deus (as divinas Escrituras).
    Quando eis que, improvisamente, irrompem os soldados,
    que me arrancam para fora da cátedra (episcopal).
    Os fiéis ofereceram o pescoço à espada
    (isto é, os fiéis tentaram salvar o Papa
    às custas da própria vida).
    Mas apenas o Pastor percebeu
    que desejavam tirar-lhe a palma (do martírio),
    ofereceu-se a si mesmo e à sua cabeça por primeiro,
    não tolerando que o furor (pagão)
    fizesse mal aos demais.
    Cristo, que distribui a recompensa,
    tornou claro o mérito do Pastor,
    conservando ileso o número do rebanho.”

    Outros Papas aqui sepultados: Estêvão I (254-257), São Dionísio (259-268) eSão Félix I (269-274), cujas lápides, porém, não foram encontradas.

    Papa Dâmaso, no quarto século, piedoso cultor dos Mártires, transformou a cripta em lugar de culto. Fez colocar nela um altar, do qual se conserva apenas a antiga base em mármore. Foram abertas clarabóias no teto e colocaram-se colunas, que sustentavam uma arquitrave de onde pendiam lâmpadas e cruzes em honra dos Mártires.
    Muito interessante, do ponto de vista histórico, é a lápide que ainda se conserva em grande parte diante da sepultura do papa Sisto II. Foi feita gravar no mármore pelo Papa Dâmaso e contém um segundo poema, em hexâmetros latinos, que comemora os mártires e os fiéis sepultados na cripta e em todo o cemitério:

    “Se o procuras, saibas que aqui repousa unida uma multidão de Bem-aventurados.
    As sepulturas venerandas conservam os corpos dos Santos,
    mas a casa real do celeste arrebatou para si as almas eleitas,
    Aqui, os companheiros de Sisto,
    que elevam os troféus vencidos ao inimigo.
    Aqui, o grupo de anciãos que velam os altares de Cristo.
    Aqu,i o Bispo que viveu em longa paz;
    aqui, os santos confessores (da fé) enviados da Grécia;
    aqui, jovens, meninos e velhos
    com seus castos descendentes,
    que preferiram conservar a própria pureza virginal.
    Aqui, também eu , Dâmaso, confesso-o, gostaria de ter sido sepultado,
    mas tive receio de perturbar as cinzas santas dos Bem-aventurados”.

    “Os companheiros de Sisto” são os quatro diáconos: Januário, Magno, Vicente e Estêvão, que com ele padeceram o martírio. “O grupo dos anciãos” que guarda o altar de Cristo são, evidentemente, os Papas sepultados no cemitério. A expressão “o Bispo que viveu em longa paz” refere-se a um Papa que viveu antes das grandes perseguições desencadeadas por Diocleciano e Galério, entre o final do séc. 3º e os primeiros anos do séc. 4º: papa Fabiano, ou Dionísio ou Eutiquiano. Com “os santos confessores enviados da Grécia”, alude-se provavelmente a um grupo de mártires: Hipólito, Paulino, Ádria, Eusébio, Maria, Marta e Marcelo, que foram sepultados neste complexo catacumbal.

    Por uma estreita passagem aberta à esquerda da parede de fundo da Cripta dos Papas entra-se na Cripta de Santa Cecília.

    CRIPTA DE SANTA CECÍLIA

    Abre-se na parede esquerda, em baixo, um grande nicho onde foi colocado o sarcófago contendo o corpo de Cecília, aí ficando até o ano 821, quando o Papa São Dâmaso I transportou-o à basílica a ela dedicada no Trastévere.

    Foto della cripta di santa Cecilia
    © Pontificia Commissione di Archeologia Sacra

    A estátua, que se vê é uma cópia da célebre estátua de Stefano Maderno (1566-1636), esculpida em 1599, quando foi feito o reconhecimento dos restos mortais da santa. Ela foi encontrada na posição reproduzida pelo escultor. Maderno quis também realçar o corte da espada no pescoço e a posição dos dedos: três abertos na mão direita e um dedo aberto na esquerda. Segundo a tradição, a santa quis indicar a sua fé na Unidade e na Trindade de Deus.

    A cripta foi decorada com mosaicos e pinturas. Restam ainda algumas destas pinturas. Santa Cecília é representada na parede esquerda, em cima, perto do lugar de sua sepultura, em atitude de orante; embaixo, num pequeno nicho, encontra-se a imagem de Cristo “Pantocrátor” (Onipotente), que segura o Evangelho. Ao lado, está a imagem de Santo Urbano, papa e mártir, contemporâneo de S. Cecília, a ela unido no martírio. Admira-se, na boca da clarabóia, uma cruz entre duas ovelhas e as imagens dos mártires Polícamo, Sebastião e Quirino.

    A cripta conserva numerosas inscrições. A mais importante, pelo belo testemunho de fé, é a de Setímio Frontone, de família senatorial. É em língua grega, datada do 3º século.

    “Eu Setímio Frontone Pretestato Liciniano,
    servo de Deus, aqui repouso.
    Não me arrependerei (jamais) por ter vivido honestamente.
    Vou servir-te também no céu (Senhor),
    e darei graças ao teu Nome.
    Entreguei a minha alma a
    Deus aos 33 anos e 6 meses”.

    AS GALERIAS

    Fora da cripta de S. Cecília, voltando à esquerda, chega-se a um deambulatório, que é um dos dois núcleos mais antigos do cemitério (galeria B). Ao final, passa-se à galeria C, onde encontra-se a pequena bela lápide de Augurino, com a pomba que tem um pequeno ramo de oliveira no bico.

    Chega-se por uma estreita passagem à galeria A, chamada dos Cubículos dos Sacramentos. Vêem-se algumas inscrições nas paredes. Leiamos uma delas:

    “Ao querido Ciríaco filho dulcíssimo. Possas viver no Espírito Santo”

    A estrutura das galerias e a disposição das sepulturas dão a impressão de um vasto dormitório, chamado pelos Cristãos de cemitério, que significa justamente lugar do sono,como veremos mais adiante, falando do cubículo do diácono Severo.

    OS CUBÍCULOS DOS SACRAMENTOS

    Encontramos na galeria A, à esquerda, cinco pequenas salas ou sepulturas familiares, chamadas de “os Cubículos dos Sacramentos”, famosos e importantes pelos afrescos neles contidos, datáveis dos inícios do séc. 3º e que representam simbolicamente os sacramentos da iniciação cristã: Batismo e Eucaristia.

    Com essas representações, os cristãos dos primeiros séculos queriam antes de tudo recordar o próprio catecumenato (preparação ao Batismo), e depois, deixar uma mensagem aos contemporâneos: eles tornaram-se cristãos pelo Batismo e perseveraram na vida cristã com a Comunhão freqüente. Queriam também dizer aos familiares e a quantos visitassem suas sepulturas que, se tivessem feito uso dos mesmos meios, um dia haveriam de reunir-se novamente aos seus queridos.

    O Batismo
    Como ensinavam os Padres da Igreja em suas catequeses, esses meios de salvação foram já prefigurados no Antigo Testamento. Isso aparece claro no milagre de Moisés que faz brotar água da rocha para tirar a sede do seu povo no deserto (Ex 17,1-7). O Batismo de Jesus (Mt 3,13-17) também é uma prefiguração do batismo do cristão. Por isso, a cena de Jesus que se faz batizar por João no Jordão. Na parede de fundo do cubículo A2 está pintada a mais antiga cena do Batismo de um catecúmeno. O sacerdote com túnica e pálio coloca a mão direita sobre a cabeça do batizando, que tem os pés na água. Outras representações do Batismo são oferecidas pelo pescador, pela Samaritana ao poço e peloparalítico da Piscina de Betesda.

    A Eucaristia
    Os primeiros cristãos preferiram representar em seus cubículos o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes (Jo 6,1-15) como símbolo da Eucaristia. Jesus, de fato, partindo desse milagre, promete um pão particular e diverso: o seu corpo (Jo 6,22-59). A cena da multiplicação dos pães repete-se sempre do mesmo modo: sete pessoas sentam-se ao redor de uma mesa. O número sete é simbólico e indica que todos são chamados por Deus à salvação. Sobre a mesa estão colocados dois ou três pratos com pães e peixes e, aos lados da mesa, estão os cestos de pão.

    O bíblico Jonas
    Em todos esses cubículos aparece o profeta Jonas. Ele é o profeta mais querido dos primeiros cristãos, porque pregou a mensagem da salvação aos habitantes de Nínive, isto é, a pagãos, sendo pois símbolo da chamada à salvação de todos os homens indistintamente,judeus ou pagãos que fossem. Não nos esqueçamos que a maior parte dos fiéis sepultados neste cemitério vinham do paganismo. Além disso, é também símbolo de ressurreição.Jesus mesmo no Evangelho toma-o como figura dessa realidade: “Como Jonas permaneceu três dias e três noites no ventre do peixe, assim também o Filho do Homem ficará no coração da terra três dias e três noites, e depois ressuscitará” (Mt 12,40).

    A escada dos mártires
    Terminando a galeria dos Cubículos dos Sacramentos começa a escada dos Mártires,escavada na metade do séc. 2º, conservando ainda alguns degraus daquela época. É chamada “escada dos Mártires” porque por ela passaram os papas sepultados na bem próxima cripta. Segundo a tradição também o jovem Tarcísio descia por essa escada quando vinha rezar nas sepulturas dos mártires ou buscar a Eucaristia para levá-la aos cristãos nas prisões ou nas famílias durante o período de perseguições.

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  11. Descrição sintética

    As catacumbas de São Calisto estão entre as maiores e mais imponentes de Roma. Surgiram pela metade do século segundo e fazem parte de um complexo cemiterial que ocupa uma área de 15 hectares de terreno, com uma rede de galerias longa quase 20 quilômetros, em diversos planos, e atingem uma profundidade superior a 20 metros. Nelas encontraram sepultura dezenas de mártires, 16 pontífices e muitíssimos cristãos.

    Recebem o nome do diácono São Calisto, que no início do século III foi colocado pelo papa Zeferino como administrador do cemitério e assim as catacumbas de São Calisto tornaram-se o cemitério oficial da Igreja de Roma.

    São visíveis externamente duas pequenas basílicas com três absides, chamadas de“Tricoras”. Naquela oriental foram provavelmente sepultados o papa São Zeferino e o jovem mártir da Eucaristia, São Tarcísio.

    O cemitério subterrâneo consta de diversas áreas. As criptas de Lucina e a região chamada dos Papas e de Santa Cecília constituem os núcleos mais antigos (séc. 2º). As outras regiões chamadas de São Milcíades (metade do séc. 3º), de São Caio e de Santo Eusébio (fins do séc. 3º), Ocidental (primeira metade do séc. 4º) e Liberiana(segundo metade do séc. 4º), com muitas criptas importantes.

    Seguindo o itinerário dos peregrinos encontramos:

    A CRIPTA DOS PAPAS

    La Cripta dei Papi
    © Pontificia Commissione di Archeologia Sacra

    É o lugar mais sagrado e importante destas catacumbas, chamado “o pequeno Vaticano” porque aí foram sepultados 9 papas e, provavelmente 8 dignitários da Igreja do 3º século. Ao longo das paredes estão as inscrições originais em grego de 6 papas. Em 4 lápides, ao lado do nome do pontífice há o título de “bispo”, porque o Papa era considerado o chefe da Igreja de Roma, e, em duas lápides, há também a abreviação grega “MPT” (mártir).

    Os nomes dos papas, gravados nas lápides são:Ponciano, Antero, Fabiano, Lúcio e Eutiquiano. Na parede de fundo foi também deposto o papa Sisto II, vítima da perseguição do imperador Valeriano.

    Diante de sua sepultura, o Papa São Dâmaso (séc. IV) colocou uma lápide de mármore com uma inscrição que celebra a memória dos mártires e dos cristãos sepultados nestas catacumbas.

    A CRIPTA DE SANTA CECÍLIA

    Ao lado encontra-se a cripta de Santa Cecília, a popular patrona da música. De nobre família romana, foi martirizada no século terceiro. Sepultada onde encontra-se agora a sua estátua, foi aqui venerada ao menos por cinco séculos. Em 821 as suas relíquias foram transportadas ao Trastevere, à basílica a ela dedicada.

    A estátua de São Cecília é uma cópia da célebre obra de Maderno, esculpida em 1599.
    A cripta era toda decorada com afrescos e mosaicos (início do séc. IX). Na parede, próxima à estátua há uma antiga imagem de Santa Cecília, em atitude de orante; mais embaixo, num pequeno nicho está representado o Salvador, que tem na mão o Evangelho; ao lado está representado o papa mártir Santo Urbano. Numa parede da clarabóia, vêem-se as figuras de três mártires: Polícamo, Sebastião e Quirino.

    OS CUBÍCULOS DOS SACRAMENTOS

    I Cubicoli dei Sacramenti
    © Pontificia Commissione di Archeologia Sacra

    Passando através de imponentes galerias de lóculos, chegamos a cinco pequenas salas, verdadeiros jazigos familiares, chamadas cubículos dos Sacramentos e particularmente importantes pelos seus afrescos.

    Eles são datados como dos inícios do século 3º e representam simbolicamente os sacramentos do Batismo e da Eucaristia. Aí encontra-se representado também o profeta Jonas, símbolo de ressurreição.

    AS OUTRAS REGIÕES

    Passamos em seguida à região do Papa Milcíades, que contém muitos arcossólios e numerosos cubículos, como a cripta do Refrigério, a cripta das 4 Estações, a cripta de Oceano, etc.

    Mais adiante está a região dos papas São Caio e Santo Eusébio. A cripta de São Caio, (fins do séc. 1º) é de grandes proporções e era usada para as assembléias da comunidade.

    À frente, encontra-se a cripta do mártir Santo Eusébio (início do séc. 4º), que conserva a inscrição do papa São Dâmaso, no qual se exalta a misericórdia desse pontífice para com os “lapsos”, os apóstatas do Cristianismo.

    Il Pesce Eucaristico
    © Pontificia Commissione di Archeologia Sacra

    Percorrendo a galeria encontram-se, sucessivamente, a cripta dos mártires Calógero e Partênio, o cubículo do diácono Severo, importante por uma inscrição em que, pela primeira vez, o bispo de Roma, Marcelino, é chamado de “Papa” e é professada a fé na ressurreição final; o cubículo dos “5 Santos”, representados como orantes; o cubículo “das Ovelhinhas”, com afrescos que representam Cristo, Bom Pastor, rodeado de ovelhas; e, também, algumas cenas bíblicas que simbolizam os sacramentos do Batismo e da Eucaristia.

    As criptas de Lucina encontram-se junto à Via Appia. Nelas, a sepultura de São Cornélio conserva a inscrição original que traz o título de “Mártir”, e, aos lados, esplêndidas pinturas que representam os papas São Sisto II e São Cornélio e os bispos africanos São Cipriano e Santo Optato. Em um cubículo próximo estão alguns entre os mais antigos afrescos das catacumbas romanas (fins do II ou inícios do III séc.); no forro, representações do Bom Pastor; na parede de fundo dois peixes com um cestinho de pães no dorso, símbolo da Eucaristia.

    O cemitério de São Calisto estende-se enfim às regiões Ocidental e Liberiana, que compreendem esplêndidos cubículos, alguns mausoléus e várias inscrições sepulcrais.

    DESPEDIDA

    O Papa João XXIII definiu as catacumbas de São Calisto como as mais augustas e célebres de Roma, sobretudo porque conservam numerosas sepulturas de pontífices e de mártires.

    As catacumbas são a prova histórica de que a Igreja das origens foi uma Igreja de Mártires, e uma Igreja de Cristãos autênticos que, na vida de todos os dias, testemunharam a fé e o amor a Cristo. “Hoje a Igreja tornou-se novamente Igreja de mártires” (João Paulo II). A memória das origens e a visita às catacumbas fazem-nos compreender melhor o significado e o valor do testemunho do martírio, que a Igreja dá ao mundo às portas do terceiro milênio.

    AS CATACUMBAS DE SÃO CALISTO

    Descrição detalhada

    INTRODUÇÃO

    Percorrendo a via Appia Antiga encontram-se, a menos de um quilômetro da Porta de São Sebastião, a pequena igreja do “Quo Vadis?”, em seguida as catacumbas de Pretestato e de São Sebastião e, mais além, o mausoléu de Cecília Metella.
    Ao centro dessa área arqueológica, encerrado entre as vias Appia Antiga, Ardeatina e o beco das Sette Chiese estende-se o “Complexo Calistiano”, uma vasta área de mais ou menos 30 hectares de terreno, dos quais uns quinze em catacumba. As galerias, às vezes em quatro planos superpostos, atingem o comprimento de 20 quilÔmetros. Numerosíssimas as sepulturas, talvez meio milhão.

    O complexo é formado por vários núcleos cemiteriais que se foram estendendo aos poucos: o cemitério de São Calisto e as Criptas de Lucina, que se uniram com o tempo; o cemitérios de Santa Sotere, de São Marcos e de Marcelino e Dâmaso, e enfim o de Balbina. Interessam-nos agora as Catacumbas de São Calisto, que estão entre as mais importantes e imponentes de quase sessenta catacumbas cristãs de Roma. Podem ser consideradas como“o berço da Cristandade e os arquivos da Igreja primitiva”, porque ilustram a sua vida, usos e costumes e o Credo professado, e testemunham o seu martírio.
    Originaram-se pela metade do séc. II, a partir de uma área funerária talvez pertencente à nobre família dos Cecílios e que, nos inícios do século terceiro, passaram a depender diretamente da Igreja de Roma.
    O papa São Zeferino (199-217) confiou a vigilância da incipiente catacumba ao diácono Calisto, para que a administrasse em nome da Igreja. Calisto devia superintender à escavação para que todos os fiéis, sobretudo os pobres e os escravos, pudessem ter uma sepultura digna. Calisto, por sua vez, eleito papa, aumentou o complexo funerário que recebeu o seu nome e tornou-se o cemitério oficial da Igreja de Roma.
    Os núcleos mais antigos das catacumbas de São Calisto são as Criptas de Lucina e a Região chamada dos Papas e de S. Cecília, onde conservam-se algumas entre as memórias mais sagradas do lugar (as criptas dos Papas e de S. Cecília e os Cubículos dos Sacramentos); as outras regiões são denominadas de S. Caio e de S. Eusébio (fins do século 3º), Ocidental (anterior à metade do séc. 4º) e Liberiana (segunda metade do séc. 4º).

    O NÍVEL DO SOLO

    A área a céu aberto, preexistente às catacumbas, era ocupada por sepulturas pagãs ao longo das margens da via Appia . Em seguida foram construídos mausoléus e pequenas basílicas, em cima ou ao lado das sepultaras dos mártires. Desses monumentos chegaram até nós apenas dois pequenos edifícios chamados “Tricoras”, devido às três absides que formam a sua planta.
    Provavelmente na “Tricora ocidental”, foram sepultados próximos, embora em tempos diversos, o papa S. Zeferino e o jovem mártir da Eucaristia, S. Tarcísio, celebrado num poema do Papa Dâmaso (366-384), que assim recorda o seu martírio:

    “… Enquanto um celerado grupo de fanáticos lançava-se sobre Tarcísio, que levava a Eucaristia, para profaná-la, o jovem preferiu perder a vida a deixar o Corpo de Cristo aos cães raivosos”.

    As duas tricoras foram restauradas e a oriental serve agora também como pequeno museu, que contém inscrições do cemitério e numerosos fragmentos de sarcófagos, que representam cenas do antigo e do novo Testamento. O mais importante é o sarcófago do Menino, assim chamado pelas suas dimensões reduzidas e que conserva a parte frontal ricamente esculpida.

    Il Sarcofago del Bambino

    Esse sarcófago pode ser considerado como um pequeno catecismo ilustrado. Eis as cenas: Noé com a pomba na arca, um profeta que segura o rolo da lei divina, Daniel na fossa dos leões, o menino orante entre dois santos, o milagre da Caná e a ressurreição de Lázaro. Ajoelhada aos pés de Jesus, a irmã de Lázaro, Maria. Ao centro da cobertura dois pequenos gênios seguram uma pequena placa; nas extremidades estão duas cabeças, esculpidas com finalidade ornamental.
    As cenas representadas no sarcófago deixam transparecer um profundo simbolismo e a sucessão das cenas não é casual. O cristão nasce à vida divina mediante o Batismo (Noé); nutre a vida divina com o pão (Abacuc) e o vinho (Caná) consagrados na Missa, ou seja, com a Comunhão; a Eucaristia oferece-lhe como penhor a ressurreição final (Lázaro). O cristão (o menino), assim, viverá no paraíso (orante). Encontramos aqui o eco das palavras de Jesus: “Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,54).

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  12. 4.Quantos foram os Martires?

    Qual o número dos mártires? È impossível precisá-lo. Foram muitos, antes e depois de Constantino, para que a palavra de Cristo fosse salva ou não fosse dita em vão. Estavam já às portas as perseguições dos persas, que de 309 a 438 fizeram outros mártires, sob Sapor II e Baram V.
    Poderíamos acrescentar aos mártires já nomeados dos três primeiros séculos, os que, no ocidente e no oriente, marcaram de maneira particular a história da cruz de Cristo, e poderiam ser propostos como modelo da sua vitória sobre o mundo pagão ou paganizante: as sete virgens da Galácia; Judite, viúva da Capadócia; Zenóbio, médico e sacerdote; Pânfilo, douto e santo; Cassiano, humilde mestre de escola; o homem do povo Taraco e o nobre Próbo; a cortesã convertida Afra e o pobre taberneiro Teódoto de Ancira, etc.
    O exemplo deles sirva-nos de estímulo a viver cristãmente a vida, usando dos bens terrenos sem perder de vista os bens celestes, orando pelos perseguidores e irradiando a alegria do Ressuscitado enquanto ainda estão no corpo mortal. Somos chamados a testemunhar o Evangelho, no calvário da doença ou entre as outras cruzes quotidianas.
    Em certo sentido, a perseguição sempre esteva ativa. Seja-o também o nosso testemunho de fidelidade a Cristo e à sua Igreja.

    5. Conclusão
    Concluindo, e como comentário à leitura dos Atos dos Mártires, apresentamos alguns pensamentos do Papa João Paulo II sobre o significado e o valor do martírio como “testemunho coerente do amor de Cristo e da Igreja e como prova eloqüente da verdade da fé”, e uma reflexão sobre a radicalidade e atualidade do martírio na Igreja das origens e do nosso tempo.

    A MEMÓRIA DOS MÁRTIRES
    testemunho perene do amor de Cristo e da Igreja

    “A Igreja do primeiro milênio – escreveu o Papa João Paulo II na “Tertio Millennio Adveniente” (“Ao aproximar-se do terceiro milênio” – carta apostólica sobre a preparação do Jubileu, 10.11.1994, n. 43) nasce do sangue dos mártires: ‘Sanguis martyrum – semen christianorum… Ao término do segundo milênio, a Igreja tornou-se novamente Igreja de Mártires. É um testemunho que não se deve esquecer”.
    Ainda na Bula de proclamação do Grande Jubileu do ano 2000 “Incarnationis mysterium” (“O mistério da Encarnação”), o Papa recorda que “a história da Igreja é uma história de santidade e de martírio… por isso a Igreja em todos os ângulos da terra deverá permanecer ancorada no testemunho dos mártires e defender ciosamente a memória deles”. Apresentamos aqui a passagem da Bula que fala do martírio da Igreja das origens e do nosso século.

    “Um sinal perene, e hoje particularmente eloqüente, da verdade do amor cristão é amemória dos mártires. O seu testemunho não fique esquecido. Eles anunciaram o Evangelho, dando a vida por amor. Sobretudo nos nossos dias, o mártir é sinal daquele amor maior que contém em si todos os outros valores. A sua existência reflete aquela palavra suprema, pronunciada por Cristo na cruz: “Perdoa-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem” (Lc 23, 34). O fiel que tenha considerado seriamente a sua vocação cristã, dentro da qual o martírio aparece como uma possibilidade preanunciada na Revelação, não pode excluir esta perspetiva do horizonte da própria vida. Estes dois mil anos depois do nascimento de Cristo estão marcados pelo persistente testemunho dos mártires.
    Também este século, que caminha para o seu ocaso, conheceu numerosíssimos mártires, sobretudo por causa do nazismo, do comunismo e das lutas raciais ou tribais. Sofreram pela sua fé pessoas das diversas condições sociais, pagando com o sangue a sua adesão a Cristo e à Igreja ou enfrentando corajosamente infindáveis anos de prisão e de privações de todo o gênero, para não cederem a uma ideologia que se transformou num regime de cruel ditadura. Do ponto de vista psicológico, o martírio é a prova mais eloqüente da verdade da fé, que consegue dar um rosto humano inclusive à morte mais violenta e manifestar a sua beleza mesmo nas perseguições mais atrozes.
    Inundados pela graça no próximo ano jubilar, poderemos mais vigorosamente erguer ao Pai o nosso hino de gratidão, cantando: Te martyrum candidatus laudat exercitus (o exército resplandecente dos mártires canta os vossos louvores). Sim, é o exército daqueles que “lavaram as suas vestes e as tornaram cândidas no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 14). Por isso, a Igreja espalhada por toda a terra deverá permanecer ancorada ao seu testemunho e defender zelosamente a sua memória. Possa o povo de Deus, revigorado na fé pelos exemplos destes autênticos campeões de diversa idade, língua e nação, cruzar com confiança o limiar do terceiro milênio. À admiração pelo seu martírio associe-se, no coração dos fiéis, o desejo de poderem, com a graça de Deus, seguir o seu exemplo, caso o exijam as circunstâncias”. (Incarnationis mysterium 13)

    6.Os mártires, testemunhas radicais
    “Ser mártir é uma vocação. O Espírito Santo, não o juiz ou carnífice, faz os mártires, isto é, as grandes testemunhas. É o modo como cada vocação exprime uma dimensão da existência cristã que é comum a todos”. É esse o fio condutor da reflexão que segue sobre a necessidade, atualidade e radicalidade do martírio e sobre a sua força de atração, sobretudo para os jovens de hoje.

    O Papa associou, numa única lembrança, no dia da Páscoa de 1998, as testemunhas evangélicas da ressurreição e os mártires do nosso tempo. Uma das iniciativas para o jubileu é o martirológio do século XX, isto é, o catálogo daqueles que, de 1900 aos nossos dias, foram mortos pela fé. Os Sínodos da África, da América e da Ásia enumeraram o martírio e a memória dos mártires entre os pontos mais importantes da vida cristã atual e da nova evangelização. Da vida e não da história cristã! Os mártires não são apenas “glórias” ou “exemplos”, mas revelação viva de uma dimensão do ser cristão: o testemunho de Cristo e da verdadeira vida.
    Martírio, no sentido original do termo, indicava a deposição de uma testemunha, por escrito e sob juramento, com valor de prova: o máximo, portanto, que se podia pedir de credibilidade, de garantia de verdade.
    O Evangelho aplica a palavra a Jesus que dá testemunho do Pai e da verdadeira vida com a palavra e a ação; mas sobretudo, com a paixão e morte. Ele é a testemunha, o mártir por excelência.
    Aplica-a depois àqueles que narraram a ressurreição de Jesus ou, em seguida, a anunciavam. Isso comportava expor-se à falência e à derisão e também ao risco de morte, como verificou-se já no início da Igreja com o martírio de Santo Estêvão.
    O próprio Jesus associa a confissão de seus discípulos à assistência do Espírito Santo. “Sereis levados aos tribunais… e haverão de torturar-vos… sereis minhas testemunhas diante deles e diante dos pagãos… Não vos preocupeis com o que devereis dizer ou como o direis. Não sereis vós a falar, mas será o Espírito do vosso Pai que falará por vós” (Mt 10,17-18.20).
    Logo e para sempre na história, o martírio tomou o sentido de oferta da vida em morte cruenta como testemunho da fé. O mártir não se defendia com argumentos para demonstrar a própria inocência diante de quem o acusava. Aproveitava para falar de Jesus, declarava o quanto fosse importante para si a fé em Cristo, confessava a sua pertença ao grupo cristão. Tinha até mesmo a coragem de exortar juizes e carnífices a mudar de opinião e ser sensatos.
    Ainda hoje, mata-se por motivo de fé. Prova disso são os sete monges da Argélia e tantos outros, religiosos, religiosas e fiéis leigos, caídos onde grassavam o integralismo ou formas mágicas de religiosidade. Outros morreram e morrem no exercício da caridade ou no esforço de reconciliação durante conflitos étnicos, guerras civis e situações de insegurança geral.
    É mais freqüente, porém, uma razão “humana”, ligada profundamente à fé. Assim, os regimes ideológicos do século XX fizeram massacres de crentes, católicos, protestantes, ortodoxos sob a acusação de oposição ao bem do povo, de subversão, de favorecimento dos inimigos do Estado. Não perguntavam nem sequer se o acusado queria renunciar à fé. Eliminavam-no sem processo. Difamavam-no, muitas vezes, através de uma imprensa poderosa e encenavam tribunais fantoches.
    É interessante ver como realiza-se a palavra de Jesus: esquecemo-nos das montagens acusatórias. Recordamo-nos e somos beneficiados daquilo que os mártires proclamaram com o próprio sofrimento e silêncio: o valor da vida, a dignidade da pessoa chamada à comunhão com Deus e à responsabilidade diante dele, a liberdade de consciência, a crítica contra desvios trágico como o racismo, o integralismo, o poder absoluto do Estado, a discriminação, a exploração dos pobres.

    Diz-se que nenhuma causa vai adiante sem os seus mártires, sem aqueles que acreditam nela a ponto de dar a vida pelo que crêem. A fé comporta sempre uma certa violência. Jesus ensina que se chega à vida plena através da morte. Ele chegou à glória através da paixão. Quem quiser a coroa, diz São Paulo, deve suportar a luta, e quem quiser a meta deve agarrar-se à corrida; e treinar com sacrifício.
    Hoje, este pensamento não nos é muito congenial. Há um dom do Espírito Santo que no-lo faz entender e assumir: a fortaleza. Todos precisamos dela. Ninguém, provavelmente, quererá matar-nos em vista da nossa crença religiosa. Existe, porém, toda uma concepção cristã da existência a ser sustentada e opções de vida que exigem lucidez e resistência. E há circunstâncias pessoais, doenças, situações de família e de trabalho, que exigem uma sólida ancoragem na esperança.
    Ser mártir é uma vocação. O Espírito, não o juiz ou o carnífice, faz os mártires, isto é, as grandes testemunhas. E como toda vocação, exprime uma dimensão da existência cristã que é comum a todos. Em Roma, a lembrança dos mártires é familiar. Tem-na viva muitas igrejas, mas sobretudo as catacumbas, que fazem referência às condições precárias da comunidade cristã nos tempos de perseguição, aos acontecimentos nos quais se viram envolvidos indivíduos cristãos por acusações que se referiam à sua religião.
    Pinturas, desenhos, incisões, sarcófagos e ambientes são uma verdadeira catequese, uma reflexão sobre a fé feita em “tempos” de martírio: tempos de minoria, significatividade provocadora, provações, adesões e amor.
    Em outros contextos é uma realidade atual, mas nem sempre se encontra a meditação intensa, rica e articulada que nos impressiona nesses lugares clássicos. Os pressupostos, as implicações, aquilo que está à base do martírio, é parte não prescindível da formação na fé. Ela é fonte de alegria e de luz, mas não é oferecida de modo “barato”. Isso é-nos recordado pela parábola do “tesouro escondido”, pelo qual o comprador deve vender tudo o que possuía.
    O martírio está relacionado com uma das notas sem as quais o Evangelho perde o seu colorido, o seu sabor, o seu fio, a radicalidade. É uma espécie de dinamismo interno pelo qual se almeja o máximo possível e é típico da fé. Não é integralismo, adesão cega à materialidade das proposições; não é maximização, pretensão e ostentação de coerência nas idéias e exigências. É “gosto” e conhecimento da verdade, adesão de amor à pessoa de Cristo.
    João Paulo II apoiava o seu discurso numa constatação: o nosso tempo escuta mais as testemunhas do que os “mestres”. Existe nos jovens uma fibra que acolhe o convite à radicalidade. Façamo-la vibrar!” (Juan Edmundo Vecchi, Dire Dio ai giovani, LDC, 1999, p. 84-87).

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  13. 3.17. As pérolas da Igreja pisadas pelos porcos. Martírio de Piônio

    Em Esmirna (Turquia), Piônio foi preso, com Sabina, Asclepíade, Macedônia e Lino, quando celebrava o aniversário de Policarpo. Estavam concluindo as orações e tinham acabado de tomar o pão consagrado, quando apresentou-se Polemone, guarda dos templos, com os esbirros encarregados de prender os cristãos e levá-los a sacrificar aos ídolos e comer as carnes imoladas.
    – Conheceis sem dúvida – acusou-os Polemone – o decreto do imperador que vos ordena sacrificar aos deuses.
    Piônio respondeu:
    – Nós conhecemos o mandamento de Deus que nos ordena adorar somente a ele. Homens de Esmirna, que, orgulhosos da vossa cidade, vos gloriais de serem incluídos entre os concidadãos de Homero, rides dos Apóstolos, escarneceis dos que espontaneamente vão sacrificar ou não recusam de o fazer porque obrigados, mas deveríeis seguir o conselho de vosso Homero que diz ser uma coisa ímpia burlar de quem está para morrer. É doce viver, mas nós estamos em busca de uma vida melhor. É bela a luz, mas nós desejamos a verdadeira luz! Sei que a terra é bela, mas ela é obra de Deus. Nós não renunciamos a ela por desgosto ou desprezo, mas porque preferimos bens melhores.
    Sabina sorria e, à pergunta de Polemone e de seu séquito, se estava contente, respondeu:
    – Sim, somos cristãos por graça de Deus; aqueles que acreditam em Cristo estão certos de ir para a felicidade eterna.
    E eles: – As mulheres que se recusam a sacrificar devem preparar-se para a casa de prostituição; isso não te desagrada?
    – O Deus de santidade velará por mim – respondeu Sabina.
    Aos que, depois de terem apostatado, foram vê-los na prisão, disse Piônio:
    – Tenho uma tristeza que me destroça o coração, ao ver pisadas pelos porcos as pérolas da Igreja, caídas por terra as estrelas do céu, destruída pelo javali a vinha plantada pela mão direita do Senhor; a Satanás foi permitido abanar-nos como o trigo na peneira, e o Verbo de Deus tem nas mãos um tridente de fogo para limpar a eira; em sua misericórdia, está pronto a acolher-vos novamente.
    Foi levada a lenha, e foram amontoados os feixes ao redor dos condenados; Piônio fechou os olhos, e a multidão pensou que tivesse morrido, mas ele rezava em silêncio; concluída a oração, reabriu os olhos, enquanto a chama subia. Com intensa alegria nos olhos, disse:
    – Amém, Senhor, recebe a minha alma.
    Um leve estertor, e depois expirou sem dor.

    3.18. Mártires a não mais acabarMartiri a non finire

    No mesmo ano 250, na Ásia Menor, foi martirizado Acácio, bispo de Antioquia da Psídia, que teria sido enganado pelo legado do imperador Décio:
    – Vives sob a lei romana; amas, então, os nossos príncipes.
    – Ninguém ama o imperador mais do que nós – respondeu Acácio – que dirigimos a Deus constantes orações pela sua longa vida de governo justo dos povos na paz; oramos também pela salvação dos saldados e pela prosperidade do império e do mundo, mas o imperador não pode exigir que nós sacrifiquemos.
    Máximo, homem do povo, que exercia o pequeno comércio, preso e lavado diante do procônsul da Ásia, suportou as torturas em nome do Senhor, achando-as doces como bálsamo em relação às eternas:
    – Se fosse infiel aos mandamentos do meu Senhor – dizia – se não seguisse o Evangelho, perderia a minha vida… não sinto nem as chicotadas nem as unhas de ferro nem o fogo, pois está em mim a graça de Cristo.
    Em Nicomédia (ainda na Ásia Menor) entre 250 e 251 foram queimados vivos São Luciano, que, de antigo “perseguidor”, tornara-se “pregador”, e São Marciano, que já havia adorado deuses falsos e se tinha convertido ao culto do Deus verdadeiro.

    3.19. Fez sobre si o Sinal da Cruz e entregou a alma a Deus. Martírio de Conão

    Na Panfília (Ásia Menor) foi martirizado o velho Conão, “servo de Cristo, sem malícia, alma simples”.
    O governador: Diz-me, grande homem, de onde és? Quem são os teus pais, e qual o teu nome?
    Conão: Sou de Nazaré da Galiléia, mas não tenho parentela com o Cristo, que nós reconhecemos como Deus do universo e a quem servimos de pai para filho. O tirano: Se reconheces o Cristo, porque não reconhecer os nossos deuses?
    Conão: Que descaramento blasfemar assim contra o Deus do universo!
    O tirano, então, ordenou que o fizessem correr com os pés presos ao seu carro, enquanto era chicoteado por dois soldados; ele, porém, não opunha resistência, mas cantava as palavras do salmo:
    – Coloquei toda a minha esperança no senhor, que se curva para mim e escuta a minha oração.
    Perdidas as forças, caiu elevando os olhos ao Mestre, enquanto rezava:
    – Senhor Jesus Cristo, recebe a minha alma…
    Depois, fazendo sobre si o Sinal da Cruz, entregou a alma a Deus.

    3.20. Martírio dos ascetas Xiamuna e Gurias

    Diocleciano não perturbou a paz da Igreja nos primeiros 19 anos de governo; por instigação de Galério, enfim, decretou que o exército fosse depurado dos cristãos (ano 297), fossem destruídas e queimadas as igrejas e as Escrituras, fossem destituídos dos cargos públicos os nobres cristãos e privados da liberdade os cristãos plebeus (ano 303).
    Houve mártires, porém, desde o ano 289. Os dois ascetas Xiamuna e Gurias tiveram que responder em Edessa (Ásia Menor):
    – Obedeceremos ao Rei dos reis que está nos céus e ao seu Cristo, e não faremos a vontade dos pecadores; não morreremos mas viveremos se fizermos a vontade daquele que nos criou; se obedecêssemos aos teus príncipes seríamos precipitados na morte… Poucos dias depois, em Antioquia, o governador Misiano de Urai transmitiu ordens precisas:
    – Ordenam os nossos príncipes que deveis sacrificar aos deuses, queimar incenso, derramar vinho diante de Zeus; não vos oponhais à vontade deles porque não tereis força para resistir às torturas que vos esperam.
    Como eles estavam irredutíveis, ordenou a Leôncio que os dependurassem pelos braços e os puxassem cruelmente, deixando-os ali das nove às duas da tarde. Era surpreendente a resistência deles. Uma vez que os próprios carnífices ficaram cansados, o governador ordenou-lhes que parassem e os levassem à prisão chamada “buraco escuro”, onde ficaram de agosto a meados de novembro. O governador, então, mandou-os comparecer à sua presença, mas eles insistiam: – Já confessamos a nossa fé, estamos inabaláveis e, quanto a ti, faz o que te foi ordenado; tens poder sobre nossos corpos, não, porém, sobre nossas almas.
    Visto que o governador estava disposto a condená-los à morte, foram invadidos pelaalegria e disseram:
    – Seja louvado Aquele que nos julgou dignos de suportar todo tormento pelo nome de Jesus Cristo. Chegando a uma colina, o carnífice mandou-os descer do carro; estavam cheios de alegria ao verem finalmente chegado o dia da coroa. Pediram um pouco de tempo para rezar, e o carnífice permitiu-o dizendo:
    – Rezai também por mim, pelo mal que faço diante de Deus.
    Ambos rezaram enquanto o carrasco e os soldados imploravam a misericórdia do Senhor.

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  14. 3.14.”Tenho prontas as feras…” – Martírio de São Policarpo

    O martírio de São Policarpo é uma das mais antigas “paixões epistolares”. Discípulo do apóstolo João, Policarpo foi feito bispo de Esmirna, uma das mais importantes comunidades cristãs.

    Em Esmirna (Turquia), no ano 155, a intolerância manifestou-se com o martírio do bispo Policarpo, provocado pela multidão enfurecida. O magistrado Herodes procedeu à prisão do bispo que, entretanto tinha deixado a cidade. Mandou-o levar ao estádio onde procurou convence-lo a renegar a fé:
    – Pensa na tua idade e jura pelo gênio de César, convence-te uma vez por todas a gritar a morte dos ateus.
    – Sim, morram os ateus!
    – Jura e coloco-te em liberdade; amaldiçoa o Cristo.
    – Fazem 86 anos que o sirvo, e ele nada fez de errado para comigo; como posso blasfemar contra o meu Rei e Salvador?
    – Tenho prontas as feras; se não mudas de idéia lanço-te a elas.
    – Chama-as! Nós cristãos não admitimos que se mude, passando do bem ao mal, mas acreditamos que é preciso converter-nos do pecado à justiça.
    – Se não te importam as feras e se continuas a ter a mesma idéia fixa farei com que sejas consumido pelo fogo.
    – Ameaças-me com um fogo que queima por pouco e depois se apaga; vê-se que não conheces aquele do juízo futuro, da pena eterna reservada aos ímpios. Porque queres ser condescendente? Faz o que quiseres.
    Dizia isso com coragem e serenidade, irradiando tal graça do seu rosto, que nem parecia que fosse ele o processado, mas sim o Procônsul. Quando a fogueira foi preparada, amarraram-no com as mãos às costas, como um carneiro de um grande rebanho escolhido para o sacrifício, holocausto aceito por Deus. Elevando os olhos, ele rezou:
    – Eu te bendigo, Senhor Deus onipotente, porque me fizeste digno deste dia e desta hora, de ser enumerado entre os mártires, de compartilhar o cálice do teu Cristo, para ressuscitar à vida eterna da alma e do corpo na incorruptibilidade do Espírito Santo.
    Concluída a oração, a fogueira foi acesa; as chamas, porém, dobrando-se em forma de abóbada, como se fosse uma vela inchada pelo vento, circundou o corpo do mártir como um muro. Estava no meio não como corpo que queima, mas como pão que se doura assando ou como ouro e prata que são refinados no cadinho; sentiu-se um perfume como de incenso ou outro aroma precioso. Afinal, um carnífice matou-o com a espada.

    3.15. “Porque sorris?” – Martírio de Carpo, Papilo e Agatonice

    Foram martirizados naquele tempo, na cidade de Pérgamo (Ásia Menor), o bispo Carpo, o diácono Papilo e a fiel Agatonice, mãe de família cheia do temor de Deus. Ao processo, Carpo declarou:

    “Sou cristão, não posso aderir às vossas práticas”
    Disse o procônsul: “Sacrifica aos deuses, ou o que dizes?”
    Carpo respondeu: “É impossível que eu sacrifique; realmente, jamais sacrifiquei aos ídolos”.
    O procônsul, imediatamente, mandou suspende-lo num poste e esfolá-lo; o mártir gritou: “Sou cristão!”. Esfolado por muito tempo, ficou sem forças e não pode mais falar.
    O procônsul, então, passou ao outro. Diante do convite a sacrificar, Papilo disse com orgulho: “Sempre servi a Deus, desde a juventude; jamais sacrifiquei aos ídolos porque sou cristão; nada existe para mim de maior e mais belo do que me oferecer como vítima ao Deus vivo e verdadeiro”.
    Os tormentos ocupavam os carnífices por turno, mas ele não emitiu qualquer lamento: “Não sinto as torturas – disse -, não existem para mim porque há alguém que sofre em mim; tu não o podes ver”.
    Enfim, tanto o bispo como o diácono foram condenados a queimar vivos. Os servos do mal despiram Papilo de suas roupas e crucificaram-no, depois elevaram o poste; a chama começou a subir, e o mártir rezando serenamente entregou a alma a Deus. Passaram depois a Carpio, e os presentes, vendo-o sorrir, perguntaram-lhe:
    – Porque sorris?
    – Vi a glória do Senhor e enchi-me de alegria. Bendito sejas tu, Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, porque fizeste de mim, pecador, digno da tua morte.
    Havia entre os espectadores um mulher chamada Agatonice, que vendo Carpo em contemplação da glória do Senhor, compreendeu que era um chamado do céu e disse em voz alta:
    – Este banquete está preparado também para mim; eu também devo participar dele; quero degustar esse alimento de glória.
    Gritaram-lhe de todos os lados para que tivesse piedade do filho, mas a santa respondeu:
    – Ele tem Deus que tomará conta dele.
    Tirando o manto, chamou a atenção dos que a olhavam pela sua beleza e, alegre, estendeu-se sobre a fogueira. Os presentes não podiam segurar as lágrimas e diziam: “Terrível juízo e injustos decretos!”.
    Agatonice, lambida pelas chamas, gritou três vezes:
    – “Senhor, Senhor, Senhor, vem em meu auxílio; em ti eu me refugiei!”.
    Em seguida, entregou a alma a Deus e consumou o martírio entre os santos. Os cristãos recolheram às escondidas os seus restos e conservaram-nos para a glória de Cristo e louvor dos mártires.
    Foi também martirizado na Ásia naquele tempo, o bispo de Laodicéia, Sagaris. (Eusébio,História Eclesiástica, l. IV, 26,3.5).

    3.16. “Gosto de viver” – Martírio de Apolônio, “santo e nobilíssimo apóstolo de Cristo”

    Apolônio, senador romano, era conhecido entre os cristãos da Urbe pela elevada condição social e profunda cultura. Denunciado provavelmente por um escravo, o juiz convidou Apolônio a justificar-se diante do senado. Ele “apresentou – escreve Eusébio de Cesaréia – uma eloqüentíssima defesa da própria fé, mas foi igualmente condenado à morte.
    O procônsul Perênio, em respeito à nobreza e fama de Apolônio, estava sinceramente desejoso de salvá-lo, mas foi obrigado a emitir a sentença de condenação devido ao decreto do imperador Cômodo (por volta do ano 185).
    Apresentamos algumas passagens do processo, no qual o mártir afirma o seu amor pela vida, recorda as normas dos Cristãos, recebidas do Senhor Jesus, e proclama a esperança de uma vida futura.

    Apolônio: Os decretos dos homens não podem suprimir o decreto de Deus; quantos mais crentes matareis, mais será multiplicado o seu número por obra de Deus. Não achamos difícil morrer pelo verdadeiro Deus, porque, por meio dele, somos o que somos; para não morrer de morte ruim, suportamos tudo com constância; vivos ou mortos, somos do Senhor.
    Perênio: Com estas idéias, Apolônio, provas que gostas de morrer!
    Apolônio: Eu gosto de viver, ma é só por amor à vida que não temo realmente a morte; não existe, sem dúvidas, nada mais precioso do que a vida, mas da vida eterna que é imortalidade da alma para quem viveu bem nesta vida terrena. A palavra de Deus, o nosso Salvador Jesus Cristo, “ensinou-nos a deter a ira, a moderar o desejo, a mortificar a concupiscência, a superar as dores, a ser abertos e sociáveis, a aumentar a amizade, a destruir a vanglória, a não buscar a vingança contra os que nos fazem o mal, a desprezar a morte pela lei de Deus, a não trocar ofensa com ofensa, mas a suportá-la, a crer na lei que ele nos deu, a honrar o soberano, a venerar somente o Deus imortal, a crer na alma imortal, no juízo que virá depois da morte, a esperar no prêmio dos sacrifícios pela virtude, que o Senhor concederá após a ressurreição daqueles que viveram santamente.
    Quando o juiz pronunciou a sentença de morte, Apolônio disse: “Dou graças ao meu Deus, procônsul Perênio, junto com todos os que reconhecem como Deus o seu onipotente e unigênito Filho Jesus Cristo e o Espírito Santo, também por esta tua sentença que é, para mim, fonte de salvação”.
    Apolônio morreu decapitado em Roma no dia 21 de abril de 183. Eusébio comenta assim a morte de Apolônio: “O mártir, muito amado por Deus, um santíssimo lutador de Cristo, foi ao encontro do martírio com alma pura e coração fervoroso. Seguindo o seu fúlgido exemplo, vivificamos a nossa alma com a fé”. Sabemos ainda do mesmo Eusébio que o acusador de Apolônio – como mais tarde o do futuro Papa Calisto – foi condenado a ter as pernas despedaçadas. De fato, segundo uma disposição imperial, trazida por Tertuliano (Ad Scap. IV, 3), atribuída a Marco Aurélio, os acusadores dos cristãos deviam ser condenados à morte. Os Atos do martírio de Apolônio, descobertos no século passado, existem também em versão armênia e grega, e em várias traduções modernas.

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  15. 3.12. Os Quarenta Mártires de Sebástia (Armênia menor)

    Temos, sobre estes mártires, alguns discursos dos capadócios Basílio e Gregório de Nissa e outros do sírio Efrém, todos de particular autoridade pela proximidade entre as regiões dos informantes e aquela onde aconteceu o martírio. A “Paixão” tem uma autoridade muito pequena, mas o “testamento” coletivo que redigiram, pouco antes de morrer, deve ser considerado autêntico. O martírio deu-se em 320, durante a perseguição de Licínio.

    “Estavam alistados numa legião de guarda de fronteira: parece certo que fosse a XII legião, a Fulminada, que participara da conquista de Jerusalém no ano 70, e, em seguida, fora deslocada para o Oriente, com sede em Melitene, na Armênia Menor.
    Existia uma espécie de tradição cristã no interior dessa Legião, porque ela tinha contado com cristãos em suas fileiras já no século III, e talvez antes; outras ligações com cristãos, através de amizades e parentela, deviam ter surgido durante a permanência na Armênia, onde eram muitos os cristãos. O martírio aconteceu ao norte de Melitene, na cidade chamada Sebástia (mais exato do que Sebaste), onde talvez a legião mantivesse um grande destacamento. Os quarenta eram muito jovens, mais ou menos pelos vinte anos; em seu “testamento”, no qual enviam uma última saudação aos seus caros, só um saúda a mulher com o filhinho e apenas um, a noiva, enquanto os demais saúdam os pais vivos: deveriam estar ainda, em geral, na primeira juventude.
    Quando chegou ao acampamento a ordem de Licínio para que os soldados participassem dos sacrifícios idólatras, eles recusaram-se decididamente; foram presos uns aos outros por uma só corrente, muito longa, e, em seguida, fechados na prisão.
    A prisão prolongou-se por muito tempo, provavelmente porque se esperavam ordens de comandantes superiores ou ainda – dada a gravidade do caso – do próprio Licínio. Os prisioneiros, à espera, prevendo o próprio fim, escreveram o seu “testamento” coletivo pela mão de um deles, um certo Melézio.
    Os destinados à morte exortam, no documento insigne, profundamente cristão, parentes e amigos a se despreocuparem dos bens caducos da terra para preferirem os bens ultra terrenos; cumprimentam em seguida as pessoas que lhes eram mais caras; enfim, prevendo que surgiram disputas entre os cristãos pela posse de seus corpos – como já acontecera no passado com as relíquias dos mártires – eles dispõem que seus restos sejam sepultados todos juntos na vila de Sarein, perto da cidade de Zela. O documento traz, como de costume, os nomes de todos os quarenta testadores, e de aqui os nomes foram recopiados em outros documentos, com pequenas divergências de grafia.
    Chegada a sentença de condenação, os quarenta foram destinados à morte por assideração: deviam ser expostos nus durante a noite, no auge do inverno, sobre um reservatório gelado de água, e aí esperar o próprio fim. O lugar escolhido para a execução parece ter sido um amplo pátio diante das termas de Sebástia, onde os condenados seriam subtraídos à curiosidade e simpatia do público e, ao mesmo tempo, vigiados pelos funcionários das termas.
    Existia no pátio, um amplo reservatório d’água, uma espécie de charco, que estava em comunicação com as termas. Basílio disse que o lugar estava no centro da cidade, e que a cidade era próxima ao reservatório: talvez a reserva d’água a serviço das termas, não fosse senão uma derivação de um verdadeiro lago externo.
    Mais tarde, foi construída uma igreja no lugar do martírio, e parece que justamente nessa igreja Gregório de Nissa tenha recitado os seus discursos em honra dos mártires.
    Na camada gelada, numa temperatura baixíssima, os tormentos dos corpos nus deviam ser assustadores. Para aumentar os espasmos, fora deixada aberta a bela porta de ingresso às termas, por onde saiam, com a luz, os jatos de vapor do calidarium: tratava-se de uma poderosa visão para os que estavam sofrendo, porque bastariam poucos passos para sair dos tormentos e retomar aquela vida que saia aos poucos de seus corpos, minuto a minuto. Havia, porém, no meio, uma barreira insuperável: o Cristo invisível, que eles teriam que renegar.
    As horas passavam terrivelmente monótonas: nenhum dos condenados afastava-se da extensão gelada; o vigia das termas assistia à cena como que sonhando acordado. Num dado momento, um dos condenados, extremado pelos espasmos arrastou-se na direção da porta iluminada: aí, porém, por um normal fato fisiológico, morreu envolvido pelos vapores quentes. Àquela visão, o vigia, num ímpeto de entusiasmo, decidiu substituir o pusilânime, reintegrando o número dos quarenta: livrando-se das roupas, proclamou-se cristão e estendeu-se sobre o gelo entre os outros condenados.
    A manhã do dia seguinte iluminou uma extensão de cadáveres. Um só continuava vivo: era o mais jovem, um adolescente a quem algum documento dá o nome de Melitão. A tenacidade por viver assombrou sua mãe, cristã de fé admirável que esteve presente quando os cadáveres foram carregados sobre o carro para serem levados à cremação: ao ver seu filho deixado de lado porque ainda estava vivo, ela tomou-o entre os braços e levou-o por si mesma ao carro, para que a sua criatura não fosse defraudada do coro comum. Aqueles braços que alguns anos antes o tinham carregado como criança lactante, carregavam-no como agora atleta triunfante. Naquele amplexo materno, o adolescente expirou.

    O vigia convertido é chamado Agláios em alguns documentos. Comparações feitas, confrontando os vários testemunhos levaram a suspeitar que o pusilânime que abandonou o combate e morreu às portas das termas, fosse justamente Melézio, o escritor do “testamento”; mas isso é apenas conjectura.
    A narração deixa lugar a dúvidas quanto a alguns particulares, mas em seu conjunto pode ser aceita com segurança.
    A veneração dos Quarenta Mártires foi muito popular no oriente. Também no ocidente, no final do mesmo século, fala deles Gaudêncio de Bréscia, que era particularmente informado das coisas do oriente. Além disso, em Roma, cenas do martírios deles ainda são conservadas num afresco do século VII-VIII; o afresco está num oratório anexo à igreja de Santa Maria Antiga no Fórum Romano (de Giuseppe Ricciotti, L’Era dei Martiri, Coletti editore, Roma, 1953, pp. 268-70).

    3.13. Crucificado também um ancião de 120 anos: martírio de São Simeão

    O martírio de São Simeão, bispo de Jerusalém na Palestina, não se deve à aplicação das disposições do imperador Trajano (“rescrito” de Trajano a Plínio), mas à perseguição judaica. O historiador Hegesipo, testemunha bem informada das coisas da Palestina, informa-nos que, por volta de 117 d.C., o santo bispo foi acusado de pertencer à estirpe de Davi e ser cristão, para mal estar de judeus heréticos. Estes aproveitaram um momento crítico do império em luta contra os Partos, desfrutando o estado de espírito do imperador contrariado pelas veleidades das insurreições judaicas.
    Segundo o testemunho de Eusébio, a perseguição causada sobretudo por tumultos populares atingiu Simeão, filho de Cléofas à idade de 120 anos. O parente do Senhor, como escreve Eusébio – “foi atormentado durante muitos dias com duríssimos tormentos, mas confessou sempre com firmeza a fé em Cristo; fê-lo com tal força que o próprio procônsul Ático e todos os presentes ficaram admirados ao ver como um velho de 120 anos pudesse resistir a tantos tormentos: por sentença do juiz, foi finalmente crucificado” (Eusébio, História eclesiástica, III, 3 2,1-6).

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  16. 3.9. Os mártires de Alexandria durante a perseguição de Décio (249-251)

    De uma carta de São Dionísio a Fábio, bispo de Antioquia, trazida por Eusébio de Cesaréia na História Eclesiástica, l. VI, c. 40,1-42,6.

    “A perseguição, entre nós, não teve início com o edito imperial, mas foi retardada de um ano, até quando chegou a esta cidade um adivinhador e tecelão de erros, quem quer que fosse, provocando e excitando contra nós a multidão dos gentios, atiçando outra vez a sua superstição congenial.
    Excitados por ele e levados a tirar da licenciosidade desenfreada todo gênero de impiedade, consideravam assassinar-nos como o único ato de devoção e culto que lhes era devido.
    A primeira vítima foi um velho chamado Metras, que capturaram e tentaram obrigar a blasfemar; como ele não se rendesse a suas imposições, bateram nele e atravessaram seu rosto e olhos com bambus aguçados, levando-o depois à periferia da cidade onde delapidaram-no.
    Uma mulher chamada Quinta foi levada até diante do altar dos ídolos, onde os pagãos tentaram obrigá-la a um ato de adoração: tão logo ela retesou o corpo com profunda sensação de desgosto, foi amarrada e arrastada pelos pés através da cidade, fazendo com que batesse contra as grandes pedras do duro calçamento. Levando-a ao mesmo lugar suburbano, delapidaram-na.
    Depois disso os pagãos lançaram-se juntos sobre as casas dos cristãos e, irrompendo nas residências que cada um sabia pertencer aos próprios vizinhos, cumpriram toda sorte de roubos e saques. Separavam cuidadosamente os objetos mais preciosos, e jogavam das janelas e queimavam pelas ruas os mais rudes e os que eram feitos de madeira.
    O espetáculo apresentado parecia o de uma cidade tomada pelos inimigos. Os irmãos procuravam fugir e esconder-se, e acolheram com alegria também o saque de seus bens, semelhantes àqueles dos quais deram testemunho o apóstolo Paulo (Hb 10,34).
    Não sei se houve naquela circunstância, alguém que renegasse a Cristo, a menos que se tratasse de uma pessoa caída nas garras dos adversários.
    Outra nobilíssima vítima foi a anciã Apolônia: os pagãos prenderam-na, fizeram arrancar todos os seus dentes, com murros dados nas faces e, depois, acesa uma fogueira diante da cidade, ameaçaram queimá-la viva caso não pronunciasse com eles as palavras ímpias, que eram a mensagem da blasfêmia pagã.
    A mulher, porém, depois de ter pedido vivamente que lhe deixassem à disposição um breve tempo, tão logo viu-se livre saltou sobre o fogo e foi queimada. Serapião foi preso em casa: submeteram-no a duros tormentos, quebraram-lhe os ossos e finalmente lançaram-no de cabeça do andar superior.
    Não se podia percorrer nenhuma rua, larga ou estreita, de noite ou de dia, sem ouvir sempre e em todos os lugares as gritarias da multidão e, se alguém não entoava em coro com eles as palavras ímpias, era arrastado e queimado vivo.
    A perseguição continuou por muito tempo nesse tom de violência, até quando a sedição e a guerra civil, que sucederam às desventuras anteriores, não levaram os pagãos a voltar-se reciprocamente a crueldade que antes tinham dirigido sobre nós.
    Vivemos tranqüilos por algum tempo, durante a trégua que os pagãos tinham feito ao ódio contra nós, mas bem logo foi-nos anunciada a notícia da mudança do poder imperial, antes muito benévolo, e reacendeu-se com a máxima intensidade o terror de uma nova ameaça contra a nossa comunidade.
    Foi promulgado o edito, talvez o mais terrível de todos os que nosso Senhor tinha predito, a ponto de escandalizar, se for possível, também os eleitos. É certo que todos ficaram arrasados. Entre as pessoas mais conhecidas na cidade alguns, por medo, aderiram às ordens do edito, outros, que cobriam encargos públicos, foram levados a obedecer ao edito da sua própria posição, outros ainda foram arrancados à vida familiar.
    Chamados pelos nomes, alguns apresentavam-se pálidos e trementes diante dos sacrifícios ímpios e sacrílegos, como se não fossem sacrificar, mas fossem eles próprios as vítimas destinadas aos ídolos; entretanto a multidão girava ao redor dos altares pagãos fazendo burla sobre eles, porque mostravam claramente estar com medo, tanto da morte como do sacrifício.
    Outros, porém, corriam intrépidos aos altares, declarando com desfaçatez que não eram cristãos e nem sequer o tinham sido no passado. Será verdade para eles a predição do senhor, que dificilmente se salvarão.
    Dos restantes, houve quem agregou-se ao primeiro grupo, quem ao segundo, enquanto outros fugiram. Entre os que foram presos, uma parte resistiu ao cárcere e às correntes em que foram mantidos por muitos dias, mas depois abjuraram, antes de se apresentarem ao tribunal; outra parte suportou os tormentos também por um certo tempo, mas acabaram abjurando também eles.
    Outros cristãos, entretanto, colunas sólidas e prósperas do Senhor, corroborados pela sua graça, tiraram a constância e a energia da fé que os inspirava tornando-se, assim, testemunhas admiráveis do seu reino”.

    3.10. São Marino, centurião sob Galieno

    Pode parecer estranho falar de um mártir sob o imperador Galieno (260-268), que não perseguiu os cristãos, e, pelo contrário, facilitou-lhes a vida, revogando os editos e restituindo os bens confiscados, como diz Eusébio num outro ponto do mesmo livro VII da História Eclesiástica.
    Marino, de fato, não foi vítima de uma perseguição organizada, mas da rivalidade de um competidor na carreira militar.
    Nobre, rico, tendo chegado a um alto grau da jerarquia, Marino talvez tenha tido um momento de hesitação diante da intimação do juiz, tanto que usou o tempo que lhe fora concedido para refletir, diversamente de muitos outros que, em situações semelhantes, tinham tomado logo a resolução de enfrentar o martírio, mas, oportunamente acompanhado pelas palavras do seu bispo, não teve mais incertezas.
    O fato é muito importante, porque permite compreender que, mesmo quando não havia uma perseguição oficial, ficavam sempre latentes as razões de dissídio entre a estrutura político-moral-religiosa do império romano e os princípios do cristianismo.

    “Durante o tempo em que a paz reinava em todos os lugares nas igrejas cristãs, foi decapitado na Cesaréia da Palestina por ter confessado sua fé, Marino, que pertencia aos altos graus da jerarquia militar e era ilustre pela nobreza e riqueza.
    A causa da condenação foi a seguinte: existe entre os romanos um distintivo formado por um ramo de videira, e o merecedor dele torna-se centurião.
    Como havia um lugar vago, a promoção cabia de direito a Marino, mas, quando já estava para conseguir tal honra, apresentou-se um outro ao tribunal, dizendo que, segundo as antigas leis, não lhe era lícito receber qualquer honorificência dos romanos, porque era cristão e não sacrificava aos deuses; o indivíduo sustentou, então que o lugar cabia a ele e não a Marino.
    Impressionado pelo fato, o juiz, que se chamava Arqueo, perguntou primeiramente a Marino qual a religião que seguia e, quando ouviu-o confessar-se firmemente cristão, concedeu-lhe três horas de tempo para refletir.
    Quando Marino saiu do tribunal, Teotécno, bispo de Cesaréia, chamou-o para uma conversa, tomou-o pelas mãos e levou-o à igreja.
    Tão logo chegaram ao lugar sagrado, o bispo acompanhou Marino até diante do altar, levantou um pouco o seu manto e, indicando-lhe a espada que aí estava presa, colocou ao lado dela o livro do Evangelho, impondo-lhe a escolha entre as duas coisas segundo a sua consciência.
    Sem sombra de incerteza, Marino estendeu a mão direita e segurou a divina Escritura. “Permanece sempre junto do Senhor – disse-lhe Teotécno – e obterás o que escolheste. Fortificado pela sua graça, vai em paz”.
    Enquanto Marino saía da igreja, o pregoeiro chamava-o em voz alta diante do tribunal, porque havia terminado o tempo concedido para a decisão.
    Diante do juiz, Marino mostrou grande fervor em confessar a própria fé e, levado ao suplício do modo que estava, consumou o martírio.
    Recordam-se também na mesma circunstância a franqueza e o fervor religioso de Astírio, que pertencia à ordem senatorial, estava em relações de amizade cordial com os soberanos e era conhecido de todos pela nobreza e pelos bens.
    Estando presente ao martírio de Marino, tão logo este foi consumado, levantou o cadáver, carregou-o nos ombros, sobre a veste cândida e preciosa, e levou-o para que tivesse uma sepultura honrosa, digna da sua condição”. (Eusébio, História Eclesiástica, l. VII, c. 15 e ss.)

    3.11. Martírio de Santo Êuplio Diácono, sob Diocleciano, no ano 304

    O martírio de Êuplio, diácono de Catânia, aconteceu em 304, como pode ser deduzido da indicação do consulado de Diocleciano e Maximiano, e do fato que o cristão é convidado a sacrificar aos deuses, conforme a ordem do IV edito imperial, emanado naquele ano.
    Certamente ainda estava em vigor o edito contra a conservação dos livros sagrados, porque o ponto principal da acusação contra Êuplio refere-se ao evangelho, que o diácono tinha conservado e mostrava com orgulho.
    Os Atos que nos chegaram, num breve texto latino, une a ata da prisão e da primeira confissão de Êuplio à do interrogatório pelo qual passou em meio às torturas.
    Uma frase do capítulo I: “…estando fora da tenda do escritório do governador, o diácono Êuplio gritou: “Sou cristão e desejo morrer pelo nome de Cristo””, leva a crer que ele não tivesse sido preso, mas que se tivesse denunciado espontaneamente, talvez durante o interrogatório de outros fiéis; a hipótese é confirmada também pelas palavras do juiz que o entrega aos esbirros: “Como é evidente a tua confissão…” (c. I) e parece levado a proceder pela atitude do cristão, mais do que por uma vontade pessoal inquiridora.

    “Durante o nono consulado de Diocleciano e o oitavo de Maximiano, na vigília dos idos de agosto, na cidade de Catânia, estando fora da tenda do escritório do governador, o diácono Êuplio gritou: “Sou cristão e desejo morrer pelo nome de Cristo”.
    Ouvindo isso, o procurador Calvisiano disse: “Que entre a pessoa que gritou”.
    Tão logo Êuplio entrou no escritório do juiz, tendo os evangelhos nas mãos, um dos amigos de Calvisiano, que se chamava Máximo, disse: “Não é lícito ter estes livros, contra a ordem imperial”.
    Calvisiano perguntou a Êuplio: “De onde vêm estes livros? Saíram da tua casa?”.
    Êuplio respondeu: “Não tenho casa. Sabe-o também o meu Senhor, Jesus Cristo”.
    O procurador Calvisiano retomou: “Foste tu quem os trouxestes aqui?”.
    Êuplio respondeu: “Eu os trouxe, como tu mesmo vês. Fui encontrado com eles”.
    Calvisiano ordenou: “Lê-os”.
    Abrindo o evangelho, Êuplio leu: “Bem-aventurados os que sofrem perseguições por causa da justiça, pois deles é o reino dos céus”, e, numa outra passagem: “Quem quiser vir após mim, tome a sua cruz e siga-me”.
    Enquanto lia esses e outros passos, Calvisiano perguntou: “O que é isso tudo?”.
    Êuplio respondeu: “É a lei do meu Senhor, que me foi confiada”.
    Calvisiano insistiu: “Por quem?”.
    Êuplio respondeu: “Por Jesus Cristo, Filho do Deus vivo”.
    Calvisiano interveio novamente dizendo: “Como é evidente a tua confissão, sejas entregue ao ministro da tortura e interrogado em meio a suplícios”.
    Quando foi-lhes entregue, começou o segundo interrogatório, em meio às torturas.
    Durante o nono consulado de Diocleciano e o oitavo de Maximiano, na vigília dos idos de agosto, o procurador Calvisiano disse a Êuplio, em meio aos tormentos: “O que repetes agora daquilo que declaraste na tua confissão?”.
    Traçando o sinal da cruz sobre si com a mão livre, o mártir respondeu: “Aquilo que disse antes, confirmo-o agora: sou cristão e leio as divinas Escrituras”.
    Calvisiano rebateu: “Por que não entregaste estes livros, cuja leitura os imperadores vetaram, mas os mantiveste contigo?”.
    Êuplio disse: “Porque sou cristão e não me era lícito entregá-los. É melhor, para um cristão, morrer do que entregá-los; neles está a vida eterna. Quem os entrega perde a vida eterna e, para não perde-la, eu ofereço a minha”.
    Calvisiano interveio dizendo: “Seja torturado Êuplio que, infringindo o edito dos príncipes, não entregou as Escrituras, mas leu-as ao povo”. Êuplio disse, em meio aos tormentos: “Agradeço-te, ó Cristo. Protege-me porque sofro tudo isso por ti!”.
    Calvisiano exortou-o com estas palavras: “Desiste dessa loucura, Êuplio. Adora os deuses e serás libertado”.
    Êuplio respondeu: “Adoro a Cristo, detesto os demônios. Faz de mim o que quiseres, sou cristão. Desejei isto por muito tempo. Faz o que quiseres. Aumenta os meus tormentos. Sou cristão”.
    A tortura já durava muito tempo quando Calvisiano ordenou aos carnífices que parassem e disse ao mártir: “Adora os deuses, infeliz! Venera Marte, Apolo e Esculápio!”.
    Êuplio respondeu: “Adoro o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Adoro a Santíssima Trindade, fora da qual não existe outro Deus. Pereçam os deuses que não criaram o céu, a terra e tudo o que neles existe. Eu sou cristão”.
    O prefeito Calvisiano insistiu: “Sacrifica, se queres ser libertado!”.
    Êuplio respondeu: “Justamente agora sacrifico-me a Cristo Deus. Não existe nenhum outro sacrifício que eu deva fazer. Tentas em vão fazer-me renegar a fé. Eu sou cristão”.
    Calvisiano ordenou que fosse torturado mais violentamente ainda; durante os tormentos, Êuplio disse: “Rendo-te graças, ó Cristo, socorre-me; Cristo, sofro isto por ti, Cristo!”.
    Repetiu muitas vezes estas invocações e, quando faltaram-lhe as forças, já sem voz, dizia apenas com os lábios estas e outras orações.
    Entrando no interior do seu escritório, Calvisiano ditou a sentença e, saindo, leu a ata que levara consigo: “Ordeno que Êuplio, cristão, que despreza os editos dos príncipes, blasfema contra os deuses e não se arrepende disso tudo, seja passado a fio de espada. Levai-o ao suplício”.
    O evangelho com que fora encontrado no momento da prisão foi pendurado ao pescoço do mártir, e o pregoeiro ia dizendo: “Êuplio, cristão, inimigo dos deuses e dos soberanos”.
    Alegre, Êuplio respondia sempre: “Graças a Cristo Deus!”.
    Chegando ao lugar da execução, ajoelhou-se e orou longamente. Dando ainda graças ao Senhor, apresentou o pescoço e foi decapitado pelo carnífice.
    O seu corpo foi depois recolhido pelos cristãos e embalsamado com perfumes, e sepultado”.

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  17. 3.7. Martírio de São Máximo, sob o império de Décio (249-251)

    Máximo era um cristão da Ásia Menor, que nos é conhecido pelo documento do seu martírio. Ele denunciara-se voluntariamente como cristão, com uma atitude que a Igreja não aprovava totalmente, mas foi corajoso e superou a prova.

    “O imperador Décio, querendo expulsar e abater a lei dos cristãos, emanou alguns editos para o orbe todo, nos quais intimava que todos os cristãos abandonassem o Deus vivo e verdadeiro e sacrificassem aos demônios; quem não quisesse obedecer, devia submeter-se aos suplícios.
    Naquele tempo, Máximo, homem santo e fiel ao Senhor, declarou-se espontaneamente cristão: ele era um plebeu e exercia o comércio. Preso, foi levado diante do procônsul Ótimo, na Ásia.

    O procônsul perguntou-lhe: “Como te chamas?”.
    Ele respondeu: “Chamo-me Máximo”.
    Perguntou o procônsul: “Qual é a tua condição?”
    Máximo respondeu: “Nascido livre, mas servo de Cristo”.
    Perguntou ainda o procônsul: “Quais as atividades que exerces?”
    Respondeu Máximo: “Sou plebeu e vivo do meu comércio”.
    Disse o procônsul: “És cristão?”
    Respondeu Máximo: ” Embora pecador, sou cristão”.
    Disse o procônsul: “Não conheces os decretos dos invencíveis soberanos que foram promulgados recentemente?”
    Respondeu Máximo: “Quais decretos?”
    Explicou o procônsul: “Os que ordenam que todos os cristãos, abandonando sua vã superstição, reconheçam o verdadeiro soberano ao qual tudo é submetido, e adorem os seus deuses”.
    Respondeu Máximo: “Cheguei ao conhecimento do iníquo edito emanado pelo soberano deste mundo e, justamente por isso, declarei-me publicamente cristão”. O procônsul intimou: “Sacrifica, então, aos deuses!”
    Máximo replicou: “Eu não sacrifico a não ser ao único Deus, e glorio-me de ter sacrificado a ele desde a infância”.
    O procônsul insistiu: “Sacrifica, para que sejas salvo. Se te recusares, eu te farei morrer em meio a torturas de todos os gêneros”.
    Máximo respondeu: “É justamente o que sempre desejei: é por isso, de fato, que me declarei cristão, para obter finalmente a vida eterna, logo que for libertado desta mísera existência temporal”.
    O procônsul, então, fê-lo bater com varas e, enquanto era vergastado, dizia-lhe: “Sacrifica, Máximo, para libertar-te destes tormentos horrorosos”.
    Máximo respondeu: “Não são tormentos, mas unções que me são infligidas por amor de nosso senhor Jesus Cristo. Se afastar-me dos preceitos do meu Senhor, nos quais fui instruído por meio do seu evangelho, então sim, estarão esperando-me os verdadeiros e perpétuos tormentos da eternidade”.
    O procônsul fê-lo colocar, então, no cavalete e, enquanto era torturado, dizia-lhe insistentemente: “Arrepende-te da tua loucura, miserável, e sacrifica, para salvar a tua vida!”
    Máximo respondeu: “Só se não sacrificar, salvarei a minha vida; mas se sacrificar, seguramente a perderei. Nem as varas, nem os ganchos, nem o fogo me produzirão dor, porque vive em mim a graça de Deus, que me salvará eternamente com as orações de todos os santos que, lutando neste gênero de combate, superaram a vossa loucura e nos deixaram nobres exemplos de valor”.
    Depois destas palavras, o procônsul pronunciou a sentença contra ele, dizendo: “A divina clemência ordenou que, para incutir terror nos demais cristãos, seja lapidado o homem que não quiser dar o próprio assentimento às sagradas leis, que lhe impõem sacrificar à grande deusa Diana”.
    O atleta de Cristo foi arrastado para fora, então, pelos ministros do diabo, enquanto dava graça a Deus Pai por Jesus Cristo seu Filho, que o tinha julgado digno de superar o demônio na luta.
    Levado para fora das muralhas, esmagado pelas pedras, exalou o espírito.
    O servo de Deus Máximo padeceu o martírio na província da Ásia dois dias antes dos idos de maio, durante o império de Décio e o governo do procônsul Ótimo, reinando nosso Senhor Jesus Cristo, ao qual é dada glória nos séculos dos séculos. Amém”.

    3.8. Martírio dos Santos Silitanos (na Numídia, – África setentrional)

    O processo contra os cristãos de Sílio aconteceu no verão de 180 d.C., quando Cômodo era imperador há poucos meses, e pode ser considerado como continuação das perseguições iniciadas sob o predecessor Marco Aurélio. A fé cristã já estava difundida provavelmente na África proconsular, tendo chegado também aos pequenos centros: Sílio era, justamente, um vilarejo da Numídia.
    O texto latino do qual se apresenta a tradução é contemporâneo aos fatos; talvez seja a própria ata do processo, à qual foi acrescentada pelo transcritor apenas a última parte. É o primeiro documento sobre o tributo de sangue que os cristãos da África versaram à Igreja.

    “Dezesseis dias antes das calendas de agosto (17 de julho), quando eram Procônsules Presente, pela segunda vez, e Claudiano, foram convocados à autoridade judiciária Esperado, Narsalo, Citino, Donata, Segunda e Véstia.
    O procônsul Saturnino disse-lhes: “Podeis merecer a indulgência do nosso soberano, se retornardes a pensamentos de retidão”.
    Respondeu Esperado: “Nada fizemos de mal, nem cometemos qualquer iniquidade, nem falamos mal de alguém, pelo contrário sempre retribuímos o mal com o bem; por isso obedecemos ao nosso imperador”.
    Disse ainda o procônsul Saturnino: “Nós também somos religiosos, e a nossa religião é simples. Juramos pelo gênio do nosso soberano e fazemos súplicas aos deuses pela sua salvação, coisa que vós também deveis fazer”.
    Respondeu Esperado: “Se me escutares com calma, eu te explicarei o mistério da simplicidade”.
    Saturnino rebateu: “Não te escutarei nesta iniciação em que ofendes os nossos ritos; jurai, entretanto, pelo gênio do nosso soberano”.
    Respondeu Esperado: “Eu não conheço o poder do século, mas estou sujeito àquele Deus que nenhum homem viu nem pode ver com seus olhos. Jamais cometi um furto, mas toda vez que concluo um negócio pago sempre o tributo, porque obedeço ao meu soberano e imperador dos reis de todos os séculos”.
    O procônsul Saturnino disse aos outros: “Desisti dessa convicção”.
    Esperado rebateu: “Trata-se de um mau sistema o fato de ameaçar de morte se não se jura em falso”.
    Disse ainda o procônsul Saturnino: “Não consintais nessa loucura”.
    Disse Citino: “Não temos nada a temer de ninguém a não ser de nosso Senhor que está nos céus”. Acrescentou Donata: “Honra a César, como soberano, mas temor somente a Deus”.
    Véstia continuou: “Sou cristã”.
    Disse Segunda: “Aquilo que sou, quero ser”.
    O procônsul Saturnino perguntou a Esperado: “Persistes em declarar-te cristão?”
    Esperado respondeu: “Sou cristão” e todos concordaram com suas palavras.
    O procônsul Saturnino perguntou, então: “Quereis um pouco de tempo para decidir?”
    Respondeu Esperado: “Numa questão tão claramente justa, a decisão já está tomada”.
    Perguntou então o procônsul Saturnino: “O que há em vossa caixinha?”
    Esperado respondeu: “Livros e as cartas de São Paulo, homem justo”.
    Disse o procônsul: “Tendes uma prorrogação de trinta dias para refletir.
    Esperado respondeu: “Sou cristão”, e todos estiveram de acordo com ele.
    O procônsul Saturnino leu o decreto do ato: “Decreta-se que sejam decapitados Esperado, Narsalo, Citino, Donata, Véstia, Segunda e todo os outros que declararam viver segundo a religião cristã, porque, embora tenha sido dada a eles a faculdade de retornar às tradições romanas, recusaram-na obstinadamente”. Esperado disse: “Damos graças a Deus”. Narsalo acrescentou: “Hoje seremos mártires no céu. Sejam dadas graças ao Senhor!”.
    O procônsul Saturnino mandou proclamar a sentença pelo pregoeiro: “Foram condenados à pena capital: Esperado, Narsalo, Citino, Vetúrio, Félix, Aquilino, Letâncio, Genara, Generosa, Véstia, Donata, Segunda”.
    Todos disseram: “Sejam dadas graças a Deus!”, e foram em seguida degolados pelo nome de Cristo”.

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  18. 4. Quantos foram os mártires?

    5. A memória dos mártires, testemunho perene do amor de Cristo e da Igreja (João Paulo II na ‘Incarnationis mysterium’)

    6. Os Mártires, testemunhas radicais (Juan E. Vecchi)
    Premissa: Os Mártires, testemunhas e mestres de fé

    Os nossos dias exigem muitas coragem para viver. Há tantos motivos de preocupação e tantas angústias, mesmo se, no fundo, é também belo viver neste tempo, tão cheio de esperanças de um futuro mais sereno e mais humano.
    Muitos arriscam a vida, também, para defender suas idéias e sua liberdade, e não faltam exemplos luminosos de heroísmo.
    O cristão é levado, igualmente, a arriscar para permanecer tal. Não será verdade, talvez, que em algumas partes da humanidade ainda existe opressão e perseguição, levando os que desejam permanecer fiéis a Cristo a viverem escondidos, como no tempo das perseguições? E, muitas vezes, quando descobertos, pagam com a vida.
    Mesmo onde não se chega a tanto, há sempre uma perseguição latente: és boicotado, colocam-te mil obstáculos, és ridicularizado só porque queres viver seriamente como cristão!
    Essa perseguição, entretanto, não é novidade. Desde quando Cristo foi colocado numa cruz, teve início uma longa história que já dura dois mil anos: a história dos mártires cristãos, que jamais conhecerá a palavra “fim”. Ele disse: “Se perseguiram-me, perseguirão também a vós”. É uma nota característica e perene da Igreja de Cristo: ela é Igreja de Mártires.
    Existem, porém, algumas páginas nessa história que merecem uma grande atenção, e são as que se referem aos mártires dos primeiros séculos da Igreja Cristã, quando o sangue foi derramado em grande abundância.
    É muito útil, e até necessário, voltar a essa história (mas atenção: é história verdadeira, não lenda; história documentável, não fábulas ou mitos), porque é uma história que se torna escola: nela aprenderemos a ser também intrépidos na profissão da fé e corajosos na superação das provas do nosso martírio, qualquer que ele seja

    2. Os Atos dos Mártires

    Os Atos dos Mártires são documentos oficiais e os mais antigos da Igreja das perseguições. São textos contemporâneos aos acontecimentos narrados. São as atas dos processos dos Cristãos, chamados “Atos proconsulares” porque, em geral, o magistrado era um procônsul; são as narrações de testemunhas oculares; são as “paixões epistolares”, isto é, cartas circulares sobre os mártires, enviadas por uma Igreja às demais comunidades cristãs; e as “paixões narrativas”, ditadas em parte pelos próprios mártires.
    Os Atos dos Mártires são reportados, na maior parte, por Eusébio de Cesaréia (3º-4º século) em “De mortibus persecutorum”; mas também nas Cartas e no tratado “De Lapsis” de São Cipriano (3º século); nas Apologias dos escritores gregos e nos panegíricos pronunciados pelos grandes oradores cristãos do Ocidente, como Ambrósio, Agostinho, Máximo de Turim, Pedro Crisólogo, e do Oriente, como Basílio, Gregório de Nissa e João Crisóstomo.
    Os Atos dos Mártires eram lidos no dia de suas festas, durante a celebração eucarística. Com efeito, a memória, a lembrança do mártires, fundamenta-se no memorial de Cristo, porque a paixão do mártir renova a única paixão do Senhor, da sua morte e ressurreição.

    3. Eusébio de Cesaréia é a principal fonte dos Atos dos Mártires

    Nascido em Cesaréia da Palestina pelo ano 265 e educado na escola do douto Pânfilo, Eusébio recebeu uma sólida formação intelectual, sobretudo histórica. Eleito bispo de sua cidade, foi o homem mais erudito do seu tempo. Escreveu muitas obras de teologia, exegese, apologética, mas a sua obra mais importante foi a “História eclesiástica”, em 10 volumes, que são o fruto de 25 anos de pesquisa histórica, contínua e apaixonada.
    Ele narra, nos 7 primeiros livros, a história da Igreja das origens até 303. Os livros 8º e 9º referem-se à perseguição iniciada por Diocleciano em 303 e concluída, no ocidente em 308, tendo continuado no oriente com Galério, até o Edito de tolerância de 311 e à morte de Maximino (313). O livro 10º descreve a retomada da Igreja até à vitória de Constantino sobre Licínio e à unificação do império (323).
    Antes ainda dessa obra, Eusébio tinha recolhido e transcrito na “Coleção dos antigos Mártires”, uma vasta documentação (atos dos processos de mártires, paixões, apologias, testemunhos de indivíduos e comunidades) sobre os mártires anteriores à perseguição de Diocleciano; o livro foi perdido, mas Eusébio tinha retomado o tema em parte na “História Eclesiástica”.
    Poupado pela perseguição de Diocleciano (303-311), Eusébio foi dela uma testemunha de importância excepcional, porque viu pessoalmente a destruição de igrejas, as fogueiras de livros sagrados e muitas cenas selvagens de martírio na Palestina, na Fenícia e até na distante Tebaida do Egito, deixando-nos de tudo, uma comovente memória de grande valor histórico.
    Apesar de suas lacunas e erros, a “História Eclesiástica” continua “a obra histórica mais conhecida e digna de fé e, muitas vezes, a única fonte supérstite de informação” (Angelo Penna, “Enciclopedia Cattolica”, Cidade do Vaticano, 1950, vol. V, pp. 842-854).

    Apresentamos, em seguida, uma brevíssima coleção de fatos históricos, uma pequena antologia tirada dos textos originais dos autores indicados, traduzidos com fidelidade. Conheceremos assim como os nossos primeiros irmãos na fé sabiam sofrer e enfrentar por Cristo a tortura e a morte.

    O martírio é uma constante de toda a Igreja
    Os mártires recordados nesta breve coleção pertencem a séculos diversos, a diferentes categorias de pessoas, extrato social e nacionalidade; representam a Igreja inteira. São homens e mulheres, ricos e pobres, velhos (Simeão tem 120 anos) e jovens (os 7 “filhos” de Sinforosa); eclesiásticos (os bispos Simeão, Policarpo, Acácio, Ságaris; o sacerdote Piônio; os diáconos Êuplio e Papilo) e leigos (o senador Apolônio, o comerciante Máximo, o jardineiro Conão, os legionários “quarenta mártires de Sebaste, o centurião Marino, as mães de família Sinforosa e Agotonice); nobres, como Apolônio, e gente comum do povo, como Conão; muitas vezes cristãos cujos nomes ficaram desconhecidos.
    Todos testemunharam a própria fidelidade a Cristo com o sacrifício cruento da própria vida.
    Os Atos dos mártires contam a história mais verdadeira da Igreja das origens.

    3.1. Os mártires de Alexandria (Egito)

    “De uma carta de Filéias aos habitantes de Tmuis”
    Filéias, bispo da Igreja de Tmuis, cidade a leste de Alexandria, era famoso pelos cargos civis que ocupou em sua pátria, pelos serviços prestados e também pela cultura filosófica. Jovem, nobre, riquíssimo, tinha mulher e filhos, e parece acertado que fossem pagãos. Da prisão, escreveu uma carta em que descreve os massacres de cristãos, que assistiu pessoalmente, e exalta a coragem e a fé dos mártires. Padeceu o martírio por decapitação em 306.

    “Fiéis a todos esses exemplos, sentenças e ensinamentos que Deus nos dirige nas divinas e sagradas Escrituras, os bem-aventurados mártires que viveram conosco, sem sombra de incertezas, fixaram o olhar da alma no Deus do universo com pureza de coração; aceitando no espírito a morte pela fé, responderam firmemente ao chamado divino, encontrando o Senhor nosso Jesus Cristo, que se fez homem por amor de nós, para cortar o pecado pela raiz e dar-nos o viático para a viagem à vida eterna. O Filho de Deus, com efeito, embora sendo de natureza divina, não quis valer-se da sua igualdade com Deus, preferindo aniquilar-se a si mesmo, tomando a natureza de escravo e tornando-se semelhante aos homens, como homem humilhou-se até à morte, à morte de cruz (Fl 2,6-8).
    Os mártires, portadores de Cristo, aspirando, pois, aos mais elevados carismas, enfrentaram todo sofrimento e todo gênero de torturas imaginados contra eles, e não só uma, mas até mesmo uma segunda vez; diante das ameaças, com que os soldados competiam entre si no lançar-se contra eles com palavras e atitudes, não retrataram a própria convicção, porque “a caridade perfeita afasta o terror” (1Jo 4,18). Que discurso seria suficiente para narrar suas virtudes e sua coragem diante de cada prova?
    Entre os pagãos, qualquer um podia insultar os mártires e, por isso, alguns batiam neles com bastões de madeira, outros com vergas, outros com chicotes, outros com cintos de couro, outros ainda com cordas. O espetáculo dos tormentos era muito variado e extremamente cruel.
    Alguns, com as mãos amarradas, eram pendurados numa trave, enquanto instrumentos mecânicos puxavam seus membros em todos os sentidos; os carnífices, seguindo a ordem do juiz aplicavam no corpo todo os instrumentos de tortura, não só nas costas, como era costume fazer com os assassinos, mas também no ventre, nas pernas, nas faces. Outros, pendurados fora do pórtico, por uma só mão, sofriam a mais atroz das dores pela tensão das articulações e dos membros.
    Outros eram amarrados às colunas, com o rosto voltado um para o outro, sem que os pés tocassem o chão, e pelo peso do corpo as juntas eram necessariamente esticadas pela tração.
    Suportavam tudo isso não só enquanto o governador se entretinha a falar com eles no interrogatório, mas por pouco menos de uma jornada. Enquanto o governador passava para examinar os demais, ordenava aos seus dependentes que olhassem atentamente se por acaso, alguém, vencido pelos tormentos, acenasse ao cedimento, e impunha que se lhes estivesse inexoravelmente por perto, também com as correntes e quando, depois disso, tivessem morrido, puxassem-nos para baixo e arrastassem-nos pela terra.
    Essa, de fato, era a segundo tortura, pensada contra nós pelos adversários: não ter nem sequer uma sombra de consideração por nós, mas pensar e agir como se já não existíssemos. Houve também aqueles que, depois de terem padecido outras violências, foram colocados no cepo com os pés separados até ao quarto furo, de modo que necessariamente ficavam de costas no cepo, pois não podiam ficar em pé por causa das profundas feridas recebidas em todo o corpo durante o espancamento.
    Outros, ainda, jogados por terra, jaziam subjugados pelo peso das torturas oferecendo, de modo bem mais cruel aos espectadores, a visão da violência feita contra eles, porque traziam as marcas das torturas no corpo todo.
    Alguns, nessa situação, morriam em meio aos tormentos, cobrindo de vergonha o adversário com a própria constância; outros, semi mortos, eram trancados na prisão onde expiravam poucos dias depois, sucumbindo às dores; os que sobravam com a saúde recuperada graças aos cuidados médicos, animavam-se de renovada coragem com o tempo e o contato com os companheiros de prisão.
    Dessa forma, então, quando o edito imperial concedeu a faculdade de escolher entre aproximar-se dos sacrifícios ímpios e não serem perturbados, obtendo uma liberdade criminosa das autoridades do mundo, ou não sacrificar, aceitando a condenação capital, os cristãos corriam alegres para a morte, sem nenhuma hesitação.
    Eles conheciam, de fato, o que fora predestinado e anunciado pelas sagradas Escrituras: “Quem sacrificar aos deuses estranhos – diz o Senhor – será exterminado” (Es 22,19) e “Não terás outro Deus além de mim” (Ex 20,3)”.

    Conclui Santo Eusébio: “São essas as palavras que o mártir, realmente sábio e amigo de Deus, escrevia do cárcere aos fiéis da sua igreja, antes da sentença capital, descrevendo a situação em que se encontrava, e exortando-os a permanecer firmes na fé em Cristo, mesmo depois da sua morte, que estava próxima” (Eusébio, História Eclesiástica, l. VIII, c. X).

    3.2. Os Mártires da Tebaida (Egito)

    “Não há palavras suficientes para falar das torturas e dores padecidas pelos mártires da Tebaida, dilacerados no corpo todo com cacos de louça até que expirassem, em lugar dos ganchos de ferro, e pelas mulheres que, amarradas ao alto por um pé e, por meio de roldanas, puxadas pela cabeça para baixo, com o corpo inteiramente nu, oferecendo aos olhares de todos o mais humilhante, cruel, desumano dos espetáculos.
    Outros morriam acorrentados aos troncos de árvores. Através de mecanismos, os carnífices dobravam, unindo-os, os ramos mais duros, e amarravam a cada um deles as pernas dos mártires, deixando, depois, que os ramos voltassem à sua posição natural, produzindo então um esquartejamento total dos homens contra os quais eram arquitetados tais suplícios.
    Todas essas coisas não aconteceram por poucos dias ou por breve tempo, mas duraram por um longo período de anos; todos os dias eram mortas, algumas vezes, mais de dez, outras, mais de vinte, outras vezes ainda não menos de trinta, ou até mesmo cerca de sessenta pessoas. Num só dia foram dados à morte, acertadamente, cem homens com seus filhinhos e mulheres, justiçados através de um constante seguir-se de refinadas torturas.
    Nós mesmos, presentes no lugar da execução, constatamos que num só dia foram mortas em massa fileiras de pessoas, em parte decapitadas, em parte queimadas vivas, tão numerosas a ponto de fazer com que perdesse a força, e até mesmo quebrá-la, a lâmina de ferro que matava, enquanto os próprios carnífices, cansados, deviam ser substituídos.
    Contemplamos, então, o maravilhoso vigor, a força verdadeiramente divina e o zelo dos crentes em Cristo, Filho de Deus. Tão logo, de fato, era pronunciada a sentença contra os primeiros condenados, outros surgiam de vários lugares diante do tribunal do juiz declarando-se cristãos, prontos a submeterem-se, sem sombra de hesitação, às terríveis penas e aos múltiplos gêneros de tortura que eram preparados contra eles.
    Corajosos e intrépidos na defesa da religião do Deus do universo, acolhiam a sentença de morte com gestos de alegria e risos de júbilo, a ponto de entoarem hinos e cânticos e dirigir ações de graças ao Deus do universo, até o momento em que exalavam o último suspiro.
    Realmente maravilhosos esses cristãos, mas ainda mais maravilhosos os que, gozando no século de uma brilhante posição devido à riqueza, nobreza, cargos públicos, eloquência, cultura filosófica, puseram tudo isso depois da verdadeira religião e da fé no Salvador e Senhor nosso, Jesus Cristo” (Eusébio, História Eclesiástica, l. VIII, c. 9).

    3.3. Os mártires de Tiro da Fenícia

    “Foram também admiráveis os que testemunharam a sua fé na própria terra, onde, homens, mulheres e crianças, aos milhares, enfrentaram vários gêneros de morte pelo ensinamento do nosso Salvador.
    Alguns foram queimados vivos, depois de terem sido submetidos a raspagens, ganchos, chicotadas, e outros milhares de refinadas torturas, terríveis só de ouvir.
    Outros foram lançados ao mar, outros ofereceram corajosamente a cabeça aos carnífices, outros morreram durante as próprias torturas ou esgotados pela fome.
    Outros ainda foram crucificados, quem da maneira comum aos ladrões, quem de maneira ainda mais cruel, isto é, pregados com a cabeça para baixo e vigiados até à morte, ou seja, até quando morriam de fome nos mesmos patíbulos” (Eusébio, História Eclesiástica, l. VIII, c. 8).

    3.4. Os mártires do Ponto (Ásia Menor)

    “Os mártires das cidades do Ponto padeceram sofrimentos terríveis: alguns tiveram os dedos perfurados com bambus pontiagudos a partir da extremidade das unhas; para outros, fazia-se liqüefazer chumbo e, quando a matéria ardia e fervia, era derramada nas costas da vítima e as partes vitais do corpo eram queimadas. Outros sofreram, em seus membros mais íntimos e nas vísceras, torturas repugnantes, cruéis, intoleráveis mesmo só de ouvir, que os ilustres juizes, vigilantes da lei, inventavam cheios de zelo, ostentando toda a própria maldade, como se fosse uma sabedoria particular, e concorrendo um com o outro na superação de invenções cruéis, como quem disputa os prêmios de uma competição.
    O cúmulo da desventura abateu-se sobre os cristãos quando as autoridades pagãs, cansadas do excesso dos massacres e das mortes, saciadas do sangue derramado, assumiram uma atitude que, segundo eles, era de brandura e benignidade, parecendo que já não seriam capazes de excogitar algum castigo terrível contra nós.
    Não seria justo – diziam eles – manchar cidades inteiras com o sangue de cidadãos, nem agir de modo a culpar de crueldade a suprema autoridade dos soberanos, benévola e branda para com todos; era necessário, contudo, estender a todos o benefício do humano poder imperial, não mais condenando ninguém à morte; pela indulgência dos imperadores foi, de fato, abolida esta pena em relação a nós.
    Ordenou-se, então, que se arrancassem os olhos aos nossos irmãos e se lhes estropiasse um perna, porque isso, segundo os pagãos, era um ato de humanidade e a mais leve das penas que se podiam aplicar.
    Como conseqüência dessa “generosidade” dos ímpios soberanos, não era possível dizer que se visse uma multidão de pessoas sem que a espada não tivesse arrancado a alguém o olho direito e, em seguida, cauterizado. A outros, com ferros em brasa, era estropiado o pé esquerdo sob a articulação, depois do que eram destinados às minas de cobre das províncias, não tanto para que pudessem dar algum rendimento mas para aumentar a miséria e a desventura da situação deles. Além destes, tão martirizados, havia outros submetidos a outras provas que nem sequer é possível nomear, porque as “bravuras” realizadas contra nós superam qualquer descrição.
    Distinguindo-se nessas provas sobre toda a terra, os nobres mártires de Cristo surpreendiam os que foram testemunhas do seu valor, e através de sua conduta ofereceram provas evidentes da secreta e realmente divina força do nosso Salvador. Seria muito longo, para não dizer impossível recordar o nome de cada um”. (Eusébio, História Eclesiástica, l. VIII, c. 12)

    3.5. Martirio di santa Sinforosa e dei suoi sette figli

    A construção da vila Adriana em Tívoli fora concluída em 135 e, deve-se remontar a essa época o martírio de Santa Sinforosa, sacrificada como vítima propiciatória nos “habituais nefandos ritos pagãos” de consagração da vila imperial.
    O trecho que fala do seu martírio mostra um imperador Adriano mal disposto em relação ao cristianismo (passaram-se os tempos das pacatas instruções ao procônsul Minúcio Fundanos) e propenso a crer nas calúnias dos sacerdotes pagãos.
    O próprio imperador, não um seu funcionário, chama aquela mulher, e procura induzi-la a renegar a fé, fazendo o mesmo com seus filhos.

    “O imperador Adriano fizera construir um palácio para si e queria consagrá-lo com os habituais nefandos ritos pagãos. Começou a pedir, com sacrifícios, aos ídolos e demônios, que neles habitam, a resposta dos oráculos, e esta foi a resposta: “A viúva Sinforosa, com seus sete filhos, aflige-nos todos os dias invocando o seu Deus. Se ela com seus sete filhos sacrificarem segundo o nosso rito, nós vos prometemos conceder tudo o que pedis”.
    Adriano, então, mandou prende-la com os filhos e, de maneira insinuante, exortou-os a sacrificar aos deuses. Sinforosa, porém, disse-lhe: “Meu esposo Getúlio e seu irmão Amâncio, quando combatiam no teu exército como tribunos, enfrentaram muitos gêneros de tortura por não aceitarem sacrificar aos ídolos e, como atletas valorosos, venceram os demônios com a própria morte. Preferiram, de fato, ser decapitados a deixar-se vencer, sofrendo a morte que, aceita em nome de Cristo, trouxe-lhes ignomínia no mundo dos homens ligados aos interesses terrenos, mas deu-lhes honra e glória eterna na assembléia dos anjos. Vivem agora entre os anjos e, levantando os troféus da própria paixão, gozam no céu da vida eterna com o eterno rei”.
    O imperador respondeu a Santa Sinforosa: “Ou sacrificas com teus filhos aos deuses onipotentes, ou farei imolar-te com teus filhos”.
    Acrescentou, em seguida, santa Sinforosa: “Donde vem-me a graça de merecer ser oferecida com os meus filhos como vítima a Deus?”. E o Imperador: “Eu te farei sacrificar aos meus deuses”.
    A bem-aventurada Sinforosa respondeu: “Teus deuses não podem aceitar-me em sacrifício, mas se for imolada em nome de Cristo meu Deus, eu terei o poder de fazer com teus demônios se tornem cinzas”.
    Disse, então, o imperador: “Escolhe uma das duas propostas: ou sacrificas aos meus deuses ou morrerás de morte trágica”.
    Sinforosa, então, respondeu: “Crês que possa mudar o meu propósito por um temor qualquer, enquanto o meu desejo mais vivo é repousar em paz junto do meu esposo Getúlio, que fizeste morrer pelo nome de Cristo?”.
    O imperador Adriano, então, mandou-a levar ao templo de Hércules e ali primeiramente fez com que fosse esbofeteada, depois dependurada pelos cabelos. Vendo, contudo, que de modo algum e com nenhuma ameaça conseguia demove-la do seu propósito, mandou atar-lhe uma pedra ao pescoço e afogá-la no rio. Seu irmão Eugênio, que tinha um cargo na cúria de Tívoli, recolheu o seu o corpo e sepultou-o na periferia daquela cidade.
    No dia seguinte, o imperador Adriano mandou chamar à sua presença os seus sete filhos ao mesmo tempo. Quando viu que de modo algum, nem com promessas nem com ameaças, conseguia levá-los a sacrificar aos deuses, mandou levantar sete postes ao redor do templo de Hércules e, com a ajuda de máquinas, fez afligir os jovens. Em seguida mandou matá-los: Crescente, trespassado no pescoço; Juliano, no peito; Nemésio no coração; Primitivo, no umbigo; Justino, nas costas; Estacteno, no peito; Eugênio foi esquartejado da cabeça aos pés.
    O imperador Adriano, retornando ao templo de Hércules do dia seguinte, mandou levar seus corpos embora e lançá-los numa fossa profunda, numa localidade que os pontífices chamaram: “Aos sete justiçados”.
    Houve, depois disso, trégua de um ano e seis meses na perseguição; foi dada, nesse tempo, uma sepultura honrosa aos corpos dos mártires e foram construídas sepulturas para aqueles cujos nomes estão inscritos no livro da vida.
    O dia natalício dos santos mártires Sinforosa e seus sete filhos é celebrado 15 dias antes das calendas de agosto (17 de julho). Seus corpos repousam na via Tiburtina, a cerca de oito milhas de Roma, sob o reinado de nosso Senhor Jesus Cristo, a quem são devidas honra e glória nos séculos dos séculos. Amém”.

    3.6. Martírio dos santos Ptolomeu, Lúcio e outro desconhecido

    O trecho seguinte é tirado da segunda Apologia de Justino, que lhe foi inspirada pelo processo contra três cristãos, realizado em Roma em 162 ou 163 sob o prefeito Úrbico. Pouco posterior ao episódio, a narração é densa, sem divagações ou ornamentos retóricos, fazendo brotar, porém, da trama pobre, a calorosa defesa do cristianismo.
    Porque condenar pessoas cuja fé traduz-se numa regra de vida austera e na recusa de qualquer culpa contra a natureza? É este o sentido das palavras do mártir Lúcio, e é este o espírito de Justino, que poucos anos depois teria, também ele, confirmado a fé com o sangue.

    “Vivia uma mulher, esposa de um homem dissoluto, também ela anteriormente dissoluta. Entretanto, quando veio ao conhecimento dos ensinamentos de Cristo, não só começou a levar uma vida mais pura, como tentou convencer igualmente o marido a converter-se, falando-lhe da nova doutrina e anunciando-lhe o castigo do fogo eterno para todos os que levam uma vida impura e sem princípios retos.
    O marido, porém, persistindo nos maus procedimentos, fez com que o espírito da mulher se afastasse pela sua má conduta, de modo que ela, considerando imoral viver o resto de seus dias ao lado de um homem que buscava o prazer das relações conjugais contra as leis da natureza e contra a justiça, decidiu separar-se dele.
    Foi dissuadida pelos parentes, que lhe aconselhavam ter ainda paciência, na esperança de que o marido mudasse de vida: ela, pois, conseguiu forças e permaneceu ao seu lado.
    Foi-lhe referido, em seguida, que o mariano, tendo ido a Alexandria, cometia culpas ainda mais graves do que no passado; a mulher não querendo tornar-se cúmplice de sua maldade e impiedade permanecendo junto dele como esposa, dividindo com ele o leito e as refeições, deu-lhe aquilo que chamais de “libelo de repúdio”, e divorciou-se.
    O cavalheiro do marido, em lugar de alegrar-se pelo fato de a mulher – que antes se entregava aos servos e mercenários nas orgias da bebedeira, ter abandonado aqueles hábitos culpáveis e querer levá-lo também a fazer o mesmo -, despeitado com o divórcio obtido sem o seu consentimento, denunciou-a diante do tribunal como cristã.
    A mulher, senhor, apresentou-te, então, um memorial em que pedia, antes de tudo, que lhe fosse concedida a administração dos próprios bens e, em seguida, a defesa da acusação, depois de ter sabiamente organizado suas coisas, e tu lhe concedeste.
    O marido, não podendo agir contra a mulher, voltou a acusação contra um certo Ptolomeu, mestre dela na doutrina cristã. Foi essa a sua tática: persuadir um centurião seu amigo, que colocara Ptolomeu na prisão, a pegá-lo de surpresa e fazer-lhe esta simples pergunta: “És cristão?”.
    Ptolomeu admitiu sê-lo, sincero e sem qualquer subterfúgio que era, levando o centurião a mandar acorrentá-lo e torturá-lo por longo tempo na prisão. Finalmente, quando o homem foi levado diante de Úrbico, foi-lhe dirigida a mesma pergunta, ou seja, se era cristão. Ptolomeu, novamente, consciente do bem que lhe vinha do ensinamento de Cristo, confessou que era mestre da divina virtude.
    Quem, de fato, nega qualquer verdade que seja, nega-a porque a despreza ou porque recusa reconhece-la considerando-se indigno e distante dos deveres que ela comporta; nenhuma dessas duas atitudes, porém, refere-se ao cristão sincero.
    Quando Úrbico ordenou que Ptolomeu fosse levado ao suplício, um certo Lúcio, também cristão, vendo a insensatez de um processo conduzido dessa forma, gritou a Úrbico: “Qual o motivo pelo qual condenaste à morte este homem, não culpado de adultério, nem de fornicação, nem de assassinato, nem de furto, nem de rapina, nem de qualquer outro delito, mas apenas de ter-se confessado cristão? O teu modo de julgar, Úrbico, é indigno do imperador Antonino Pio, indigno do filho de César, amigo da sabedoria, indigno, enfim, do santo senado!”.
    Sem pronunciar resposta, Úrbico disse a Lúcio: “Parece-me que tu também és cristão”. Visto que Lúcio concordou calorosamente, Úrbico fê-lo levar ao suplício. O mártir declarou que era uma graça para ele, porque sabia que deixava o mundo dos malvados pela morada do Pai celeste. Um terceiro (homem) também veio para declarar-se cristão e foi igualmente condenado à morte”.

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  19. 5. Oração, esperança, devoções

    Encontramos, ainda, nos cemitérios subterrâneos, numerosos sinais que nos manifestam muitos aspectos da espiritualidade dos primeiros cristãos. Um dos temas que mais ocorrem é representado pela oração. Esta era feita com um gesto significativo, que se conserva ainda hoje nos gestos litúrgicos do celebrante: erguer os braços na direção do céu para oferecer uma súplica a Deus e esperar a sua Graça. É, ao mesmo tempo, um gesto de oferta e de acolhida. Entretanto não é um gesto de origem cristã. O famoso Orante de Berlim, estátua conservada no museu daquela cidade, representa um homem completamente nu que eleva os braços e os olhos ao céu, em gesto de oração.

    Em meados do século III os cristãos de Roma tiveram que enfrentar a terrível perseguição de Décio. Não só houve uma multidão de gente que, por medo, renegou a fé, mas num determinado momento o próprio papa Fabiano com seus sete diáconos, ou seja, quase todos os que dirigiam a Igreja, foram mortos. Sete anos depois, com a perseguição de Aureliano, aconteceu a mesma coisa. Por primeiro, o papa Sixto II (258) surpreendido na catacumba, foi morto aí mesmo com quatro diáconos; em seguida, outros dois diáconos, foram mortos e sepultados no cemitério de Pretestato. Restava apenas Lourenço no governo da Igreja. Também ele será morto alguns dias depois. O mais triste naqueles terríveis dias foi o número extraordinário de lapsos, aqueles que tinham renegado a fé por medo da perseguição.

    Sabemos pelas cartas de Cipriano, também ele morto em setembro de 258, que esse foi um momento muito difícil para a Igreja de Roma e, portanto, também para a Igreja de Trastévere.
    Um artista daqueles anos, pintou uma barca que está para afundar: parece que tudo se tenha acabado, o mastro principal quebrado, as velas rasgadas, mas há um homem ali com os braços elevados, tranqüilo. O seu gesto exprime serenidade. Do alto, de fato, aparece Deus que coloca a mão em sua cabeça. Ao redor, existem náufragos. Ele, porém, tem a segurança compartilhada com todos os cristãos: apesar da situação que causa medo, a esperança acabaria por prevalecer. As pinturas nas catacumbas revelam-nos sempre a mentalidade dos cristãos, suas devoções, suas crenças.

    Para os habitantes de Trastévere, também Maria era importante. A dedicação da basílica de Santa Maria refere-se ao VI século. É, certamente, anterior a Santa Maria Antiga, no fórum romano, e provavelmente posterior a Santa Maria Maior, de 432. Algumas pinturas nas catacumbas revelam o quanto era difusa a devoção a Nossa Senhora. Um famoso afresco das catacumbas de Priscila, representa a Virgem com o Menino e o Profeta, que indica uma estrela significando a realização da profecia de Balaam (“quando aparecer a estrela, o Salvador nascerá de uma virgem”). É provável que seja o próprio Balaam que indica a estrela. Alguns estudiosos pensam que seja Isaías, que proclama a realização da profecia da maternidade de uma virgem.

    A adoração dos Magos é também uma cena que se repete com freqüência nas catacumbas. Os Magos, nas pinturas antigas, nem sempre são três; às vezes são quatro, outras vezes, são dois. O Evangelho não diz que eram três: fala de três dons, não de três pessoas: podiam levar três dons em três ou quatro, ou em dois ou cinco. Note-se que as representações mais antigas, não apresentam o presépio, a manjedoura com o boi e o burro. Essa é uma cena mais tardia, que aparece em algum sarcófago do século IV, enquanto na pintura só existe um exemplo, na catacumba de São Sebastião. Explica-se a preferência dada aos magos com a proveniência dos cristãos romanos do mundo pagão, idólatra.
    Nossa Senhora pintada num afresco do Cemitério Maior, a única Madona orante que temos, reza ao Menino, pedindo a sua Graça.

    6. Fractio panis

    A imagem da eucaristia , a fractio panis, é encontrada bem expressa na catacumba de Priscila e refere-se àquilo que deveria ser o rito essencial celebrado nos titula, nas váriasdomus ecclesiae, como as que existiam em Trastevere (titula de Cecília, de Crisógono, de Calisto). A fração dos pães não era um gesto que iniciava qualquer agape, mas era circundada por um complexo litúrgico: canto dos salmos, leitura dos profetas, homilia do celebrante, etc. Entre as várias representações de banquetes alusivos à Eucaristia, optamos por aprofundar a da catacumba de Priscila, onde entre os comensais, nota-se uma mulher com véu. Num banquete pagão não tinha sentido uma mulher com véu. Ao seu lado estão sete pequenos cestos de pão, que são o elemento chave especificador do significado simbólico eucarístico da cena.

    Em uma outra pintura do cemitério de São Calisto, na área de Lucina, estão presentes os mesmos pequenos cestos de pão, acompanhados de um peixe: referem-se, certamente, ao milagre da multiplicação dos pães no deserto, havendo relva sob os cestos e o peixe. O pintor quis chamar a atenção para aquele milagre, mas colocou também entre os cestos, sob os pequenos pães, um copo de vinho tinto. Jesus, no deserto, não deu vinho para beber, mas falou claramente que o milagre era realizado em previsão de algo maior. Os pães, embora referindo-se ao milagre do deserto, com a presença do vinho, exprimem a eucaristia. Retornando à pintura da fractio panis da catacumba de Priscila, o gesto eucarístico é indicado e realizado muito bem pelo presidente do banquete, representado à cabeceira da mesa (no mundo antigo o personagem mais importante coloca-se à cabeceira).

    7. O batismo como ressurreição

    As catacumbas transmitem-nos também a mentalidade dos primeiros cristãos em relação ao batismo.

    Nós administramos o batismo às nossas crianças derramando um pouco de água sobre suas cabeças. Não era assim para os primeiros cristãos. O seu rito era, talvez, muito mais expressivo, e manifestava plenamente a teologia de São Paulo. Nas catacumbas, o batizando é representado sempre nu, porque deve ser imerso na água. Ele, de fato, deve despojar-se do homem velho e revestir-se do homem novo.

    Os antigos entendiam-no muito bem: mesmo na forma dos batistérios, colocados fora da igreja, exprimia-se esse conceito. Eram ambientes que tinham a forma de uma sepultura, otagonal ou hexagonal, justamente como um mausoléu. Quando na noite do sábado santo, os cristãos viam a fila dos batizados que se encaminham com suas roupas comuns e entravam no batistério, pensavam logo na morte: isso mesmo, entravam para morrer, para despojar-se da vida antiga, morrer para ela e depois ressurgir. Pela manhã, viam-nos sair, vestidos com a roupa branca, sinal da vida nova. Essa é uma concepção que devia ter um grande significado para os primeiros cristãos, também de Trastévere.

    8. A graça do perdão

    Calisto sofreu particularmente pela sua concepção de perdão, em polêmica com as várias seitas rigoristas da época: tudo se perdoa, ele afirmava, desde que haja arrependimento. Recordamos a respeito o modo como Pedro é representado nas catacumbas: muitas vezes tem ao lado, o galo que lhe recordou a traição… É estranho que em Roma, a Igreja fundada por Pedro acentue tanto essa página tão feia da vida do apóstolo, uma página que teria sido melhor esquecer.

    Em muitos sarcófagos e nos cubículos catacumbais há aquele bendito galo, há Jesus que, com o dedo, faz o gesto de indicar “três vezes”, e Pedro com a cabeça baixa. Poder-se-ia perguntar, porque os romanos gostavam tanto de recordar essa página da vida do seu fundador. A única explicação convincente é que o fizesse para afirmar a misericórdia de Deus, a sua vontade de perdoar os pecadores, justamente num ambiente em que se negava o perdão, em tempos tão difíceis.
    “Pedro – parecem dizer essas imagens – foi perdoado do mesmo pecado que vós, mais rigoristas, dizeis que não deva ser perdoado”. Calisto, grande defensor do perdão universal, tinha bem presente esse episódio da vida de Pedro e, provavelmente, fez dele um dos temas mais freqüentes da sua pregação aos cristãos do Trastévere.

    9. OS MÀRTIRES DA IGREJA

    1. Premissa: os Mártires, testemunhas e mestres da fé

    2. Os Atos dos Mártires

    3. A principal fonte dos Atos dos Mártires: Eusébio de Cesaréia

    3.1 Os mártires de Alexandria do Egito

    3.2 Os mártires da Tebaida

    3.3 Os mártires de Tiro da Fenícia

    3.4 Os mártires do Ponto

    3.5 Martírio de Santa Sinforosa e seus sete filhos

    3.6 Martírio dos Santos Ptolomeu, Lúcio e outro desconhecido

    3.7 Martírio de São Máximo

    3.8 Martírio dos Santos Silitanos

    3.9 Martírio dos cristãos de Alexandria

    3.10 Martírio de São Marino, centurião

    3.11 Martírio de São Êuplio, diácono

    3.12 Os quarenta Mártires de Sebástia

    3.13 Martírio de São Simeão

    3.14 Martírio de São Policarpo

    3.15 Martírio dos santos Carpo, Papilo e Agatonice

    3.16 Martírio de Santo Apolônio

    3.17 Martírio de São Piônio

    3.18 Mártires a não mais acabar

    3.19 Martírio de São Conão

    3.20 Martírio dos ascetas Xiamuna e Gurias

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  20. 3. OS PAPAS DO COMPLEXO DE SÃO CALISTO E ALGUNS PADRES E ESCRITORES CONTEMPORÂNEOS
    Giovanni Del Col, diretor das Catacumbas de São Calisto

    Esta pista de reflexão quer fazer reviver a história da Igreja através do nome e da obra de seus protagonistas, alguns Papas do complexo de São Calisto e alguns Padres e escritores contemporâneos:
    5 Papas Mártires (Ponciano, Fabiano, Cornélio, Sisto II, Eusébio)
    11 Papas Santos (Zeferino, Antero, Lúcio I, Estevão I, Dionísio, Feliz, Eutiquiano, Gaio, Milcíades, Marcos e Dâmaso), além de um número considerável de Bispos, Diáconos e fiéis Mártires, que foram testemunhas da fé, com o luminoso exemplo do próprio sacrifício e vida.

    As criptas dos Papas, de São Gaio, de Santo Eusébio, de São Cornélio, nas catacumbas de São Calisto, narram páginas gloriosas da Igreja de Roma. Refere-o no século IV o papa poeta São Dâmaso nos cinqüenta carmes que ilustram o testemunho de alguns Papas mártires e de outros ilustres mártires. As inscrições, causam-nos admiração pela beleza de seus caracteres, filocalianos clássicos, pela sonoridade dos versos latinos, pela concisão da expressão, e celebram os mártires da Igreja de Roma.
    O carme do Papa Dâmaso colocado diante da tumba de Sisto II, na cripta dos Papas, recorda justamente os Papas que “conservaram o altar de Cristo”, isto é, a fé da Comunidade Cristã; são Papas latinos e gregos, com uma multidão de fiéis anciãos, jovens e crianças, que “preferiram conservar a própria pureza virginal” em lugar de trair a fé.
    Lemos nas paredes, com comoção, os nomes dos papas Ponciano, Antero, Fabiano, Lúcio, Eutiquiano, enquanto recordamos também o papa Sisto II que aqui foi sepultado. As inscrições despedaçadas e incompletas, ao lado do nome dos pontífices, trazem o título de epi (episcopos) que os qualifica como chefes, como pastores da Igreja de Roma.
    São simples nomes, mas evocam a história da Igreja de Roma no terceiro século, uma história de fé, de sofrimento, de martírio.
    Revive, por primeiro, diante de nós a figura do Papa mártir São Ponciano (21 de julho de 230 – 28 de setembro de 235): cinco anos de pontificado, de grande ação pastoral, de oposições, de luta contra a heresia. Papa Ponciano faz referência, por contraste, à figura do seu irredutível opositor Hipólito (217 – 235), sacerdote romano, antipapa. Personalidade de destaque na Roma cristã do 3º século, teólogo do clero de Roma, mas uma figura controversa pelas suas atitudes de intransigência e oposição à autoridade do Pontífice. Já entrara em contraste com o Papa São Calisto (217-220), pelo seu rigorismo em relação aos adúlteros, aos quais recusava a reconciliação e o perdão, que por sua vez eram concedidos pelo Papa.
    Acrescentaram-se às divergências pessoais de oposição, as de não disfarçada inveja, porque Calisto fora preferido a ele como sucessor do Papa Zeferino. Não se contam as acusações, calúnias e interpretações de desprezo da pessoa e do trabalho do papa. Hipólito chegou mesmo à ruptura total: fez-se ordenar bispo e fundou uma igreja própria, arrastando no cisma parte do clero e do povo de Roma.
    O cisma, que durou vinte anos, continuou durante o pontificado de Ponciano, que contudo conseguiu, com a sua magnanimidade reconduzir Hipólito e o seu grupo à unidade da Igreja. Ponciano, exilado em 235 na Sardenha e condenado aos trabalhos forçados, demitiu-se pouco depois de ter chegado à ilha. É a primeira vez que isso acontece na história dos papas. Demitiu-se, não só para não criar dificuldades à Igreja de Roma durante a sua ausência, mas sobretudo para facilitar a Hipólito, que com ele tinha sido condenado ao exílio e ad mettala, isto é, ao trabalho nas minas, o retorno à Igreja. E, de fato, teve a alegria de receber a sua reconciliação e a graça de partilhar com ele a palma do martírio.
    Ao Papa Ponciano sucedeu o papa Santo Antero (21 de novembro de 235 – 3 de janeiro de 236), de origem grega, que transcorre na prisão os 43 dias do seu brevíssimo pontificado.
    Foi sucedido pelo Papa São Fabiano (10 de janeiro de 236 – 20 de janeiro de 250), romano de nascimento, que morreu mártir em 250, durante a perseguição de Décio.Cipriano fala dele com termos de grande estima (Ep. 30,5: «Post excessum nobilissimae memoriae viri Fabiani» – «depois da morte de Fabiano, homem de nobilíssima memória». Foi venerado no Oriente como grande taumaturgo. Orígenes endereça-lhe um tratado em que se defende da acusação de heresia (Eusébio, História Eclesiástica, 6.36.4).
    O seu pontificado coincidiu, exceto no início e no final, com um período excepcional de paz, prosperidade e crescimento da Igreja. Foi administrador enérgico e de grande visão. Sabemos pelo Catálogo Liberiano (coleção de biografias papais) que ele mandou fazer muitos trabalhos nas catacumbas, ordenando a ampliação de S. Calisto. O sucessorCornélio, escrevendo ao bispo Fábio de Antioquia, recorda a reorganização do clero inferior no tempo de pontificado de Fabiano: ele dividiu a cidade em 7 regiões eclesiásticas, com os próprios títulos (paróquias), clero e catacumbas. Havia, então, em Roma 7 diáconos, assistidos cada um por 1 subdiácono e 6 acólitos. Havia, também, 46 padres e 52 entre leitores e exorcistas (Eusébio, História Eclesiástica, 6.43.11).
    Saíram da sua escola eminentes pontífices como Cornélio, Lúcio, Estêvão e, provavelmente Sisto II e Dionísio. Fabiano sustentou intrépido o processo na presença do imperador Décio, que emitiu este juízo: «Prefiro ter um rival no império do que um bispo em Roma». O seu martírio foi anunciado logo em seguida às outras Comunidades (S. Cipriano 55,9).
    À morte de Fabiano seguiram-se 14 meses de sede vacante: o clero, devido à violenta perseguição de Décio, atrapalhou deliberadamente a eleição do sucessor, mesmo porque muitos de seus membros, inclusive o sacerdote Moses, provável sucessor do papa, estavam na prisão.
    O principal interlocutor do clero de Roma nesse interregno foi um eclesiástico chamadoNovaciano. Tão logo diminuiu a difícil situação da perseguição de Décio foi possível eleger o novo papa. Moses tinha morrido, e a escolha da grande maioria recaiu sobre Cornélio(março de 251 – junho de 253), romano, descrito por Cipriano de Cartago como um homem sem ambições e que tinha percorrido todos os graus do serviço eclesiástico. Foi eleito – sempre segundo o testemunho de Cipriano – «não por iniciativa própria, mas pela sua humildade, prudência e bondade».
    Novaciano, que fora preterido a Cornélio, contestou vivamente a eleição do seu rival; fez-se consagrar bispo e iniciou, com um pequeno grupo de sequazes, um verdadeiro cisma.
    Motivo principal do contraste entre o legítimo pontífice Cornélio e o antipapa Novaciano foi a atitude oposta em relação aos “lapsos”, isto é, os cristãos que, por temor das perseguições, tinham renunciado a própria fé e que, passadas as perseguições, pediam para ser readmitidos à comunhão da Igreja.

    Novaciano era totalmente contrário e Cornélio era favorável. Provavelmente a atitude realista e compreensiva de Cornélio tinha favorecido a sua eleição ao pontificado. Cornélio trabalhou com energia e habilidade para fazer-se reconhecer como bispo pelas principais Igrejas cristãs, enquanto em Roma o grupo rigorista de clero e fiéis, chefiados por Novaciano, julgando o papa muito permissivo, recusava-lhe a obediência.
    Cipriano de Cartago e Dionísio de Alexandria intervieram em favor do Papa. Cipriano particularmente ajudou o papa a vencer a oposição rigorista. O papa pode assim convocar, no outono de 251, um sínodo de 60 bispos e clero, em que Novaciano e seus sequazes foram excomungados. Dionísio tinha-lhe escrito solicitando, mas em vão, que fizesse as pazes com o pontífice.
    Cornélio é também recordado pelas cartas escritas às outras igrejas sobre o problema do cisma. Numa carta conservada por Eusébio, escritor eclesiástico de Cesaréia, Cornélio fornece-nos uma estatística detalhada, de grande valor histórico, sobre o clero dos vários graus na Igreja de Roma daquele tempo.
    Quando sob o imperador Galo recomeçaram as perseguições, em junho de 252, Cornélio foi preso e exilado a Centocelle, atual Civitavecchia; aí recebeu uma carta de Cipriano com congratulações, e morreu em junho do ano seguinte. Seu corpo foi logo transportado a Roma e sepultado na cripta de Lucina nas catacumbas de S. Calisto. A inscrição de sua tumba é o primeiro epitáfio papal escrito em latim, que chegou até nós.
    O antipapa Novaciano, nascido por volta do ano 200, era dotado de uma inteligência aguda, e tinha recebido uma formação literária e filosófica de primeira ordem. Quando seu nome aparece em Roma pela primeira vez, era tido como eminente membro do clero romano, autor de um notável tratado sobre a Trindade, que lhe valeu o título de fundador da teologia romana.
    Seu contemporâneo papa Cornélio descreve-o, porém, como um homem sem qualidades pessoais atraentes, que se fizera consagrar bispo contra a decidida oposição do clero e do laicato, o que talvez sejam meros boatos. O seu predecessor Sisto II tinha-o julgado apto à ordenação e o colégio dos sacerdotes de Roma tinham-no aceito como próprio porta-voz durante os quatorze meses de sede vacante, depois da morte de Fabiano.
    Novaciano entrou em crise na eleição de Cornélio. Desiludido pela sua não eleição, e, em contraste com o papa pela questão dos “lapsos”, fez-se promotor de um cisma que se estendeu até à Espanha, Armênia e Mesopotâmia, e que continuou, em comunidades isoladas, além do século quinto. Ele foi escritor prolífico e é lembrando também por S. Jerônimo que cita quatro de suas obras. O historiador Sócrates conta que Novaciano morreu mártir em 258 durante a perseguição de Valeriano (253-260).
    Após a morte de Cornélio, sucedeu-lhe S. Lúcio (25 de junho de 253 – 5 de março de 254), romano. Cipriano atesta que Lúcio foi papa por apenas oito meses e que foi exilado pelo imperador Valeriano, mas retornou a Roma em agosto do mesmo ano de 253. S. Cipriano afirma que na questão dos lapsos, Lúcio seguiu uma conduta moderada.
    Estêvão I (254-357), romano, sucedeu a Lúcio I depois de uma vacância de dois meses. Afirmou insistentemente o primado do papa, sobretudo nos contrastes com Cipriano, o influente bispo de Cartago, por problemas que se relacionavam com a disciplina eclesiástica ou questões teológicas, como a da validade do batismo administrado por heréticos. Estêvão, que representava a tradição de Roma, Alexandria e Palestina, acreditava que esse batismo era válido, contrastado nisso também pelo bispo Cipriano, que havia convocado dois sínodos para afirmar a não validade do batismo dos heréticos.
    Naquela ocasião, o papa recusou-se até mesmo a receber os enviados de Cipriano. Rebatizar era contrário à tradição e isso não podia ser tolerado. O perigo de ruptura da comunhão da Igreja era grande, tanto que Dionísio de Alexandria, que também apoiava a posição do papa, sentiu a necessidade de escrever a Estêvão suplicando que adotasse uma linha menos intransigente.
    A situação ameaçava tornar-se desesperada e foi salva pela morte do papa Estêvão em 2 de agosto de 257 e de Cipriano, que morreu mártir no ano seguinte.
    Os incidentes lançam alguma luz sobre a posição proeminente da Igreja de Roma em meados do século terceiro, para dirimir as questões doutrinais e disciplinares. Estêvão aparece como um prelado autoritário e intransigente, plenamente consciente da sua autoridade e prerrogativa especial. Foi o primeiro papa, por aquilo que sabemos, a encontrar uma base formal do primado romano na missão confiada por Cristo ao apóstolo Pedro, como referido no Evangelho de S. Mateus: «Digo-te que és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela…».
    Estêvão I foi sepultado na cripta dos papas nas catacumbas de S. Calisto.
    Sisto II (agosto de 257 – 6 de agosto de 258), de origem grega, foi o papa mais famoso sepultado em S. Calisto. Falam dele Eusébio, em sua História Eclesiástica, e Cipriano de Cartago. O papa Dâmaso dedicou-lhe um carme, onde recordava os «tempora quo gladio secuti pia viscera matris» – «os tempos em que a espada do perseguidor golpeou as piedosas vísceras da Mãe (= a Igreja)». Os soldados do cruel tirano surpreenderam o papa enquanto anunciava as divinas escrituras, e o pontífice, para salvar o povo que o queria defender, ofereceu a cabeça à espada do carnífice.
    O cruel tirano era o imperador Valeriano, que tinha emitido dois decretos com que proibia aos cristãos de entrarem nas catacumbas e aí realizarem funções religiosas. Com o segundo decreto estabelecia que os bispos, sacerdotes e diáconos fossem decapitados no mesmo lugar onde fosse encontrados, consequentemente sem um processo regular.
    Os soldados agarraram, então, o papa com os quatro diáconos que estavam com ele na Catacumba de S. Calisto e decapitaram-nos no mesmo dia. Cipriano comunicou o fato ao bispo africano Sucesso: «Sisto foi morto no oitavo dia antes dos Idos de Agosto e, com ele, quatro diáconos» (ep. 80), «capite truncatus est sub die VIII Idus Augustas», ou seja, decapitado no dia 6 de agosto (258).
    Foi sepultado, segundo a Depositio Martyrum, o Liber Pontificalis e o De locis sanctis martyrum, no mesmo cemitério de S. Calisto, na cripta dos papas.
    Nada sabemos de preciso dos dois papas seguintes Eutiquiano (4 de janeiro 275 – 7 de dezembro de 283), originário de Luni (Ligúria), que foi o último papa a ser sepultado na cripta dos papas, e de Gaio (17 de dezembro de 283 – 22 de abril de 296), de quem se conservam ainda as inscrições. O seu pontificado coincidiu com o período de paz que antecedeu à perseguição de Diocleciano.
    Sucessor de Gaio, Marcelino (30 de junho de 296 – 25 de outubro de 304), morreu na perseguição de Diocleciano, mas não como mártir. Sabemos apenas que foi sepultado na catacumba de Priscila. O seu nome porém, é recordado na famosa inscrição do diácono Severo, que se encontra no cemitério de Calisto.
    Em hexâmetros latinos, Severo informa-nos ter construído um cubículo com arcossólios «como tranqüila morada na paz para si e seus caros». Fizera-o «autorizado pelo seu papa Marcelino». O termo “papa”, como sinônimo do bispo de Roma aparece pela primeira vez nessa inscrição, com a sigla abreviada “PP”, usada ainda hoje pelos papas em suas assinaturas.
    O último papa a ser sepultado em S. Calisto, numa cripta que traz o seu nome, foi Euzébio(18 de abril – 21 de outubro, talvez de 310). Fora eleito durante a perseguição de Diocleciano. Foi o papa mais amado e venerado pelos cristãos do seu tempo devido à sua grande bondade e misericórdia demonstradas nos poucos meses de pontificado.
    Enfrentou com coragem e decisão a espinhosa questão dos “lapsos = os que caíram”, isto é, dos cristãos que, no tempo das perseguições, tinham renegado a fé cristã pelo temor de perderem seus bens, enfrentar o exílio, os tormentos ou a morte. Alguns deles eram chamados de libeláticos por causa da declaração (libelum), freqüentemente obtida por amizade ou dinheiro, em que se atestava terem sacrificado aos deuses. Passada a tormenta da perseguição, arrependidos da apostasia, pediam para ser readmitidos na Igreja.
    Parte do clero de Roma, chefiada por Heráclio, influente dignitário da Igreja, era absolutamente contrária, enquanto o papa Eusébio tinha-se declarado abertamente favorável ao perdão. A luta desembocou até em luta aberta, tanto que o imperador Maxêncio exilou os expoentes das duas facções opostas. Atesta-o papa Dâmaso na inscrição colocada diante da tumba do papa Eusébio. «Heraclius – escreve – vetuit lapsos peccata dolere. Eusebius miseros docuit sua crimina flere» («Heráclio proibia que os lapsos se afligissem pelos próprios pecados», ou seja, que se arrependessem, enquanto «Eusébio ensinava que eles podiam chorar as próprias culpas», isto é, arrepender-se).
    Papa Eusébio, exilado na Sicília, morreu alguns meses depois por causa das privações, e foi logo considerado mártir pela Igreja de Roma. Seu corpo foi transladado à capital e sepultado nas catacumbas de S. Calisto. A cripta, que dele recebe o nome, adornada de mármore e tornada preciosa pela inscrição do papa Dâmaso, foi uma das mais visitadas pelos peregrinos daqueles tempos.

    As catacumbas são justamente chamadas de “arquivos da Igreja”, porque constituem o testemunho histórico, preciso e bem documentado também pelos padres da Igreja, do martírio da Igreja das origens, como também da profissão humilde e fiel da fé cristã de incontáveis cristãos, que a testemunharam nas repetidas tormentas das perseguições e nos períodos de paz, abertamente, na família, em sociedade, no trabalho, em todas as circunstâncias de suas vidas.

    Recordamos alguns papas sepultados nas catacumbas de S. Calisto e traçamos em grandes linhas a história de seus pontificados segundo os testemunhos de Padres e escritores da Igreja. Brota daí uma Igreja guiada com autoridade por Papas Mártires e Santos, iluminada pela sua vida santa e fecundada muitas vezes pelo seu sangue. Para citar a expressão do papa Dâmaso, eles “conservaram verdadeiramente o altar de Cristo, a Igreja nascente de Roma”.

    4. HABITAR A ETERNIDADE

    Os cristãos, como dizia-se, viviam como as demais pessoas. Há um ponto evidente, porém, que os diferencia dos outros, a concepção da morte e da vida além da morte. Desde o final do século II, foi justamente a concepção da morte e do além que os levou a distinguir-se decididamente dos usos pagãos que, até então, também os cristãos tinham seguido. Os cristãos aceitavam em tudo a vida dos pagãos, exerciam o próprio dever de soldados, de comerciantes, de escravos. Diante do conceito da morte sentiram-se, porém, muito diferentes. Até o final do século II, os cristãos não se tinham colocado o problema de serem sepultados em áreas comuns ao lado dos pagãos. O próprio São Pedro, como se sabe, foi sepultado poucos metros longe de sepulturas pagãs, como também São Paulo na via Ostiense. A partir do final do século II, porém, os cristãos quiseram distinguir-se nas práticas funerárias e separaram seus cemitérios daqueles dos pagãos. Por que?
    O conceito pagão de morte era frio, desesperado: o pagão sabia que existia a sobrevivência e acreditava nela, mas para ele era uma sobrevivência sem sentido. De fato, para o paganismo, a alma sobrevivia nos Campos Elíseos ou em outros ambientes ultra terrenos, mas somente enquanto fosse lembrada. Tão logo o defunto fosse esquecido, teria sido absorvido na massa amorfa, sem sentido, privado de personalidade, semelhante aos Manes. E, por isso, como pode-se observar facilmente, os túmulos pagãos são construídos ao longo das vias consulares. Foram deixados alinhados por quilômetros ao longo dessas estradas (particularmente da via Appia) em grande evidência, justamente porque os titulares queriam ser recordados: sabiam que enquanto alguém os via, lia os seus nomes, pensava neles, via a sua estátua, eles sobreviveriam.
    Acabada a lembrança, tudo estava acabado. É por isso que faziam testamentos custosos, muito ricos, para obrigar os pósteros à recordação. Temos textos conservados nas epígrafes em que se recorda que os proprietários das sepulturas deixaram grandes cifras aos libertos para que todos os anos, no aniversário, fossem acender uma lâmpada sobre seus túmulos, atraindo a atenção dos vivos; basta recordar a tumba de Cecília Metella na via Appia.

    Para os cristãos, isso tudo não tinha sentido: eles acreditavam seriamente na outra vida, não de modo tão desesperado e frio. É por isso que desejavam criar áreas cemiteriais próprias e separadas. Construíram então os Koimeteria, termo que significa literalmente dormitórios. Essa palavra para os pagãos era totalmente incompreensível. Eles, de fato, não entendiam de forma alguma o termo aplicado às áreas funerárias. Por exemplo, no edito de confisco do imperador Valeriano em 257, que é trazido por Eusébio de Cesaréia, diz-se que são confiscados aos cristãos bens e lugares de reunião (em Trastévere, bairro de Roma, foram evidentemente confiscados os “títulos” de Calisto, Crisógono e Cecília) que pertenciam à comunidade. Além desses bens, foram também confiscados os assim chamados Koimeteria, dormitórios.
    Os romanos não entendiam o que isso significava. Para um pagão, de fato, “dormitório” era a sala onde se deita à noite e se levanta pela manhã. Para o cristão, era uma palavra que indicava tudo: vai-se dormir para ser despertado, a morte não é o fim, mas o lugar onde se repousa; e há um despertar garantido.
    Encontramos outros conceitos com que os cristãos pensavam na morte e encontramo-los nas catacumbas: por exemplo conceito de Depositio. As lápides com a palavra Depositus, às vezes abreviada (depo, Dep ou apenas D) qualificam-se logo como cristãs. De fato, Depositio é um termo jurídico, usado pelos advogados, que queria dizer “dá-se em depósito”: os mortos eram confiados à terra como grãos de trigo, para serem depois restituídos em suas messes futuras. É um conceito desconhecido aos pagãos.

    Por todos esses motivos, por uma teologia de morte tão diferente da dos pagãos, os cristãos quiseram isolar-se e criar seus próprios cemitérios. O mesmo foi sentido pelos judeus, mas só depois.
    As escavações da Vila Torlônia demostraram com segurança que as catacumbas judaicas foram criadas ao menos 50-60 anos depois das cristãs. Foram os judeus que imitaram os cristãos nesse tipo de sepultura.
    A concepção cristã de morte, ou melhor, o mundo dos mortos sentidos como vivos, faz-nos entrar na mentalidade dos primeiros cristãos, dos moradores do Trastévere de então: externamente eram oleiros, trituradores de trigo, serventes de hospedarias, vendedores de peixe, barqueiros, etc., como todos os demais (sabemos, ainda, que eram estimados pelos seus concidadãos como gente que sabia executar bem os seus deveres). No íntimo de suas consciências, porém, tinham algo de profundamente diverso dos outros.
    Foi encontrada no Cemitério Maior da vida Nomentana, uma bela epígrafe cristã. Externamente, é um pequeno pedaço de mármore que não apresenta características particulares, mas pelos conceitos que exprime tenho-a como um dos achados mais belos. Fala-se nela de um siciliano morto em Roma, que desejou recordar a sua concepção de vida, com estas brevíssimas palavras em grego: “Vivi como sob uma tenda (isto é, vivi provisoriamente) por quarenta anos, agora habito a eternidade”.
    Vemos aqui toda a diferença na concepção de vida entre os cristãos e os pagãos. Para os primeiros tratava-se de entender o presente como uma vida provisória para ir em direção à verdadeira habitação, a verdadeira morada; para os pagãos, a vida tinha um sentido fechado: a morte, de fato, era o seu fim. O momento trágico da morte, tornava-se para os cristãos, o ingresso num ambiente alegre. Jesus compara-o à festa de núpcias. É por isso que os cristãos pintam em seus túmulos rosas, pássaros, borboletas: encontra-se, com freqüência, nas decorações das catacumbas pinturas desse ambiente alegre, sereno, com símbolos que exprimem serenidade e tranqüilidade.

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  21. 2. AS PERSEGUIÇÕES CONTRA OS CRISTÃOS
    Teresio Bosco

    Uma superstição nova e maléfica

    A primeira tomada de posição do Estado Romano contra os Cristãos remonta ao imperador Cláudio (41-54 d.C). Os historiadores Suetônio e Dione Cássio referem que Cláudio mandou expulsar os judeus porque estavam continuamente em litígio entre si por causa de um certo Chrestos. «Estaríamos diante das primeiras reações provocadas pela mensagem cristã na comunidade de Roma», comenta Karl Baus.
    O historiador Gaio Suetônio Tranquilo (70-140 c.), funcionário imperial de alto nível sob Trajano e Adriano, intelectual e conselheiro do imperador, justificará a decisão e as sucessivas intervenções do Estado contra os Cristãos definindo-os como «superstição nova e maléfica»; palavras muito pesadas. Como superstição, o cristianismo é relacionado com as mágicas. Para os romanos ela é aquele conjunto de práticas irracionais que magos e feiticeiros de personalidade sinistra usam para enganar a gente ignorante, sem educação filosófica.
    Magia é o irracional contra o racional, o conhecimento vulgar contra o conhecimento filosófico. A acusação de magia (como também de loucura) é uma arma com que o Estado Romano timbra e submete ao controle os novos e duvidosos componentes da sociedade como o cristianismo.
    Com a palavra maléfica (= portadora de males) é encorajada a obtusa suspeita do povinho que imagina essa novidade (como qualquer novidade) impregnada dos delitos mais inomináveis e, portanto, causa dos males que de vez em quando se desencadeiam inexplicavelmente, da peste aos aluviões, da carestia à invasão dos bárbaros.

    Corpo aberto mas etnia fechada e desconfiada

    O Império Romano é (e manifestar-se-á especialmente nas perseguições contra os Cristãos) como um grande campo aberto, disposto a assimilar qualquer novo povo que abandone a própria identidade, mas também uma etnia fechada e desconfiada. Com a palavra etnia, grupo étnico (éthnos em grego) indicamos um agregado social que se distingue pela língua e cultura, desconfiada em relação a qualquer outra etnia.
    Roma, com sua organização social de livres com todos os direitos e escravos sem qualquer direito, de patrícios ricos e de plebeus miseráveis, de centro explorador e periferia explorada, vive persuadida de ter realizado o sonho de Alexandre Magno: fazer a unidade da humanidade, fazer de cada homem livre um cidadão do mundo, e do império uma “assembléia universal” (oikuméne) que coincide com a “civilização humana”.
    Quem quiser viver fora dela, manter a própria identidade para não se confundir com ela, é excluído da civilização humana. Roma tinha um grande temor dos “estrangeiros”, dos “diferentes” que poderiam pôr em discussão a sua segurança. E assim como estabeleceu a “concórdia universal” com a feroz eficiência de suas legiões, entende mantê-la também a golpes de espada, crucifixões, condenações aos trabalhos forçados, exílios. Numa palavra: Roma usa a “limpeza étnica” como método para tutelar a própria tranqüila segurança de ser “o mundo civil”.

    Nero e os Cristãos vistos pelo intelectual Tácito

    Um incêndio devastou 10 dos 14 bairros de Roma no ano 65. O imperador Nero, acusado pelo povo de ser o seu autor, lançou a culpa sobre os Cristãos. Inicia, assim, a primeira grande perseguição que durará até 68 e verá perecer, entre outros, os apóstolos Pedro e Paulo.
    O grande historiador Tácito Cornélio (54-120), senador e cônsul, descreverá esse acontecimento em seus “Anais”, escrito no tempo de Trajano. Ele acusa Nero de ter injustamente culpado os Cristãos, mas declara-se convencido de que eles merecem as mais severas punições porque a sua superstição os leva a cometer infâmias. Não compartilha nem mesmo daa compaixão que muitos experimentaram ao vê-los torturados. Eis a célebre página de Tácito:
    «Para acabar logo com as vozes públicas, Nero inventou os culpados, e submeteu a refinadíssimas penas aqueles que o povo chamava de cristãos, e que eram mal vistos pelas suas infâmias. O nome deles provinha de Cristo, que sob o reinado de Tibério fora condenado ao suplício por ordem do procurador Pôncio Pilatos. Momentaneamente adormecida, essa superstição maléfica prorrompeu de novo, não só na Judéia, lugar de origem daquele flagelo, mas também em Roma onde tudo que seja vergonhoso e abominável acaba confluindo e encontrando a própria consagração.
    «Foram inicialmente aprisionados os que faziam confissão aberta da crença. Depois, denunciados por estes, foi aprisionada uma grande multidão, não tanto porque acusados de terem provocado o incêndio, mas porque eram tidos como acesos de ódio contra o gênero humano.
    «Os que se encaminhavam à morte estavam também expostos à burla: cobertos de pele de feras, morriam dilacerados pelos cães, ou eram crucificados, ou queimados vivos como tochas que serviam para iluminar as trevas quando o sol se punha. Nero tinha oferecido seus jardins para gozar desse espetáculo, enquanto oferecia os jogos do circo e, vestido como cocheiro misturava-se ao povo ou mantinha-se hirto sobre o coche.
    «Embora os suplícios fossem contra gente culpada, que merecia tais tormentos originais, nascia por eles, um senso de piedade, porque eram sacrificados não em vista de um vantagem comum, mas pela crueldade do príncipe» (15,44).
    Os cristãos eram, portanto, tidos também por Tácito como gente desprezível, capaz de crimes horrendos. Os crimes mais infames atribuídos aos cristãos eram o infanticídio ritual(como se na renovação da Ceia do Senhor, quando alimentavam-se da Eucaristia, sacrificassem uma criança e comessem suas carnes!) e o incesto (clara deformação do abraço da paz que se dava na celebração da Eucaristia “entre irmãos e irmãs”). As acusações, nascidas do mexerico do povo simples, foram assim sancionadas pela autoridade do Imperador, que perseguia os cristãos e os condenava à morte.
    A partir daquele momento (testemunha Tácito) acrescentou-se à conta dos Cristãos um novo crime: o ódio contra o gênero humano. Plínio o Jovem escreverá, ironicamente, que daquele momento em seguida poder-se-ia condenar qualquer um à morte.

    Acusados de ateísmo

    São muito poucas as notícias da perseguição que atingiu os Cristãos no ano 89, sob o imperador Domiciano. É, de particular importância, a notícia trazida pelo historiador grego Dione Cássio, que foi pretor e cônsul em Roma. Ele afirma no livro 67 da sua História Romana que sob Domiciano foram acusados e condenados “por ateísmo” (ateòtes) o cônsul Flávio Clemente e sua mulher Domitila, e com eles muitos outros que «tinham adotado os costumes judaicos».
    A acusação de ateísmo, nesse século, dirige-se a quem não considerava a majestade imperial como divindade absoluta. Domiciano, duríssimo restaurador da autoridade central, pretende o culto máximo à sua pessoa, centro e garantia da “civilização romana”.
    É admirável que um intelectual como Dione Cássio chame de “ateísmo” a recusa do culto ao imperador. Significa que em Roma não se admite nenhuma idéia de Deus que não coincida com a majestade imperial. Quem tem uma idéia diversa é eliminado como gravemente perigoso à “civilização romana”.
    Plínio o Jovem, governador da Bitínia no Mar Negro, estava voltando em 111 de uma inspeção em sua populosa e rica província quando um incêndio devastou a capital, Nicomédia. Muito poderia ter sido salvo se houvessem bombeiros. Plínio relata ao imperador Trajano (98-117): «Cabe-te, senhor, avaliar a necessidade criar uma associação de bombeiros de 150 homens. De minha parte, farei com que essa associação não acolha senão bombeiros…».
    Trajando responde recusando a iniciativa: «Não esqueças que a tua província está nas mãos de sociedades desse tipo. Qualquer que seja o seu nome, qualquer que seja a destinação que quisermos dar a homens reunidos em corporação, isso permite, sempre e rapidamente as hetérias. O temor das hetérias (nome grego das “associações”) prevaleceu sobre o medo dos incêndios.
    O fenômeno era antigo. As associações de qualquer tipo que se transformavam em grupos políticos tinham levado César a interditar todas as associações no ano 7 a. C.: «Quem quer que forme uma associação sem autorização especial, é passível das mesmas penas dos que atacam à mão armada os lugares públicos e os templos». A lei estava sempre em vigor, mas as associações continuavam a florescer: dos barqueiros do Sena aos médicos de Avenches, dos mercantes de vinho de Lion aos trombeteiros de Lamesi. Todas defendiam os interesses de seus inscritos fazendo pressões sobre os poderes públicos.
    Plínio não demorou em aplicar a interdição das hetérias num caso particular que lhe foi apresentado no outono de 112. A Bitínia estava cheia de Cristãos: «É uma multidão de gente de todas as idades, de todas as condições, espalhada pelas cidades, nas aldeias e nos campos», escreve ao Imperador. Continua dizendo que recebeu denúncias dos construtores de amuletos religiosos, perturbados pelos Cristãos que pregavam a inutilidade de tais bugigangas.
    Instituíra uma espécie de processo para conhecer bem os fatos, e tinha descoberto que eles costumavam «reunir-se num dia fixo, antes do levantar-se do sol, cantar um hino a Cristo como a um deus, empenhar-se com juramento a não cometer crimes, a não cometer nem roubos, nem assaltos, nem adultérios, e a não faltar à palavra dada. Eles têm também o hábito de reunir-se para tomar a própria refeição que, apesar dos boatos, é alimento ordinário e inócuo».
    Os cristãos não tinham cessado as reuniões nem mesmo depois do edito do governador que insistia na interdição das hetérias. Continuando a carta (10,96), Plínio refere ao Imperador que nada vê de mal nisso tudo. A recusa, porém, de oferecer incenso e vinho diante das estátuas do Imperador parece-lhe um ato sacrílego de desprezo. A obstinação dos Cristãos parece-lhe «irracional e tola».
    Parece claro, da carta de Plínio, que caíram as absurdas acusações de infanticídio ritual eincesto. Permanecem a de «recusarem a oferecer culto ao Imperador» (portanto de lesa majestade), e da formação de hetérias.
    O Imperador responde: «Os cristãos não devem ser perseguidos por ofício. Sendo, porém, denunciados e reconhecidos culpados, é preciso condená-los». Em outras palavras: Trajano encoraja a fechar um olho sobre eles: são uma hetéria inócua como os barqueiros do Sena e os vendedores de vinho de Lion. Uma vez, porém, que estão praticando uma «superstição irracional, tola e fanática» (como é julgada por Plínio e outros intelectuais do tempo, como Epíteto, e continuam a recusar o culto ao imperador (e portanto consideram-se «estranhos» à vida civil), não se pode fazer de conta que não há nada. Quando denunciados, sejam condenados.
    Continua então (embora de forma menos rígida) o “Não é lícito ser cristão”. Vítimas desse período são seguramente o bispo Simeão de Jerusalém, crucificado quando tinha 120 anos de idade, e Inácio Bispo de Antioquia, levado a Roma como cidadão romano, e aí justiçado. A mesma política, em relação aos Cristãos, é exercida pelos imperadores Adriano (117-138) e Antonino Pio (138-161).

    Marco Aurélio: o cristianismo é uma loucura

    Marco Aurélio (161 – 180), imperador filósofo, passou guerreando 17 dos seus 19 anos de império. Em suas Memórias, em que anotava todas as noites alguns pensamentos «para si mesmo», nota-se um grande desprezo pelo cristianismo. Considerava-o uma loucura porque propunha à gente comum, ignorante, uma maneira de comportar-se (fraternidade universal, perdão, sacrifício pelos outros sem esperar recompensa) que só os filósofos como ele podiam compreender e praticar ao final de longas meditações e disciplinas.
    Ele proibiu, num rescrito de 176-7, que sectários fanáticos, com a introdução de cultos até então desconhecidos, pusessem em perigo a religião de Estado. A situação dos cristãos, sempre difícil, endureceu-se ainda mais com ele.
    As comunidades florescentes da Ásia Menor, fundadas pelo apóstolo Paulo foram submetidas dia e noite a roubos e saques por parte da ralé. Em Roma, o filósofo Justino e um grupo de intelectuais cristãos foram condenados à morte. A florescente comunidade de Lion foi destruída sob a acusação de ateísmo e imoralidade. Pereceram entre torturas refinadas, também, a muito jovem Blandina, e Pôntico de quinze anos.
    Os relatórios que chegaram até nós dão a entender que a opinião pública foi endurecendo em relação aos cristãos. Grandes calamidades públicas (das guerras à peste) despertaram a convicção de que os deuses estivessem encolerizados contra Roma. Quando percebeu-se que os cristãos ficavam ausentes das funções expiatórias, ordenadas pelo Imperador, o furor popular encontrou pretextos para excitar-se contra eles. A mesma situação continuou nos primeiros anos do imperador Cômodo, filho de Marco Aurélio. Sob o reinado de Marco Aurélio, a ofensiva dos intelectuais de Roma contra os Cristãos atingiu o auge.
    «Freqüente e erroneamente – escreve Fábio Fuggiero – acredita-se que o mundo antigo tenha combatido a nova fé com as armas do direito e da política. Numa palavra, com as perseguições. Se isso pode ser verdade (embora apenas em parte) para o primeiro século da era cristã, já não o é a partir de meados do segundo século. Seja o mundo da “gentios” (= pagãos) seja a Igreja compreendem, mais ou menos na mesma época, a necessidade de combater-se e de dialogar no terreno da argumentação filosófica e teológica.
    «A cultura antiga, treinada por séculos em todas as subtilezas da dialética, pode opor armas intelectuais refinadíssimas ao complexo doutrinal cristão e, logo, a própria Igreja, tomando consciência da força que o pensamento clássico exerce como freio da expansão do evangelho, vê a necessidade de elaborar um pensamento filosófico e teológico genuinamente cristão, mas capaz ao mesmo tempo, de exprimir-se numa linguagem e em categorias culturais inteligíveis por parte do mundo greco-romano, no qual se vem inserindo sempre mais».

    As argumentações dos intelectuais anticristãos

    As argumentações de Marco Aurélio (121-180), Galeno (129-200), Luciano, Pelegrino Proteo e, especialmente, Celso (que escreveram suas obras na segunda metade do século segundo) podem-se condensar assim:
    «A ‘salvação’ da insignificatividade da vida, da desordem dos acontecimentos, do aniquilamento da morte, da dor, só pode ser encontrada numa ‘sabedoria filosófica’ por parte de uma elite de raros intelectuais. Trata-se de uma loucura o fato de os cristãos colocarem esta ‘salvação’ na ‘fé’ num homem crucificado (como os escravos) na Palestina (uma província marginal) e declarado ressuscitado.
    «O fato de os cristãos crerem na mensagem do crucificado, que se dirige preferencialmente aos marginalizados e pobres (à ‘poeira humana’) e que pregue a fraternidade universal (numa sociedade bem escalonada em pirâmide e considerada como ‘ordem natural’) é outra loucura intolerável, que incomoda, que revira tudo. É preciso eliminar os Cristãos como transgressores da civilização humana».
    A crítica dos intelectuais anticristãos volta-se contra a própria idéia de “revelação do alto”, não baseada numa “sabedoria filosófica”; contra as Escrituras cristãs, que têm contradições históricas, textuais, lógicas; contra os dogmas “irracionais”; contra o fato do LOGOS de Deus fazer-se carne (Evangelho de João) e submeter-se à morte dos escravos; contra a moral cristã (fidelidade no matrimônio, honestidade, respeito pelos outros, ajuda recíproca), que pode ser alcançada por um pequeno grupo de filósofos, mas não certamente pela massa intelectualmente pobre.
    Toda a doutrina cristã, para esses intelectuais, é loucura, como é loucura a pretensão da ressurreição (ou seja, da prevalência da vida sobre a morte), como é loucura a preferência de Deus pelos humildes e a fraternidade universal. É tudo irracional.
    O filósofo grego Celso, em seu Discurso sobre a verdade, escreve: «Recolhendo gente ignorante, que pertence à mais vil população, os cristãos desprezam as honras e a púrpura, e chegam até mesmo a chamar-se indistintamente de irmãos e irmãs… O objeto de sua veneração é um homem punido com o último dos suplícios e, do lenho funesto da cruz, eles fazem um altar, como convém a depravados e criminosos».

    As primeiras reações dos Cristãos

    Por decênios, os cristãos permaneceram calados. Difundem-se com a força silenciosa da proibição. Opõem amor e martírio às acusações mais infamantes. É no segundo século que seus primeiros apologistas (Justino, Atenágoras, Taciano) negam, com a evidência dos fatos, as acusações mais infamantes, e procuram exprimir a própria fé (nascida em terra semítica e confiada a “narrações”) em termos culturalmente aceitáveis por um mundo embebido de filosofia greco-romana. Os “tijolos” bem alinhados da mensagem de Jesus Cristo começam a ser organizados segundo uma estrutura arquitetônica que possa ser valorizada pelos greco-romanos. Serão Tertuliano, no Ocidente, e Orígenes, no Oriente (terceiro século), a darem uma forma sistemática e imponente a toda a “sabedoria cristã”. Com os “tijolos” da mensagem de Jesus Cristo tentar-se-á delinear a harmonia da basílica romana, como depois, com o passar dos séculos, tentar-se-á delinear a ousadia da basílica gótica, a sólida pacatez da catedral românica, o fasto da igreja barroca…

    A grave crise do terceiro século (200-300)

    O século terceiro vê Roma em gravíssima crise. As relações entre Cristianismo e império romano transformam-se, embora nem todos o percebam. A grande crise é assim descrita pelo historiador grego Herodiano: «Jamais houve, nos duzentos anos passados, um tão freqüente suceder-se de soberanos, nem tantas guerras civis e contra os povos limítrofes, nem tantos movimentos de povos. Houve uma quantidade incalculável de assaltos a cidades no interior do Império e em muitos países bárbaros, de terremotos e pestilências, de reis e usurpadores. Alguns deles exerceram o comando longamente, outros mantiveram o poder por brevíssimo tempo. Algum deles, proclamado imperador e glorificado, permaneceu um só dia e logo desapareceu».
    O Império Romano estendera-se progressivamente com a conquista de novas províncias. A conquista continuada permitira a exploração de sempre novas vastíssimas terras (o Egito era o celeiro de Roma, a Espanha e as Gálias, a sua vinha e o seu olival). Roma apossara-se de sempre novas minas (a Dácia tinha sido conquistada pelas suas minas de ouro). As guerras de conquista tinham providenciado multidões infinitas de escravos (prisioneiros de guerra), mão-de-obra gratuita.
    Em meados do século terceiro (por volta de 250) percebeu-se que a festa acabara. A Leste, formara-se o poderoso império Sassânida, que fez duríssimos ataques aos Romanos. Em 260 foram capturados o imperador Valeriano e todo o seu exército de 70 mil homens, e devastadas as províncias do Leste. A peste acabou com as legiões supérstites e espalhou-se por todo o Império. Ao Norte formara-se um outro aglomerado de povos fortes: os Godos. Espalharam-se pela Mésia e pela Dácia. O Imperador Décio e o seu exército tinham sido massacrados em 251. Os Godos desceram devastando do Norte até Esparta, Atenas, Ravena. Eram terríveis os amontoados de destroços que deixavam. A maior parte das pessoas cultas, que não puderam ser substituídas, perderam a vida ou tornaram-se escravas. A vida regrediu ao estado primitivo e selvagem. A agricultura e o comércio foram aniquilados.
    Nesse tempo de grave incerteza cai a segurança garantida pelo Estado. Agora são os gentios (=pagãos) que se tornam “irracionais”, a confiar não mais na ordem imperial mas na proteção das divindades mais misteriosas e estranhas. Surge no Quirinal, em Roma, um templo à deusa egípcia Isis, o imperador Eliogábalo impõe a adoração do deu Sol, o povo recorre a ritos mágicos para manter a peste distante. Entretanto, mesmo no século terceiro dão-se anos de terríveis perseguições contra os cristãos. Não mais por causa da sua “irracionalidade” (num mar de gente que se entrega a ritos mágicos, o cristianismo é agora o único sistema racional), mas em nome da renascida limpeza étnica. Muitos imperadores, mesmo sendo bárbaros de nascimento, vêem no retorno à unidade centralizada a única via de salvação. E decretam a extinção dos cristãos, sempre mais numerosos, para lançar fora da etnia romana esse “corpo estranho”, que se apresenta sempre mais como uma nova etnia, pronta a substituir aquela que já declina do império fundado nas armas, na rapina, na violência.

    Setímio Severo, Maximino Trace, Décio e Galo

    Com Setímio Severo (193-211), fundador da dinastia siríaca, parece anunciar-se ao cristianismo uma fase de desenvolvimento não perturbado. Muitos cristãos ocupam posições influentes na corte. Só no décimo ano de seu reinado (202), o imperador muda radicalmente de atitude.
    Em 202 surge um edito de Setímio Severo, que comina graves penas à passagem ao judaísmo e à religião cristã. A repentina mudança do imperador pode ser compreendida apenas pensando que ele percebera que os cristão estavam se unindo sempre mais fortemente numa sociedade religiosa universal e organizada, dotada de uma íntima forte capacidade de oposição que a ele, por considerações de política estatal, parece suspeita. As devastações mais vistosas foram sofridas pela célebre escola cristã de Alexandria e pelas comunidades cristãs da África.
    Maximino Trace (235-238) teve uma reação violenta e brutal contra o que tinham sido amigos do seu predecessor, Alexandre Severo, tolerante com os cristãos. A igreja de Roma foi devastada com a deportação às minas da Sardenha dos dois chefes da comunidade cristã, o bispo Ponciano e o presbítero Hipólito.
    A atitude para com os Cristãos não fora alterada entre a gente simples; demonstra-o a verdadeira caça aos cristãos desencadeada na Capadócia quando se acreditava ver neles os culpados de um terremoto. A revolta popular diz-nos o quanto os cristãos ainda fossem considerados “estranhos e maléficos” pelo povo. (Cf. K. Baus, Le origini, p. 282-287).
    Sob o imperador Décio (249-251) desencadeia a primeira perseguição sistemática contra a Igreja, com a intenção de desenraiza-la para sempre. Décio (sucessor de Filipe o Árabe, muito favorável aos cristão, se não ele mesmo cristão), é um senador originário da Panônia, e muito apegado às tradições romanas. Sentindo profundamente a desagregação política e econômica do império, acreditou que podia restaurar a sua unidade recolhendo todas as energias ao redor dos protetores do Estado. Todos os habitantes são obrigados a sacrificar aos deuses e recebem, depois disso, um certificado.
    As comunidades cristãs estão abaladas pela tempestade. Quem recusa-se ao ato de submissão é preso, torturado, justiçado: como o bispo Fabiano em Roma e, com ele, muitos sacerdotes e leigos. Em Alexandria houve uma perseguição acompanhada de saques. Na Ásia, os mártires foram numerosos; entre eles, os bispos de Pérgamo, Antioquia, Jerusalém. O grande estudioso Orígenes foi submetido a uma tortura desumana, e sobreviveu quatro anos aos suplícios, reduzido a uma larva humana.
    Nem todos os Cristãos suportam a perseguição. Muitos aceitam sacrificar. Outros, mediante suborno, obtêm escondidamente os famosos certificados. Entre eles, segundo a carta 67 de Cipriano, estão pelo menos dois bispos espanhóis. A perseguição, que parece golpear até à morte a Igreja, termina com a morte de Décio em batalha contra os Godos na planície de Dobrug (Romênia). (Cf. M. Clèvont, I Cristiani e il potere. P. 179s).
    Os setes anos seguintes (250-257) são de tranqüilidade para a Igreja, perturbada apenas em Roma por uma breve onda de perseguição quando o imperador Trebônio Galo (251-253) manda prender o chefe da comunidade cristã Cornélio, mandando-o em exílio a Centum Cellae (Civitavecchia). Sua conduta foi devida, provavelmente, à condescendência aos humores do povo, que atribuía aos cristãos a culpa pela peste que assolava o império. O cristianismo continuava a ser visto como “superstição” estranha e maléfica! (Cf. K. Baus, Le origini, p. 292)

    Valeriano e as finanças do império

    No quarto ano do reino de Valeriano (257) tem-se um improvisa, dura e cruenta perseguição dos cristãos. Não se tratou contudo de assunto religioso, mas econômico. Diante da precária situação do império, o conselheiro imperial (depois usurpador) Macriano induziu Valeriano a tentar tapar o rombo seqüestrando os bens dos cristãos ricos. Houve mártires ilustres (do bispo Cipriano ao papa Sisto II, ao diácono Loureço). Foi, porém, apenas um furto encoberto por motivos ideológicos, que terminou com o trágico fim de Valeriano. Em 259, ele caiu prisioneiro dos persas com todo o seu exército, foi obrigado à vida de escravo e morreu com tal.
    Os quarenta anos de paz que se seguiram, favoreceram o desenvolvimento interno e externo da Igreja. Muitos cristãos acederam a altos cargos do Estado e demonstraram-se homens capazes e honestos.

    O desastre financeiro cai nos braços de Diocleciano

    Em 271 o imperador Aureliano ordenou aos soldados e cidadãos romanos que abandonassem aos Godos a vasta província da Dácia e suas minas de ouro: a defesa daquelas terras já tinha custado muito sangue.
    Como não existiam mais províncias a conquistar e explorar, todas as tenções voltaram-se para o cidadão comum. Sobre eles abateram-se taxas, corvéias (= manutenção de aquedutos, canais, esgotos, estradas, edifícios públicos…) sempre mais onerosos. Já não se sabia, literalmente, se o trabalho realizado era para sobreviver ou para pagar as taxas.
    Em 284, depois de uma brilhante carreira militar, Diocleciano, de origem dálmata, foi aclamado imperador. Desde então as taxas seriam pagas per capita e per jugero, ou seja, um tanto por cada pessoa e por cada pedaço de terra cultivável.
    A coleta das taxas foi confiada a uma atilada e imensa burocracia, que tornava impossível fugir ao fisco, punia de modo desumano quem conseguia fazê-lo e custava muitíssimo ao estado.
    As taxas eram tão pesadas que tiravam a vontade de trabalhar. A solução foi proibir que se abandonasse o lugar de trabalho, o pedaço de terra que se cultivava, a oficina, o uniforme militar.
    «Teve início, dessa forma – escreve F. Oertel, professor de história antiga na Universidade de Bonn – a feroz tentativa do Estado de espremer a população até à última gota… Sob Diocleciano é realizado um socialismo integral de estado: terrorismo de funcionários, fortíssima limitação da ação individual, progressiva interferência estatal, pesadas taxações».

    Perseguições de Galério em nome de Diocleciano

    Os primeiros vinte anos do reino de Diocleciano não molestaram os cristãos. Em 303, como um golpe de cena, desencadeou-se a última perseguição contra eles. «É obra de Galério, o “César” de Diocleciano», escreve F. Ruggiero. «Ele pôs fim em 303 à política prudente de Diocleciano, que se abstivera, embora nutrisse sentimentos tradicionalistas, de atos intransigentes e intolerantes». Quatro editos consecutivos (fevereiro de 303 – fevereiro de 304) impuseram aos cristãos a destruição das igrejas, o confisco dos bens, a entrega dos livros sagrados, a tortura até à morte para quem não sacrificasse em honra do imperador.
    Como sempre, é difícil determinar os motivos que levaram Diocleciano a aprovar uma política do gênero. Pode-se supor que tenha sido objeto de pressões por parte de ambientes pagãos fanáticos, que estavam por detrás de Galério. Numa situação de “angústia difusa” (como diz Dodds), só o retorno à antiga fé de Roma poderia, segundo Galério e seus amigos, unificar o povo e persuadi-lo a enfrentar tantos sacrifícios. Era preciso retornar às vetera instituta, isto é, às antigas leis e à tradicional disciplina romana.
    A perseguição atingiu a sua máxima intensidade no Oriente, especialmente na Síria, Egito e Ásia Menor. A Diocleciano, que abdicou em 305, sucedeu como “Augusto” Galério, e como “César” Maximino Daia, que se demonstrou mais fanático do que ele.
    Só em 311, seis dias antes de morrer de câncer na garganta, Galério emanou um irritado decreto com que detinha a perseguição. Com o decreto (que marcou historicamente a definitiva liberdade de ser cristão), Galério deplorava o obstinação, a loucura dos cristãos, que em grande número se tinham recusado a retornar à religião da antiga Roma; declarava que perseguir os cristãos tornara-se inútil; e exortava-os a rezar ao próprio Deus pela saúde do imperador.
    Comentando o decreto, F. Ruggiero escreve: «Os cristãos foram um inimigo extremamente anômalo. Por mais de dois séculos Roma tinha procurado assimilá-los ao próprio tecido social… estavam fisicamente no interior da civitas Romana, mas por motivos diversos eram-lhe estranhos»; tinham finalmente determinado «uma radical transformação da própria civitas em sentido cristão».

    A profunda revolução

    As últimas perseguições sistemáticas do terceiro e quarto séculos resultaram ineficazes como aquelas esporádicas do primeiro e segundo séculos. A limpeza étnica invocada e apoiada pelos intelectuais greco-romanos não fora realizada. Porque?
    Porque, à distância, as acusações indignadas de Celso resultaram o melhor elogio aos Cristãos: «recolhendo gente ignorante, pertencente à população mais vil, os cristãos desprezam as honras e a púrpura, e chegam até mesmo a chamar-se indistintamente de irmãos e irmãs».
    O apelo à dignidade de toda pessoa, mesmo a mais humilde, a igualdade diante de Deus (o ponto mais revolucionário da mensagem cristã) tinha feito silenciosamente o seu caminho na consciência de tantas pessoas e de tantos povos, que os Romanos tinham relegado a posições miseráveis de nascidos escravos e de lixo humano.

    Bibliografia essencial: K.BAUS Le origini, Jaca Book; F. RUGGIERO La Follia dei Cristiani, Il Seggiatore; T. BOSCO, Eusebio di Vercelli nel suo tempo pagano e cristiano, Elle Di Ci; J. DANIELOU, H. MORROU, Dalle origini a S. Gregorio Magno, Marietti; M. CLEVENOT,Gli uomini della fraternità, 1-2, Borla.
    Dimensioni nuove, LDC, 10096 Leumann, Torino, N.7, 1996, p.29-39

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  22. 2. A questão de Hipólito

    Segundo a tradição aceita por mais de um século pela crítica histórica, Hipólito, expoente prestigioso da comunidade cristã de Roma, teólogo douto do Logos e fautor de uma rígida disciplina moral, entrou em conflito com o bispo Zeferino e, principalmente, com o seu sucessor Calisto.
    Às divergências doutrinais, atestadas pela Confutação de todas as heresias, teriam sido acrescentados motivos pessoais de indisfarçável inveja, porque Calisto lhe fora preferido como bispo de Roma. A oposição chegou à total ruptura. Hipólito fez-se ordenar bispo e fundou uma igreja própria, levando parte do clero e dos fiéis de Roma ao cisma. Hipólito teria sido assim o primeiro “antipapa” da história. O cisma continuou durante o pontificado de Ponciano (230-235), que porém, como veremos, conseguiu reconduzir Hipólito e seu grupo à unidade da Igreja.

    Ambos, Ponciano e Hipólito, foram envolvidos na perseguição desencadeada contra os cristãos por Maximino Trácio, segundo Eusébio, «por ódio à casa de Alexandre Severo, formada em sua maior parte de cristãos». Assim, à morte de Alexandre em 235, Ponciano e Hipólito foram exilados na Sardenha e condenados ad metalla.
    Ponciano, primeiro caso na história, demitiu-se como bispo de Roma. A demissão teria sido, antes de tudo, para não deixar a Igreja em dificuldade com a sua ausência forçada, mas também para tornar mais fácil o retorno de Hipólito à comunidade. Ponciano teve, com isso, a alegria de acolher Hipólito reconciliado, e ambos compartilharam a palma do martírio.
    Finalmente, na lista das Deposições dos bispos de Roma, que precede o Liber Pontificalis,lê-se que Hipólito foi deposto in Tiburtina, enquanto o bispo Ponciano foi deposto nas Catacumbas de Calisto.

    A reconstrução baseia-se, na realidade, numa hábil combinação de fontes. Ela representa o resultado extremo de uma confusão de personagens, provavelmente homônimos, que se deveria ter verificado muito cedo. Foram vítimas dela os primeiros historiadores da Igreja, Eusébio e Jerônimo, no século IV. Eusébio, em particular, fala de Hipólito como do «chefe de uma igreja», e refere um certo número de suas obras literárias, entre as quais umCômputo Pascal; Jerônimo explicita que Hipólito foi bispo, mas confessa não ter conseguido identificar a sede.
    A confusão de personagens foi agravada por dois fatos, que trazem duas datas simétricas: 1551 e 1851.
    Em 1551 veio à luz uma estátua muito mutilada de um personagem em trono. O trono tinha incididas algumas inscrições em seus dois lados e na parte alta superior direita. Lia-se aí uma lista de obras e um Cômputo Pascal, logo identificado como aquele atribuído por Eusébio a Hipólito. Restaurando a estátua entre 1564 e 1565, Pirro Ligório deu-lhe o nome de «Hipólito, bispo de Porto, que viveu durante o reinado de Alexandre imperador». De aqui a atribuição a Hipólito da lista de obras incisas no trono, juntamente com o Cômputo Pascal.
    Em 1851, por sua vez, E. Miller publicou pela primeira vez a Confutação de todas as heresias,. sob o nome de Orígenes. O primeiro livro era conhecido desde 1701; o segundo e o terceiro faltam ainda hoje; os livros quarto a décimo, encontrados num códice grego do Monte Athos encontram-se agora em Paris. O bloco dos dez livros foi logo atribuído ao mesmo Hipólito, figurado na estátua descoberta trezentos anos antes.
    A brilhante reconstrução, selada pela autoridade de A. von Harnack e recebida geralmente pelos manuais, acabou por identificar Hipólito como autor muito prolífico, comparável a Orígenes pela vastidão de interesses, se não pela profundidade especulativa, exegeta e pregador, escritor anti-herético, cronista e polemista.
    Pela dificuldade, entretanto, de reconduzir a um único autor obras cultural, teológica e lingüisticamente diversas, essa reconstrução manifestou-se com uma cunha capaz de demolir toda a construção.
    O primeiro ataque à “tradição” foi desferido em 1947 por P. Nautin; outros dois, em 1976 e em 1988 por um grupo de estudiosos italianos, entre os quais V. Loi, falecido prematuramente, M. Simonetti e, quanto à estátua, M. Guarducci.

    Qualquer hipótese que se queira adotar no momento atual, quanto à “questão de Hipólito”, está longe de uma solução satisfatória em todos os seus aspectos, embora a proposta de Loi e Simonetti de repartir as obras referidas a Hipólito entre dois escritores homônimos pareça interpretar melhor que outras os dados de que dispomos.
    Segundo a hipótese, que parece muito verossímil, seria preciso distinguir pelo menos dois Hipólitos: um Hipólito asiático, ao qual deve ser atribuído sobretudo o bloco de obras exegéticas, e um Hipólito romano, que poderia coincidir com o mártir, do qual se fala na lista das Deposições. Não há razão para duvidar da existência histórica, do martírio e dadeposição deste Hipólito, mesmo se os dados da sua biografia devam ser submetidos a uma atenta avaliação crítica.

    Conclusões

    A memória histórica das Catacumbas calistianas tem permitido evocar um “corte vertical” vivo e interessante da comunidade cristã de Roma nos inícios do terceiro século.
    Podemos tirar daí pelo menos duas ordens de reflexões, que poderão ser de alguma utilidade para os agentes culturais e pastorais que acompanharão os peregrinos às Catacumbas.

    Antes de tudo uma reflexão geral de método. Os primeiros séculos da Igreja, particularmente as memórias das Catacumbas, são enfrentados, muitas vezes, de maneira “pré crítica”. Deixa-se ainda muito espaço a historinhas edificantes, que não se regem à análise histórica. A emoção superficial, que entra em crise diante da ciência, corre então o risco de tornar-se “pedra de tropeço”, em vez de ocasião de crescimento na fé.
    Será oportuno, deste ponto de vista, rever cuidadosamente também os subsídios para os peregrinos.

    Trata-se, na verdade, de um esforço louvavelmente iniciado: sirva de exemplo o afortunado volume de A. Baruffa, As Catacumbas de S. Calisto. História – Arqueologia – Fé, impresso em terceira edição pela Livraria Editora Vaticana, e já traduzido em diversas línguas.

    A outra reflexão refere-se aos conteúdos que tratamos. Qual o ensinamento que se pode tirar deles? Mais em geral, que tipo de magistério se pode tirar da história da Igreja antiga?
    A questão é muito complexa, e exige uma resposta articulada.
    Para recolher a herança e o ensinamento da Igreja antiga é preciso, de fato, superar dois riscos extremos, opostos entre si. De um lado, há o risco de quem pretende buscar fórmulas idealizadas nas origens cristãs, ou receitas imediatamente utilizáveis no hoje da Igreja.

    Vice-versa, as “histórias” paradigmáticas de Calisto e de Hipólito demonstram que a Igreja peregrina no mundo é epifania do divino e do humano: a boa semente cresce em seu campo, mas o inimigo semeou nele a cizânia. Assim, o recurso à experiência da Igreja antiga jamais poderá exonerar o crente de um discernimento sério.
    É verdade, por exemplo, que perante a sociedade dos séculos II-III, os cristãos viram-se como sujeitos de uma “nova cultura” em confronto próximo entre herança clássica e mensagem evangélica; mas as soluções patrísticas do diálogo entre fé e cultura (como demonstram a personalidade de Calisto e, enquanto podemos saber, a de Hipólito), não foram unívocas. Em todo caso, elas devem ser avaliadas como «realizações históricas e, como tais, não possuem outro magistério que aquele, altíssimo por si mesmo, da história» (R. Cantalamessa).
    O outro risco é o de quem não está disposto a aceitar o “carisma das origens”.
    Da nossa parte, estamos convencidos de que o estudo dos antigos testemunhos cristãos é importante e até mesmo imprescindível para a Igreja de qualquer tempo.

    O período das origens, de fato – do qual Nicéia representa por muitos aspectos um horizonte objetivo -, conserva o seu carisma: é o momento em que o depósito da fé apostólica se consolida na tradição da Igreja.
    Para ficar num exemplo citado acima, é preciso reconhecer que o encontro entre fé e cultura deu frutos decisivos nos primeiros séculos, que jamais poderão ser esquecidos, nos planos da linguagem, da recuperação das diversas culturas e de toda a história, da individualização de uma comum “alma cristã” no mundo e da formulação de novas propostas de convivência humana.

    O recurso atento e vigilante à «Igreja das Catacumbas» continua, por isso, muito útil para compreender e interpretar a nossa estação eclesial, já às portas do terceiro milênio.

    Enrico dal COVOLO é diretor e decano do Pontifício Instituto Altioris Latinitatis (Faculdade de Letras Cristãs e Clássicas da Universidade Pontifícia Salesiana), professor ordinário de Literatura Cristã Grega Antiga, membro da Comissão Teológica e Histórica do Grande Jubileu, autor de “Os Severos e o Cristianismo”, “Igreja, Sociedade e Política”, “História da teologia”, “Introdução ao estudo dos Padres da Igreja”.
    E-Mail: Lettere@ups.urbe.it

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  23. APROFUNDAMENTOS E PESQUISAS

    1. Calisto e a sua Comunidade nos inícios do3º século
    A vida movimentada de Calisto (escravo, banqueiro falido, condenado, diácono, papa) na Igreja das origens.

    2. As perseguições contra os Cristãos
    A história das perseguições de Nero a Diocleciano por parte da Autoridade Romana, do povo e dos intelectuais.

    3. Os papas do complexo calistiano
    A história da Igreja de Roma testemunhada pelos papas mártires e santos do 3º século.

    4. Habitar a eternidade
    Confronto entre a concepção cristã e pagã da morte e da vida além da morte.

    5. Oração, esperança, devoções
    Aspectos da espiritualidade cristã – a devoção à Virgem

    6. A “fractio panis”
    A imagem da Eucaristia nas Catacumbas de S. Calisto e de Priscila

    7. O Batismo como ressurreição
    O antigo rito do Batismo exprime melhor a morte ao pecado e o renascimento à vida nova.

    8. A graça do perdão
    A representação do galo que recorda o pecado de Pedro afirma a vontade de perdão na Igreja primitiva.

    9. Os màrtires da igreja

    1. AS CATACUMBAS EM VISTA DO GRANDE JUBILEU
    Calisto e sua comunidade nos inícios do século terceiro
    Enrico dal Covolo

    Introdução

    As Catacumbas foram definidas “os grandes arquivos” da Igreja. Elas representam o mais conspícuo testemunho monumental da fé cristã das origens, e são o templo dos primeiros mártires que chancelaram, com o sangue, a fidelidade ao próprio Mestre.
    «Estes monumentos», disse João Paulo II numa recente audiência à Pontifícia Comissão de Arqueologia Sacra, «revestem um alto significado histórico e espiritual. Visitando estes monumentos, entra-se em contato com traços sugestivos do cristianismo dos primeiros séculos e pode-se, por assim dizer, tocar com as mãos a fé que animava as antigas comunidades cristãs… Como não comover-se diante de vestígios humildes, mas tão eloqüentes, das primeiras testemunhas da fé?»
    Considerando depois a meta do ano 2000, o Papa concluía: «O olhar projeta-se agora ao encontro histórico do Grande Jubileu, no qual as Catacumbas de Roma aparecerão como lugares privilegiados de oração e peregrinação… Junto às grandes basílicas romanas, as Catacumbas deverão representar uma meta irrenunciável para os peregrinos do Ano Santo».
    Dessa forma, do modo mais oportuno, o Santo Padre relacionava a sua referência às Catacumbas com o que tinha escrito na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente: «A Igreja do primeiro Milênio», lê-se em seu n. 37, «nasceu do sangue dos mártires: ‘Sanguis martyrum, semen christianorum”. Os acontecimentos históricos, ligados à figura de Constantino o Grande, jamais teriam podido garantir o desenvolvimento da Igreja, como foi verificado no primeiro Milênio, se não houvesse aquela semeadura de mártires e aquele patrimônio de santidade que caracterizaram as primeiras gerações cristãs».
    As notas que aqui propomos entendem evocar situações e personagens da comunidade cristã de Roma nos inícios do século segundo. Um papel privilegiado é ocupado pelo bispo Calisto (217-222), que deu o próprio nome às famosas Catacumbas da Via Appia.

    1. A história de Calisto

    Conforme o Liber Pontificalis (a seção que nos interessa foi compilada no século VI), Calisto era natione Romanus, ex patre Domitio, de regione Urberavennantium: tinha nascido, portanto, no Trastevere, região portuária de Roma, onde alojavam-se os marinheiros da frota de Ravena.
    O “primeiro ato” da sua história é narrado por uma fonte tudo mais que imparcial. Trata-se de uma série pseudo originiana de livros Confutação de todas as heresias, publicados pela primeira vez em Oxford em 1851. Foram, em seguida, atribuídos a um certo Hipólito de quem falaremos mais adiante.
    Segundo o livro nono dessa obra, nos tempos do imperador Cômodo (180-192), Calisto vive em Roma como escravo de Carpóforo, por sua vez liberto da casa imperial. Passa por dois processos, um pela falência do banco de Carpóforo, outro por ultrajes durante as funções religiosas dos judeus. Condenado ad metalla na Sardenha, é libertado pelo interesse de Márcia, concubina do imperador.

    O “segundo ato” da sua história leva-nos a Roma. Zeferino, sucessor do papa Vítor (189-199), designa Calisto para o complexo das Catacumbas da via Appia: encargo de prestígio e mediação entre a comunidade cristã de Roma, que possuía e administrava legalmente o imóvel em força dos direitos de associação, e as autoridades civis. À morte de Zeferino, em 217, Calisto é eleito bispo. Empenha-se a fundo no diálogo, certamente não fácil, com duas linhas teológicas opostas da comunidade romana: de um lado, os partidários do Logos e da sua substância pessoal, de outro, os defensores da monarquia, isto é, da unidade rígida de Deus. O risco extremo dos primeiros era o «diteísmo» (confessar dois deuses, o Pai e o Filho), enquanto o risco dos outros era o «modalismo» (o Pai e o Filho não seriam senão dois «modos de manifestar-se» do único Deus). Entre os defensores do Logos, o autor daConfutação coloca a si mesmo, acusando o pontífice de participar da corrente oposta. «Depois da morte de Zeferino», atesta nossa fonte, «pensando ter conseguido aquilo que aspirava [isto é, o episcopado], Calisto excomungou Sabélio», delfim da heresia monarquianista, «pensando que pudesse afastar de si mesmo a acusação de heterodoxia por parte da Igreja: de fato, ele era um impostor sem escrúpulos, e, por algum tempo, conquistou todos da sua parte. Tinha o coração cheio de veneno e a mente vazia de idéias. Envergonhava-se até de dizer a verdade, porque nos tinha publicamente insultado como diteístas e, de outro lado, era continuamente acusado por Sabélio de ter traído a fé primeira».
    O testemunho, viciado gravemente pela paixão do autor, é útil, porém, para reconstruir a extrema dificuldade encontrada pelo bispo Calisto, que certamente não era um especulativo, mas sentia gravemente a responsabilidade do seu serviço. De fato, o seu comportamento manifesta o pastor, muito mais do que o teólogo.
    Enquanto parece-lhe possível, o pontífice procura um caminho intermédio, que permita o pluralismo teológico e salve a comunhão eclesial. Quando percebe, porém, que o compromisso é perigoso para a ortodoxia, excomunga as duas alas extremas (Sabélio primeiramente, e depois o próprio autor da Confutação), reforçando assim a comunhão no corpo da Igreja.
    Calisto, pois, bem diversamente de como aparece no livro nono da Confutação, manifesta-se pastor prudente e solícito, capaz de governar com energia a comunidade que lhe fora confiada.

    O “último ato” da história de Calisto revela o pastor, que dá a vida pelas suas ovelhas. Deixamos aqui a Confutação de todas as heresias e consideramos os Acta Martyrii dos pontífices.
    Embora marcados por traços hagiográficos e legendários de elaboração tardia, esses Atossão provavelmente os únicos, entre os tantos que se referem ao império de Alexandre Severo (222-235), que contenham um «núcleo» historicamente aceitável e uma referência correta aos imperadores em questão (o próprio Alexandre e o seu predecessor Antonino Elagábalo). Ora, segundo resulta da fonte, parece que em 222 – no mesmo contexto cronológico, então, das sublevações que acompanharam o trágico fim de Elagábalo e de sua mãe Soêmia – o pontífice foi jogado para fora da casa em que habitava no Trastévere, lançado num poço, e ali delapidado (… per fenestram domus praecipitari, ligatoque ad collum eius saxo, in puteum demergi, et in eo rudera cumulari).

    A narração dos Atos é substancialmente confirmada pelas campanhas de escavação e pelos relatórios de A. Nestori (1968-1985) relativas às Catacumbas de Calepódio, na via Aurélia.
    Como se sabe, Calisto não foi sepultado em “suas” Catacumbas, evidentemente porque os cristãos de Trastévere acharam mais cômodo depuseram seus despojos (com os dos sacerdotes Calepódio e Asclepíades, mortos com ele) na via Aurélia, e não na via Appia.
    Ora, a descoberta da sepultura original de Calisto – transformada no século IV pelo papa Juliano em basílica cemiterial – chega a confirmar a afirmação peremptória da Depositium Martyrum (14 de outubro), segundo a qual Calisto foi deposto na terceira milha da via Aurélia.
    As escavações de Nestori, enfim, voltaram a propor ao estudo algumas pinturas da basílica cemiterial que remonta, o mais tardiamente, aos séculos VII-VIII o que, por sua vez, confirmam a dinâmica cruel do martírio transmitido pelos Atos (cenas da delapidação no poço e da deposição do mártir).

    A história de Calisto, porém, não acaba com a sua morte, se for verdadeiro que os cristãos, em litígio com os taberneiros do Trastévere (a região portuária era célebre pela quantidade de caelle vinariae e de popinae), apelaram às vias legais a fim de usufruírem do lugar santificado pelo seu martírio para o exercício do culto. O imperador Alexandre Severo, que sucedeu Elagábalo em 222, tomou posição oficial para que o litígio fosse resolvido em favor dos cristãos: «Declarou (rescripsit) ser mais oportuno que aquele lugar fosse dedicado, de algum modo, ao culto divino, mais do que dado aos popinarii», envolvendo-se pessoalmente na causa. Era bem conhecida, de fato, a tolerância, se não até mesmo a simpatia, de Alexandre Severo em relação aos cristãos.
    Matthiae, em seu célebre volume sobre As igrejas de Roma do IV ao X século, chega a afirmar que, entre os primeiros centros culturais cristãos da urbe, «o mais antigo, daqueles que hoje podemos conhecer com absoluta certeza as origens históricas e, com uma boa aproximação, determinar o lugar, é o titulus Callisti… Junto à atual S. Maria in Trastévere,a pequena igreja de S. Calisto poderia marcar o lugar exato onde surgia o antigo título».
    Muito mais tarde, no século IX, os corpos dos mártires Calisto e Calepódio foram transladados justamente à igreja de Santa Maria in Trastévere. Desde, então, Calisto repousa junto à sua casa.

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  24. (1) cf. Missal Romano, Prefácio dos Mártires.
    (2) Os lapsos (= caídos) eram aqueles cristãos que tinham evitado as torturas durante as perseguições renegando a própria fé em Jesus Cristo.
    (3) Novacianos: seita herética que recebe o nome de seu chefe, o antipapa Novaciano (251-258). Recusavam o perdão àqueles Cristãos que tinham renegado a fé durante as perseguições.
    (4) Donatistas: seita herética que teve origem em Cartago. Recebe o nome do seu principal expoente, Donato. Negavam a validade dos Sacramentos administrados por pessoas heréticas ou moralmente indignas (em pecado mortal).

    Desde o início do Cristianismo, os meus predecessores amaram as catacumbas. O papa Zeferino, por primeiro, quis criar uma delas na via Appia para a Comunidade de Roma, confiando o seu cuidado ao diácono Calisto, que, eleito Papa, legou o seu nome àquele que se tornou o maior complexo catacumbal romano.

    O papa São Dâmaso, durante o seu pontificado, procurou as sepulturas dos mártires para decorá-las, e compôs para elas esplêndidos epitáfios métricos que exaltavam as gestas daquelas audaciosas testemunhas do Evangelho. Mesmo quando depois das invasões bárbaras, as catacumbas conheceram uma espécie de abandono forçado, algumas delas permaneceram meta ininterrupta de peregrinações. As áreas, onde conservam-se as sepulturas dos mártires, tornaram-se, durante os séculos da alta idade média, lugares de devoção para os peregrinos vindos da Itália, da Europa, e da bacia do Mediterrâneo.

    3. A nova descoberta das catacumbas, como objeto de estudo e de reflexão espiritual, aconteceu porém a partir do final de 1500, quando um grupo de eruditos formou um ativo círculo cultural ao redor da grande personalidade de São Felipe Neri. O “Cristóvão Colombo das catacumbas romanas” – como é definido – foi o arqueólogo maltês Antonio Bosio, que individualizou bem trinta dos sessenta cemitérios cristãos da Urbe.

    Desde então, o interesse pelas catacumbas jamais deixou de existir e tocou o seu vértice pela metade século passado, quando, pelo feliz encontro de duas grandes personalidades, o Pontífice Pio IX e o arqueólogo Giovanni Battista de Rossi, nasceram a Arqueologia Cristã, como disciplina histórica e científica, e a Comissão de Arqueologia Sacra,instituída em 6 de janeiro de 1852 para uma mais eficaz tutela e vigilância dos cemitérios e dos antigos edifícios cristãos de Roma e do subúrbio, e para uma sistemática escavação e exploração dos mesmos cemitérios.

    Os resultados vieram confortar os generosos esforços. O Papa Pio IX, impressionado pelas importantes descobertas efetuadas pelo de Rossi naqueles anos no complexo de São Calisto – onde fora descoberto o cubículo que acolhia as sepulturas de muitos Pontífices do III século -, quis visitar pessoalmente as escavações e, detendo-se em oração diante daquelas santas sepulturas, comoveu-se até às lágrimas.

    Juntamente com as grandes basílicas romanas, as catacumbas deverão representar uma meta irrenunciável para os peregrinos do Ano Santo. Sou grato à Comissão de Arqueologia Sacra que está se empenhando ativamente. Em particular ela está fazendo o possível para tornar acessíveis novas catacumbas e outros monumentos.

    Colho de boa vontade a ocasião para manifestar um vivo apreço aos responsáveis e aos membros da Pontifícia Comissão de Arqueologia Sacra, como também aos Diretores das catacumbas de Roma, com um pensamento especial aos dependentes, os “fossários”, que com perícia e dedicação desenvolvem o seu delicado trabalho. A todos vai a expressão do meu vivo reconhecimento. Obrigado pelos vossos esforços e pela qualificada contribuição que, com a vossa atividade, ofereceis à evangelização.

    Confio-vos e o vosso trabalho à materna proteção de Maria, Regina dos Mártires, enquanto concedo de coração a cada um de vós e às vossas famílias, uma especial Bênção Apostólica”.

    O peixe ídentifica-se com Cristo e alude ao sacramento do Baptismo, segundo quanto recorda Tertuliano, que compara os fiéis aos peixinhos, que adquirem a salvação nascendo e permanecendo na água (De baptismo, 1, 3).

    5. As catacumbas conservam, entre outras coisas, os túmulos dos primeiros mártires,testemunhas de uma fé límpida e muito sólida, que os levou, como «atletas de Deus», a vencer a prova suprema. Muitos sepulcros dos mártires ainda são conservados no interior das catacumbas e gerações de fiéis detiveram-se em oração diante deles. Também os peregrinos do Jubileu do Ano 2000 irão aos túmulos dos mártires e, elevando as orações aos antigos defensores da fé, hão-de voltar o seu pensamento para os «novos mártires»,para os cristãos que, no passado não muito distante e também nos nossos dias, são submetidos a violências, injustiças, incompreensões porque querem permanecer fiéis a Cristo e ao seu Evangelho.
    No silêncio das catacumbas, o peregrino do Ano 2000 pode reencontrar ou reavivar a própria identidade religiosa numa espécie de itinerário espiritual que, iniciando com os primeiros testemunhos da fé, o leva até às razões e às exigências da nova evangelização.
    Caríssimos, a consciência destes valores há pouco acenados, mas que bem conheceis, vos sustente no vosso característico serviço eclesial e cultural. Para isto, enquanto invoco sobre vós a solícita assistência de Maria Santíssima, a todos concedo de coração uma especial Bênção Apostólica, que faço extensiva também às pessoas que vos são queridas.

    (L’Osservatore Romano)

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  25. AS LADAINHAS DOS MÁRTIRES E DOS SANTOS DAS CATACUMBAS DE SÃO CALISTO

    INTRODUÇÃO

    A invocação dos Mártires e dos Santos, em coros alternados entre ministros e assembléia, é uma forma singular de “oração dos fiéis”, expressão de um dos alegres artigos da nossa fé: a comunhão dos Santos.
    Esta série litânica quanto à escolha dos nomes vai apenas à memória dos Mártires e dos Santos que foram sepultados nas Catacumbas de São Calisto. Foram estes justamente as Testemunhas da fé que, com tantos outros seus Irmãos, deram origem à comunidade cristã de Roma. O seu sangue foi, segundo a conhecida expressão de Tertuliano, semente de novos cristãos.
    Os Mártires e os Santos são venerados e invocados pelas Igrejas particulares em geral no “dies natalis”, isto é, no dia do seu nascimento para o céu. Uma praxe constante da Igreja é a de reunir-se em assembléia litúrgica tanto no lugar onde os Mártires tinham dado testemunho de fé em Deus, como nos lugares de suas gloriosas sepulturas.
    “Confortada pelo testemunho dos Mártires e dos Santos, a Igreja, peregrina sobre a terra, enfrenta todos os dias o bom combate da fé para participar da mesma coroa de glória, e implora a misericórdia do Pai que revela nos fracos a sua potência e dá aos inermes a força do martírio” (1).
    A finalidade das Ladainhas é endereçar as súplicas do povo cristão a Cristo e aos seus amigos prediletos, os Mártires e os Santos. Toda ladainha é sempre precedida da invocação a Deus trino e único e a Cristo Senhor; segue-se a memória da Santa Mãe de Deus, “em quem a Igreja admira e exalta o fruto mais excelso da redenção”. Enfim, são nomeados os Papas, Bispos, Mártires e as Virgens sepultadas no Cemitério de São Calisto.
    Unem-se nesta oração litânica, em comunhão de louvor e de súplica, os membros da Igreja itinerante e os que já contemplam a face de Deus. Esta comunhão tem o momento mais forte na Eucaristia quando o céu e a terra, os anjos, os santos e todos os fiéis em caminho, associam-se ao único louvor por meio de Cristo Senhor, na unidade do Espírito Santo, para a glória de Deus Pai.

    O CULTO DOS MÁRTIRES

    A Igreja de Esmirna (Turquia), após o martírio de seu bispo Policarpo e de onze fiéis, mortos em 156 (ou 157), informava “a Igreja de Deus, peregrina em Filomelio na Frígia, e todas as comunidades da santa Igreja universal” sobre o fim glorioso dos mártires, e acrescentava:
    “Nós veneramos dignamente os Mártires enquanto discípulos e imitadores do Senhor e pela sua suprema fidelidade para com o próprio Rei e Mestre; e seja-nos também permitido ser seus companheiros e discípulos. Após recolher os ossos de Policarpo, mais preciosos do que pedras raras, e mais puros do que o ouro fino, depusemo-las lá onde era de rito. E reunindo-nos ali sempre que nos for possível, exultantes e alegres, o Senhor haverá de permitir-nos festejar a data do martírio deles, em memória de quantos já enfrentaram a mesma luta e como exercício e preparação de quantos haverão de enfrentá-la no futuro” (Martyrium Polycarpi: XVII, 3; XVIII, 2-3).
    Com os mesmos sentimentos desses nossos irmãos de Esmirna queremos rezar junto às sepulturas dos gloriosos Mártires das Catacumbas de São Calisto e celebrar na alegria o seu “dies natalis”. Graças à sua intercessão a nossa fé haverá de tornar-se mais sólida para enfrentar as provas da vida.

    AS LADAINHAS

    Nós te rendemos graças, ó Deus Pai onipotente, por ter-nos dado Irmãos, que testemunharam o próprio amor por Ti com uma vida santa, e muitos até à efusão do sangue. O seu exemplo ilumine e sustente a nossa caminhada até o dia em que chegaremos à Jerusalém celeste. Por Cristo nosso Senhor. Amém.

    Senhor, piedade…………… Senhor, piedade.
    Cristo, piedade…………….. Cristo, piedade.
    Senhor, piedade……………. Senhor, piedade.

    Santa Maria Mãe de Deus e Rainha dos Mártires, ……….. Roga por nós.
    São José, “homem justo”, esposo da Mãe de Deus e guarda de Jesus,
    Santos Pedro e Paulo, mártires de Cristo, colunas e fundamento da Igreja de Roma

    PAPAS MÁRTIRES

    S. Calisto I, papa e mártir, guarda dos irmãos de fé aqui sepultados,
    S. Ponciano, papa e mártir, condenado às minas,
    S. Fabiano, papa e mártir, organizador da Igreja romana,
    S. Cornélio, papa e mártir, “modelo de humildade, paciência e bondade”,
    S. Sisto II, papa e mártir, morto por Cristo na área destas Catacumbas,
    S. Eusébio, papa e mártir, misericordioso para com os lapsos (2), necessitados de perdão

    DIÁCONOS MÁRTIRES

    Santos Diáconos: Januário, Magno, Vicente, Estêvão, Felicíssimo e Agapito, companheiros no martírio do Papa Sisto II

    FIÉIS MÁRTIRES

    S. Tarcísio, adolescente de fortes ideais e intrépido defensor da Eucaristia,
    S. Cecília, jovem corajosa, que ofereceu a Cristo a própria virgindade,
    S. Sótere, nobre romana, morta pela sua fidelidade ao Evangelho,
    S. Polícamo, glória e decoro da Santa Igreja,
    SS. Calógero e Partênio, fiéis a Cristo a ponto de perder a vida por Ele,
    SS. Marcos e Marceliano, irmãos de sangue e inseparáveis no martírio,
    SS. Cereal, Salústia e 21 Companheiros, defensores da fé contra a heresia novaciana (3)
    SS. Mártires Gregos: Maria, Neone, Hipólito, Ádria, Paulina, Marta, Valéria, Eusébio e Marcelo, dom da Igreja Oriental ao Cemitério de São Calisto,
    Santos e Santas Mártires, sepultados nas Catacumbas de São Calisto

    PAPAS SANTOS

    S. Antérote papa, que viveste todo o teu breve pontificado na prisão,
    S. Lúcio I papa, obrigado ao exílio porque Vigário de Cristo,
    S. Estêvão I papa, guarda da pureza da fé,
    S. Dionísio papa, pai amorável dos irmãos em dificuldade,
    S. Félix I papa, zeloso na obra da evangelização,
    S. Eutiquiano papa, apóstolo da ortodoxia,
    S. Caio papa, amigo dos pobres,
    S. Milcíades papa, defensor da fé contra a heresia donatista (4),
    S. Marcos papa, pastor da Igreja de Roma e promotor do seu calendário litúrgico,
    S. Dâmaso I papa, “piedoso cultor dos Mártires”,
    Todos os santos Papas, que vigiais sobre “o altar de Cristo”

    BISPOS SANTOS

    Santos Bispos: Optato e Numidiano, evangelizadores das terras africanas,
    Santos Bispos: Urbano, Laudiceu, Policarpo e Mano, continuadores da missão dos Apóstolos,
    Vós todos, Santos Bispos, sepultados nas Catacumbas de São Calisto

    FIÉIS SANTOS

    Santos Sacerdotes, que viveram e morreram “na longa paz”,
    Jovens e Crianças, que quisestes conservar a vossa pureza por Cristo,
    Vós, também, pecadores, convertidos à bondade do Pai, lavados no sangue de Cristo e santificados pelo Espírito Santo,
    Vós todas, Almas Santas, cujo corpos repousam no cemitério de São Calisto,

    SANTOS E SANTAS peregrinos às Catacumbas

    Santas Brígida e Catarina da Suécia,
    SS. Carlos Borromeo e Filipe Neri,
    S. João Bosco e Beato Miguel Rua,
    Santas Maria Mazzarello e Terezinha do Menino Jesus,
    Todos os santos peregrinos às Catacumbas de São Calisto e admiradores da fé dos primeiros Cristãos ,

    Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, …….. perdoai-nos, Senhor.
    Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, …….. ajudai-nos, Senhor.
    Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, …… tende piedade de nós.

    OREMOS

    Ó Deus, nosso Pai, que fecundaste com o sangue dos Mártires e abençoaste com a presença de tantos Santos o solo das Catacumbas de São Calisto, pelo luminoso exemplo de tão corajosas Testemunhas conserva-nos na fé, para que possamos recolher e degustar com alegria o fruto do seu sacrifício. Por Cristo nosso Senhor. Amém. (5)

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  26. CORRESPONDÊNCIA ENTRE AS IGREJAS DE ROMA E DE CARTAGO

    Encontram-se na história das Catacumbas de São Calisto alguns protagonistas, personalidades de primeiro nível: os Papas mártires Fabiano, Cornélio, Sisto II, como também o bispo de Cartago, S. Cipriano. A Igreja de Roma e a de Cartago comunicavam-se freqüentemente. É interessante conhecer o conteúdo de algumas cartas para saber o que se diziam esses grandes Pastores e como julgavam o próprio tempo, não certamente tranqüilo.

    1. A Igreja de Roma à Igreja de Cartago

    A Igreja de Roma, no tempo da perseguição do imperador Décio, oferecia à Igreja de Cartago o seguinte testemunho de sua fidelidade a Cristo.

    Roma, inícios de 250.

    “… A Igreja resiste forte na fé. É verdade que alguns cederam, porque impressionados com a ressonância que teriam suscitado pela própria posição social ou pela fragilidade humana. Entretanto, embora separados agora de nós, não os abandonamos em sua defecção, mas ajudamo-los e ainda estamos próximos deles para que se reabilitem pela penitência e recebam o perdão d’Aquele que o pode conceder. Caso os deixássemos ao leu de si mesmos, a sua queda seria irreparável.

    Procurai fazer também do mesmo modo, irmãos caríssimos, dando a mão àqueles que caíram para que se levantem. Assim, se devessem padecer ainda a prisão, sentir-se-ão fortes para confessar dessa vez a fé e remediar o erro anterior.

    Permiti-nos que vos recordemos também qual é a linha a seguir numa outra questão. Aqueles que cederam na prova, se estiverem doentes, e desde que estejam arrependidos e desejosos da comunhão com a Igreja, devem ser socorridos. As viúvas e outros impossibilitados de apresentar-se espontaneamente, como também os que se encontram na prisão ou distantes de suas casas, devem encontrar quem pense neles. Nem sequer os catecúmenos atingidos pela doença devem ficar desencantados em suas expectativas de ajuda.

    Saúdam-vos os irmãos que estão na prisão, os presbíteros e toda a Igreja, que com a máxima solicitude vigia sobre todos os que invocam o nome do Senhor. Mas pedimos, também nós, a retribuição da vossa lembrança” (Carta 8, 2-3).

    2. O Bispo de Cartago à Igreja de Roma

    Quando Cipriano foi informado da morte do Papa Fabiano, escreveu esta carta aos presbíteros e diáconos de Roma.

    Cartago, inícios de 250.

    “Irmãos caríssimos,

    era-nos ainda incerta a notícia da morte daquele meu santo irmão no episcopado, e as informações traziam dúvidas, quando recebi de vós a carta, que me foi enviada através do subdiácono Cremêncio, pela qual era plenamente informado de sua gloriosa morte. Exultei, então, porque à integridade do seu governo seguiu-se um nobre final.

    Em relação a isso, alegro-me muitíssimo também convosco, porque honrais a sua memória com um testemunho tão solene e esplêndido, dando a conhecer também a nós a lembrança gloriosa que tendes do vosso bispo, e oferecendo-nos ainda um exemplo de fé e fortaleza.

    De fato, quanto é danosa para os súditos a queda de quem está como chefe, da mesma forma, ao contrário, é útil e salutar um bispo que se oferece aos irmãos como exemplo de firmeza na fé… Desejo-vos, irmãos caríssimos, que estejais sempre bem” (Carta 9, 1).

    3. Cipriano, bispo de Cartago, ao Papa Cornélio

    Cipriano presta homenagem ao testemunho de coragem e fidelidade demonstrado pelo Papa Cornélio e pela Igreja de Roma: “um luminoso exemplo de união e constância a todos os cristãos”. Prevendo como iminente a hora da prova também para a Igreja de Cartago, Cipriano pede a ajuda fraterna da oração e da caridade.

    Cartago, outono de 253.

    “Cipriano a Cornélio, irmão no episcopado.

    Tomamos conhecimento, irmão caríssimo, da tua fé, da tua fortaleza e do teu claro testemunho. Tudo isso é de grande honra para ti e traz-me tanta alegria a ponto de tornar-me participante e associado aos teus méritos e às tuas empresas.

    Assim como, de fato, una é a Igreja, uno e inseparável o amor, única e inseparável a harmonia dos corações, qual sacerdote ao celebrar os louvores de um outro sacerdote não se alegraria com isso como de uma glória pessoal? E qual irmão não se sentiria feliz da alegria dos próprios irmãos? É certo que não se pode imaginar a exultação e a grande alegria que se deu aqui entre nós quando soubemos de coisas tão belas e conhecemos as provas de fortaleza dadas por vós.

    Foste guia dos irmãos na confissão da fé, e a mesma confissão do guia fortaleceu-se ainda mais com a confissão dos irmãos. Assim, enquanto precedeste aos outros no caminho da glória, e enquanto te mostraste pronto a confessar por primeiro e por todos, persuadiste o povo a confessar a mesma fé.

    Torna-se impossível para nós, então, estabelecer o que devemos mais elogiar em vós, se a tua fé pronta e inabalável ou a inseparável caridade dos irmãos. A coragem do bispo manifestou-se em todo o seu esplendor como guia do seu povo, e apareceu luminosa e grande a fidelidade do povo em plena solidariedade com o seu bispo. Em todos vós a Igreja de Roma deu o seu magnífico testemunho, unida totalmente num só espírito e numa só fé.

    Brilhou assim, irmão caríssimo, a fé que o Apóstolo constatava e elogiava em vossa comunidade. Já então ele previa e celebrava quase profeticamente a vossa coragem e a vossa indomável fortaleza. Já então reconhecia os méritos de que vos tornaríeis gloriosos. Exaltava as empresas dos pais, prevendo as dos filhos. Com a vossa plena concórdia, com a vossa fortaleza, destes luminoso exemplo de união e constância a todos os cidadãos .

    Irmão caríssimo, o Senhor em sua Providência adverte-nos previamente que é iminente a hora da prova. Deus, em sua bondade e em sua preocupação pela nossa salvação, concede-nos as suas benéficas sugestões em vista do nosso próximo combate. Pois bem, em nome daquela caridade, que nos liga reciprocamente, ajudemo-nos, perseverando com todo o povo em jejuns, vigílias e oração.

    São estas as armas celestes que nos fazem permanecer sólidos e perseverantes. São estas as armas espirituais e as flechas divinas que nos protegem.

    Recordemo-nos reciprocamente na concórdia e fraternidade espiritual. Rezemos sempre e em todos os lugares uns pelos outros, e procuremos aliviar os nossos sofrimentos com a caridade recíproca” (Carta 60, 1-2).

    4. Cipriano anuncia a morte do Papa Sisto II

    A Igreja de Cartago mandara alguns eclesiásticos a Roma para colherem notícias a respeito do decreto de perseguição do imperador Valeriano. Retornaram levando a dolorosa notícia da morte do Papa Sisto II. O bispo S. Cipriano preocupou-se em informar logo sobre os fatos à Igreja da África, enviando esta carta ao bispo Sucesso.

    Cartago, agosto de 258.

    “Meu caro irmão,

    não pude enviar-te logo um meu escrito porque nenhum dos clérigos desta Igreja podia mover-se, encontrando-se todos sob a tempestade da perseguição, que porém, graças a Deus, encontrou-os muito dispostos a passarem logo ao céu.

    Comunico-te agora as notícias que tenho.

    Retornaram os emissários que enviei a Roma para que apurassem e referissem a decisão tomada pelas autoridades a meu respeito, qualquer gênero fosse, e colocar um ponto final, assim, as todas as ilações e hipóteses que circulavam. E eis agora qual é a verdade devidamente apurada.

    O imperador Valeriano enviou o seu rescrito ao Senado, com o qual decidiu que bispos, sacerdotes e diáconos sejam levados imediatamente à morte. Os senadores, os notáveis e os que têm título de cavaleiros romanos sejam privados de toda dignidade e também dos bens. Se, depois, mesmo após o confisco endurecerem na profissão cristã, devem ser condenados à pena capital.

    As matronas cristãs sofram o confisco de todos os bens e depois sejam mandadas em exílio. Sejam igualmente confiscados todos os bens aos funcionários imperiais, que já confessaram a fé cristã ou devessem confessá-la no presente. Sejam em seguida presos e registrados entre os adidos às propriedades imperiais (trabalhos forçados).

    Valeriano acrescenta ainda ao rescrito a cópia de uma sua carta aos governadores das províncias e que se refere à minha pessoa. Espero dia após dia essa carta, e espero recebê-la logo, mantendo-me sólido e forte na fé. A minha decisão diante do martírio é conhecida. Espero, cheio de confiança como estou, de receber a coroa da vida eterna da bondade e generosidade de Deus.

    Comunico-vos que Sisto padeceu o martírio com quatro diáconos em 16 de agosto, enquanto encontrava-se na zona do “Cemitério” (as Catacumbas de São Calisto). As autoridades de Roma têm como norma que todos os que forem denunciados como cristãos, devam ser justiçados e suportar o confisco dos bens em benefício do erário imperial.

    Peço que aquilo que referi seja levado ao conhecimento também dos outros nossos colegas no episcopado, porque a nossa comunidade possa ser encorajada e predisposta sempre melhor, pelas suas exortações, ao combate espiritual. Isso será de estímulo a considerar mais o bem da imortalidade do que a morte, e consagrar-se ao Senhor com fé ardente e fortaleza heróica, a mais alegrar-se do que temer diante do pensamento de ter que confessar a própria fé. Os soldados de Deus e de Cristo sabem muito bem que a sua imolação não é tanto uma morte quanto uma coroa de glória.

    A ti, irmão caríssimo, a minha saudação no Senhor” (Carta 80).

    5. O martírio de São Cipriano

    Teria sido muito útil e edificante conhecer as atas dos processos dos mártires Ponciano, Fabiano, Cornélio, Sisto II, Eusébio, Cecília… Infelizmente os arquivos da Igreja de Roma foram destruídos durante a tremenda perseguição de Diocleciano. Foram-nos, porém, transmitidas as atas do processo de São Cipriano. As “Atas” eram lidas nas comunidades cristãs em louvor do Mártir e para tirar forças no momento da prova. Podemos crer, então, que as atas do processo dos Mártires citados acima, fossem escritos mais ou menos na mesma forma.

    Cartago, 14 de setembro de 258.

    “Pela manhã de 14 de setembro uma grande multidão tinha-se reunido em Sesti, conforme o que ordenara o procônsul Galério Máximo. E assim, o mesmo procônsul Galério Máximo ordenou que fosse trazido Cipriano à audiência que mantinha no mesmo dia no átrio Sauciolo. Quando ele apresentou-se, o procônsul Galério Máximo disse ao bispo Cipriano:

    – És Tascio Cipriano?
    O bispo Cipriano respondeu:
    – Sim, sou eu.
    O procônsul Galério Máximo disse:
    – És tu que te apresentaste como chefe de uma seita sacrílega?
    O bispo Cipriano respondeu:
    – Sou eu.
    Galério Máximo disse:
    – Os santíssimos imperadores ordenam-te que sacrifiques.
    O bispo Cipriano disse:
    – Não o faço.
    O procônsul Galério Máximo disse:
    – Reflete bem.
    O bispo Cipriano disse:
    – Faz o que te ordenaram. Não há o que refletir mm coisa tão justa.

    Galério Máximo, depois de ter conferido com o colégio dos magistrados, com dificuldade e contra a vontade, pronunciou a sentença: “Viveste longamente de modo sacrílego e agregaste muitíssimos à tua seita criminosa, e te fizeste inimigo dos deuses romanos e de seus sagrados rituais. Os piedosos e santíssimos imperadores Valeriano e Galieno Augustos e Valeriano nobilíssimo César não conseguiram reconduzir-te à observância de suas cerimônias religiosas.

    E, por isso, a partir do momento que te tornaste autor e instigador dos piores crimes, serás tu mesmo de exemplo àqueles que associaste às tuas ações criminosas. Com o teu sangue será sancionado o respeito às leis”.

    Ditas essas palavras, leu em voz alta o decreto escrito numa tabuinha: “Ordeno, Tascio Cipriano, que sejas punido com a decapitação”.

    Após a sentença a multidão dos irmãos (os cristãos) dizia: “Nós também queremos ser decapitados juntamente com ele”. Surgiu, por isso, uma grande agitação entre os irmãos e muita gente seguiu-o. E assim Cipriano foi levado ao campo de Sesti, e ali despojou-se do manto e do capuz, ajoelhou-se por terra e prostrou-se em oração ao Senhor. Tirou em seguida a dalmática (uma sobreveste) e entregou-a aos diáconos, ficando apenas com a túnica de linho, e assim permaneceu à espera do carnífice.

    Quando este chegou, o bispo ordenou aos seus que lhe dessem vinte e cinco moedas de ouro. Entretanto os irmãos estendiam diante dele pedaços de tecido e lenços (para recolher o sangue como relíquia). Depois o grande Cipriano vendou com as próprias mãos os olhos, mas como não conseguisse amarrar as pontas do lenço, o presbítero Juliano e o subdiácono Juliano vieram ajudá-lo.

    Assim o bispo Cipriano padeceu o martírio e o seu corpo, por causa da curiosidade dos pagãos, foi deposto num lugar próximo onde pudesse ser subtraído ao olhar indiscreto dos pagãos. À noite, foi tirado de lá e levado embora com fachos e tochas acesas e acompanhado até o cemitério do procurador Macróbio Candidiano localizado na via das Campanas perto das piscinas. Poucos dias depois morreu o procônsul Galério Máximo.

    O santo bispo Cipriano padeceu o martírio em 14 de setembro, sob os imperadores Valeriano e Galieno, reinando porém nosso Senhor Jesus Cristo, a quem se dá honra e glória nos séculos dos séculos. Amém!” (Das Atas Proconsulares, 3-6).

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  27. OS CRISTÃOS DO TEMPO DAS PERSEGUIÇÕES
    defendidos pelos Apologistas

    “Carta de identidade” dos primeiros Cristãos

    Desde o séc. 1º a religião cristã difundiu-se rapidamente em Roma e em todo o mundo, não só pela sua originalidade e universalidade, mas muito também pelo testemunho de fervor, de amor fraterno e de caridade demonstrada pelos cristãos para com todos. As autoridades civis e o próprio povo, antes indiferentes, demonstraram-se logo hostis à nova religião, porque os cristãos recusavam o culto ao imperador e a adoração às divindades pagãs de Roma. Os cristãos foram por isso acusados de deslealdade para com a pátria, de ateísmo, de ódio pelo gênero humano, de delitos ocultos, como incesto, infanticídio e canibalismo ritual; de serem causa das calamidades naturais, como a peste, as inundações, a carestia, etc.

    A religião cristã foi declarada: strana et illicita: estranha e elícita (decreto senatorial de 35), exitialis: perniciosa (Tácito), prava e immodica: malvada e desenfreada (Plínio), nova et malefica: nova e maléfica (Suetônio), tenebrosa et lucifuga: obscura e inimiga da luz (Octavius de Minucio), detestabilis: detestável (Tácito); depois foi posta fora da lei e perseguida, porque considerada como o mais perigoso inimigo do poder de Roma, que se baseava na antiga religião nacional e no culto do imperador, instrumento e símbolo da força e unidade do Império.

    Os três primeiros séculos são a época dos mártires, que terminou em 313 com o edito de Milão, com o qual os imperadores Constantino e Licínio deram liberdade à Igreja. A perseguição nem sempre foi contínua e geral, isto é, estendida a todo o império, nem sempre igualmente cruel e cruenta. A períodos de perseguições seguiam-se períodos de relativa tranqüilidade.

    Os cristão, na grande maioria dos casos, enfrentaram com coragem, freqüentemente com heroísmo, a prova das perseguições, mas não a sofreram passivamente. Defenderam-se com força, confutando tanto a falta de fundamento das acusações que lhes eram dirigidas de delitos ocultos ou públicos, apresentando os conteúdos da própria fé (“Aquilo em que acreditamos”) e descrevendo a própria identidade (“Quem somos”).

    Os cristãos pediam nas “Apologias” (“discursos de defesa”) dos escritores cristãos do tempo, endereçadas também aos imperadores, que não fossem condenados injustamente, sem serem conhecidos e sem provas. O princípio da lei senatorial“Non licet vos esse”: “não é lícito que existais” era julgado injusto e ilegal pelos Apologistas, porque os cristãos eram cidadãos honestos, respeitosos das leis, devotos ao imperador, industriosos na vida privada e pública.

    Uma vez que as catacumbas contêm a prova e a confirmação da vida admirável dos cristãos, como é descrita pelos apologistas, apresentamos alguns de seus trechos significativos, que constituem como que uma carta de identidade dos cristãos dos primeiros tempos.

    1. Da Carta a Diogneto apologia de um autor desconhecido, séc. 2º/3º.

    São homens como todos os outros
    “Os cristãos não se distinguem dos demais homens nem pelo território, nem pela língua que falam, nem pelo modo de vestir. Não se isolam em suas cidades, nem usam uma linguagem particular, nem levam um gênero de vida especial.

    Sua doutrina não é conquista do gênio irrequieto de homens curiosos, nem professam, como fazem alguns, um sistema filosófico humano. Moram em cidades gregas ou bárbaras (estrangeiras), como cabe a cada um por sorte e, adaptando-se às tradições locais quanto às roupas, à alimentação e a tudo o mais da vida, dão exemplo de um estilo próprio de vida social maravilhosa, que, segundo a confissão de todos, tem algo de incrível”.

    Moram na terra, mas são cidadãos do Céu
    “Moram em sua pátria, mas como estrangeiros. Como cidadãos, participam de todos os deveres, mas são tratados como estrangeiros. Qualquer terra estrangeira é uma pátria para eles e toda pátria é terra estrangeira. Mudam de lugar como todos e geram filhos, mas não expõe os recém-nascidos. Têm a mesa em comum, não o leito. Vivem na carne, mas não segundo a carne (2Cor 10,3, Rm 8,12-15). Passam sua vida na terra, mas são cidadãos do céu.

    Obedecem às leis estabelecidas, mas superam-nas com o seu teor de vida. Amam a todos e por todos são perseguidos. Não são conhecidos e são condenados. Dá-se-lhes a morte, e eles dela recebem a vida. São pobres, mas a muitos tornam ricos (2Cor 6,9-10). Nada possuem, mas tudo têm em abundância. São desprezados, mas encontram no desprezo a glória diante de Deus. Ultraja-se a sua honra e acrescenta-se testemunho à sua inocência.

    Insultados, abençoam (1Cor 4,12). Demonstram-se insolentes com eles, e eles tratam-nos com respeito. Fazem o bem e são punidos como malfeitores. E punidos, gozam, como se lhes dessem vida. Os judeus fazem-lhes guerra como raça estrangeira. Os Gregos perseguem-nos, mas aqueles que os odeiam não sabem dizer o motivo de seu ódio”.

    Estão no mundo como a alma no corpo
    “Para dizer com uma só palavra, os cristãos estão no mundo como a alma está no corpo. Como a alma difunde-se por todas as partes do corpo, assim também os cristãos estão disseminados pelas várias cidades do mundo. A alma habita o corpo, mas não provém do corpo: também os cristãos habitam no mundo, mas não provém do mundo. A alma invisível está encerrada num corpo visível; também os cristãos, sabe-se que estão no mundo, mas a sua piedade permanece invisível.

    Como a carne odeia a alma e faz-lhe guerra, sem ter recebido qualquer ofensa, mas só porque lhe proíbe gozar dos prazeres, também o mundo odeia os cristãos que não lhe fizeram qualquer coisa de errado, só porque se opõem ao sistema de vida fundado no prazer.

    A alma ama à carne, que a odeia, e aos membros; os cristãos igualmente amam aqueles que os odeiam. A alma está encerrada no corpo, mas ela própria sustenta o corpo; também os cristãos são retidos no mundo como numa prisão, mas eles próprios sustentam o mundo. A alma imortal habita numa tenda mortal, também os cristãos moram como peregrinos entre as coisas que se corrompem, à espera da incorruptibilidade dos céus.

    Mortificando-se nos alimentos e nas bebidas, a alma se faz melhor; igualmente os cristãos, punidos, multiplicam-se dia a dia. Deus deu-lhes um lugar tão sublime, que não devem absolutamente abandonar”.

    2. Dos “Livros a Autolico” de São Teófilo de Antioquia (Séc. 2º)

    Os cristãos honram o imperador e rezam por ele (livro I,2)
    “Honrarei o imperador, mas não o adorarei; mas rezarei por ele. Eu adoro o Deus verdadeiro e único por quem eu sei que o soberano foi feito. Poderias, então, perguntar-me: porque, pois, não adoras o imperador? O imperador, pela sua natureza, deve ser honrado com obséquio legítimo, não deve ser adorado. Ele não é Deus, mas um homem que Deus colocou não para que seja adorado mas para que exerça a justiça sobre a terra.

    O governo do estado foi-lhe confiado de alguma forma por Deus. E como o imperador não pode permitir que o seu título seja portado por quantos são-lhe subordinados – ninguém de fato pode ser chamado de imperador – assim também ninguém pode ser adorado, senão Deus. O soberano, então, deve ser honrado com sentimentos de devoção; é preciso prestar-lhe obediência e rezar por ele. Assim realiza-se a vontade de Deus”.

    A vida dos cristãos demonstra a grandeza e a beleza de sua religião (livro III, 15)
    “Encontra-se nos cristãos um sábio domínio de si, exerce-se a continência, observa-se o matrimônio único, a castidade é conservada, a injustiça é excluída, o pecado extirpado em sua raiz, pratica-se a justiça, a lei é observada, a piedade é apreciada com fatos. Deus é reconhecido, a verdade, considerada norma suprema.

    A graça conserva-os, a paz protege-os, a palavra sagrada guia-os, a sabedoria instrui-os, a vida (eterna) dirige-os, Deus é o seu rei”.

    3. De “A Apologia” de Aristides (séc. 2º)

    Os cristãos observam as leis de Deus
    “Os cristãos trazem gravadas em seu coração as leis de Deus e observam-nas na esperança do século futuro. Por isso não cometem adultério, nem fornicação; não dão falso testemunho; não se apossam dos depósitos que receberam; não desejam aquilo que não lhes diz respeito; honram o pai e a mãe, fazem o bem ao próximo; e, quando são juizes, julgam com justiça. Não adoram ídolos de forma humana; tudo aquilo que não querem que os outros lhes façam, eles não o fazem a ninguém. Não comem carnes oferecidas aos ídolos, porque são contaminadas. Suas filhas são puras e virgens e fogem da prostituição; os homens abstém-se de qualquer união ilegítima e de toda impureza; suas mulheres igualmente são castas, na esperança da grande recompensa no outro mundo…”

    São bons e caridosos
    “Socorrem aqueles que os ofendem, tornando-se seus amigos; fazem o bem aos inimigos. Não adoram deuses estrangeiros; são delicados, bons, pudicos, sinceros, amam-se entre si; não desprezam a viúva; salvam o órfão; quem possui dá, sem lamentos, àquele que não possui. Quando vêem os forasteiros, fazem-nos entrar em casa e alegram-se com eles, reconhecendo neles verdadeiros irmãos, porque chamam assim não aqueles que o são pela carne, mas aqueles que o são segundo a alma.

    Quando um pobre morre, se ficam sabendo, contribuem segundo os seus meios para o funeral; se vêm a saber que alguns são perseguidos ou aprisionados ou condenados pelo nome de Cristo, colocam em comum as suas esmolas e enviam-lhes aquilo de quem precisam, e se podem, libertam-nos; se há um escravo ou um pobre a socorrer, jejuam dois ou três dias, e o alimento que tinham preparado para si lhe é enviado, julgando que também ele deve gozar, sendo como eles chamado à alegria”.

    Vivem na justiça e na santidade
    “Observam exatamente os mandamentos de Deus, vivendo santa e justamente, assim como o Senhor Deus prescreveu-lhes; dão-lhe graças todas as manhãs e todas as noites pelo alimento ou bebida e por todos os outros bens…

    São estas, ó Imperador, as suas leis. Os bens que devem receber de Deus, são pedidos a ele, e assim passam por este mundo até o final dos tempos: pois Deus sujeitou tudo a eles. São, pois, reconhecidos para com ele, porque para eles foi feito todo o universo e a criação. Certamente essa gente encontrou a verdade”.

    4. De “O Apologético” de Tertuliano (séc. 2º-3º).

    Os cristãos não são inúteis e improdutivos

    “Somos acusados de ser improdutivos nas várias formas de atividades. Mas, como pode-se falar assim de homens que vivem convosco, que comem como vós, que vestem as mesmas roupas, que seguem o mesmo gênero de vida e têm as mesmas necessidades de vida?

    Lembramo-nos de dar graças a Deus, Senhor e criador, e não recusamos nenhum fruto de sua obra. É certo que usamos as coisas com moderação, não de forma exagerada ou errada. Coabitamos convosco e freqüentamos o foro, o mercado, os banhos, os negócios, as oficinas, as estalas, participando de todas as atividades.

    Também navegamos convosco, combatemos no exército, cultivamos a terra, exercemos o comércio, trocamos as mercadorias e colocamos à venda, para o vosso uso, o fruto do nosso trabalho. Não entendo realmente como podemos parecer inúteis e improdutivos para os vossos negócios, quando vivemos convosco e de vós.

    Sim, há quem tenha motivos para lamentar-se dos cristãos, porque não pode comerciar com eles: são eles os protetores de prostitutas, os rufiões e seus cúmplices; e também os criminosos, os que matam com veneno, os encantadores, os adivinhos, os feiticeiros, os astrólogos. Grande coisa ser improdutivos para essa gente!… E depois, nas prisões jamais encontrais um cristão, a não ser por motivos religiosos. Nós aprendemos de Deus a viver na honestidade”.

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  28. OS SÍMBOLOS

    Os primeiros cristãos viveram numa sociedade de prevalência pagã e hostil. Durante a perseguição de Nero (64 depois de Cristo) a religião dos cristãos foi considerada “superstição estranha e ilegal”. Os pagãos desconfiavam deles e mantinham-nos à distância, suspeitavam deles, acusando-os dos piores delitos. Perseguiam-nos, aprisionavam-nos, condenavam-nos ao exílio ou à morte.

    Impedidos de professar a fé abertamente, os cristãos serviam-se de símbolos, que pintavam nas paredes das catacumbas e, com mais freqüência, gravavam nas placas de mármore que lacravam as sepulturas.

    Como os demais antigos, os cristãos gostavam muito de simbolismos. Os símbolos referiam-se de modo visível à sua fé. O termo “símbolo” indica um sinal concreto ou uma figura que, na intenção do autor, refere-se a uma idéia ou realidade espiritual. Os principais símbolos são o Bom Pastor, o “orante”, o monograma de Cristo e o peixe.

    O Bom Pastor com a ovelha nos ombros representa Cristo Salvador e a alma salva por Ele. Esse símbolo está freqüentemente presente nos afrescos, nos relevos dos sarcófagos, nas estátuas, e muitas vezes encontra-se gravado também nas sepulturas.

    O orante: essa figura representada com os braços abertos simboliza a alma que já vive na paz divina.

    O monograma de Cristo é formado por duas letras do alfabeto grego, o X (qui) e o P (rô), entrelaçados. Elas são as duas primeiras letras da palavra grega “Christòs”, isto é, Cristo. O monograma, colocado numa sepultura, indicava que o defunto era cristão.

    O peixe. Em grego diz-se IXOYC (iquitìs). As letras dessa palavra dispostas verticalmente formam um acróstico: Iesùs Christòs Theòu Uiòs Soteèr = Jesus Cristo Filho de Deus Salvador. Acróstico é uma palavra grega que significa a primeira letra de cada linha ou parágrafo. É um símbolo difuso de Cristo, emblema e compêndio da fé cristã.

    Outros símbolos são a pomba, o Alfa e o Ômega, a âncora, a fênix, etc.

    A pomba, com o ramo de oliveira no bico simboliza a alma na paz divina.

    O Alfa e o Ômega são a primeira e a última letras do alfabeto grego. Significam que Cristo é o início e o fim de todas as coisas.

    A âncora é o símbolo da salvação, símbolo da alma que felizmente chegou ao porto da eternidade.

    A fênix, pássaro mítico da Arábia, que segundo a crença dos antigos ressurge de suas cinzas depois de um determinado número de séculos, é o símbolo da ressurreição.

    As sepulturas dos mártires, os cubículos e também os arcossólios às vezes podiam ser decorados com pinturas feitas com a técnica do afresco. Os afrescos representam cenas bíblicas do Antigo e do Novo Testamento, algumas com estrito significado simbólico.

    Os símbolos e afrescos são como um Evangelho em miniatura, um sumário da fé cristã.

    A IMPORTÂNCIA DAS CATACUMBAS

    Em Roma existem mais de sessenta catacumbas, com centenas de quilômetros de galerias e dezenas de milhares de sepulturas. Catacumbas que se encontram também em Chiusi, Bolsena, Nápoles, na Sicília oriental e no Norte da África.

    O sistema de escavação subterrânea não foi inventado pelos cristãos, e não foi sequer causado pelas perseguições. As catacumbas eram simplesmente cemitérios coletivos cristãos, escavados na profundidade do terreno.

    Os cristãos adotaram a técnica de escavação preexistente e desenvolveram-na em escala imensa, com uma vasta rede de galerias em níveis sobrepostos. Foi a solução para os problemas da sepultura para uma grande comunidade com um número sempre crescente de membros. Explica-se o rápido e enorme desenvolvimento de algumas catacumbas pelo culto dos mártires que eram aí sepultados, porque os cristãos insistiam em ter a sepultura junto às suas veneráveis sepulturas, a fim de garantirem para si a sua proteção.

    As catacumbas, pela importância que têm, são hoje visitadas por milhares de peregrinos de todas as partes do mundo. Devido ao precioso patrimônio de pinturas, inscrições, esculturas, etc. elas são consideradas autênticos arquivos da Igreja primitiva, que documentam os usos e costumes, os ritos e a doutrina cristã, como era então entendida, ensinada e praticada.

    Os primeiros cristãos não sepultaram a própria fé e a vida debaixo da terra, mas viveram a vida comum dos povo na família, na sociedade, em todos os trabalhos, empregos e profissões. Deram testemunho da própria fé em todos os lugares, mas foi nas catacumbas que esses heróicos cristãos encontraram força e apoio para enfrentar as provas e perseguições, enquanto rezavam ao Senhor e invocavam a intercessão dos mártires.

    Os cristãos dos primeiros tempos deram um maravilhoso testemunho de Cristo; muitos deles até à efusão do sangue, de modo que o martírio tornou-se um sinal glorioso da Igreja.

    Apesar de as catacumbas serem, depois de tudo, apenas cemitérios, elas falam à mente e ao coração dos visitantes com uma linguagem silenciosa e eficaz. Nas catacumbas tudo fala de vida mais do que de morte. Cada galeria percorrida, cada símbolo ou pintura encontrados, cada inscrição lida, faz reviver o passado e oferece uma clara mensagem de fé e de testemunho cristão.

    A visita às catacumbas não pode, então ser reduzida a uma excursão turística nem só a uma meta artístico-cultural mas, como para os inumeráveis peregrinos do passado, a visita deve ser uma autêntica peregrinação de fé a um dos monumentos históricos mais significativos da vida e do martírio da Igreja romana dos primeiros séculos.

    A ESPIRITUALIDADE DAS CATACUMBAS

    Parecia ao desconhecido cristão dos primeiros tempos, que peregrinava na vasta necrópole calistiana, ter entrado na mística Jerusalém, na cidade que se tornara púrpura pelo sangue dos mártires e refulgente da sua glória. Ao sair, ele gravou de forma elegante, numa parede, estas palavras que ainda hoje podem ser lidas: “JERUSALEM CIVITAS ET ORNAMENTUM MARTYRUM DEI…”: “Jerusalém, cidade e ornamento dos mártires de Deus”.
    O peregrino de hoje, igualmente, entrevê nas catacumbas com espírito comovido o segredo íntimo da espiritualidade daqueles pontífices mártires, daquelas virgens e daquela inumerável multidão de desconhecidos cristãos.
    As inscrições e pinturas, supérstites a tantas devastações e depredações, revelam esse segredo, ao menos em parte, e ainda repetem as palavras de um antigo epitáfio cristão:“Tàuta o bìos”: “Esta é a nossa vida”.

    A espiritualidade das catacumbas é a mesma da Igreja primitiva em sua juventude de conquistas e de martírio. Nutrida pelo cerne das escrituras, simples e poderosa, ela é a irmã das mais antigas liturgias, e assim o visitante das catacumbas bebe nas fontes da espiritualidade cristã.

    São vários os aspectos dessa espiritualidade:

    Espiritualidade cristocêntrica
    Essa espiritualidade coloca Jesus Cristo como a figura dominante. Aquilo que o sagrado Coração de Jesus, quer dizer, o sinal da bondade de Cristo é para o católico de hoje, para o cristão antigo era o Bom Pastor. Entre as representações das catacumbas essa é a mais freqüente; está pintada nos tetos, entre ricas decorações floreais, gravada toscamente nas placas sepulcrais, modelada em relevo sobre os sarcófagos e, enfim, esculpida com grega elegância numa das mais antigas estátuas cristãs que se conheçam (séc. 4º, Museus Vaticanos). O cordeiro que repousa sobre seus ombros, seguro com força pelas mãos do pastor é o cristão. Tudo ao redor respira a atmosfera de confiança que fazia Paulo exclamar: “quem haverá de separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome?” (Rm 8,35).
    O Salvador é freqüentemente representado em ação no meio dos homens: nos baixos-relevos ou nas paredes vê-se Jesus que toca os olhos ao cego ou que faz Lázaro ressuscitar do túmulo, que multiplica os pães ou muda a água em vinho: é o Cristo que passa fazendo o bem.
    Vêm, depois, os símbolos. Talvez as representações mais significativas sejam aquelas em que Cristo aparece sob o véu de um símbolo. Antes de Constantino, quando a cruz era usada todos os dias como patíbulo de escravos e de estrangeiros, o cristão cobria piedosamente o seu aspecto repelente com alguns símbolos, como, por exemplo, a âncora.

    Ao lado de Jesus, os cristãos das catacumbas gostaram de representar, com afeto filial, a sua Virgem Mãe. Já nos inícios do séc. 3º, nas Catacumbas de Priscila, a figura suave de Maria, que segura Jesus junto ao seio, enquanto o profeta Balaão indica a estrela que resplende acima de sua cabeça.
    E ainda a Virgem que mantém o Filho nos braços, enquanto os Magos aproximam-se para oferecer os seus presentes. A adoração dos Magos é repetida nas várias catacumbas em pinturas, esculturas e outros objetos preciosos (reliquiários, marfins, pingentes, anéis).

    Espiritualidade Sacramental
    A espiritualidade das catacumbas é também sacramental. O mundo exterior da matéria entra, nos sacramentos cristãos, como sinal e como instrumento, realizando a redenção e a salvação do homem: Batismo e Eucaristia.
    Em nenhum outro cemitério encontram-se tantas representações sacramentais como as que encontramos nos Cubículos dos Sacramentos em São Calisto. Acenemos aos Sacramentos dos quais existe uma documentação maior.

    BATISMO. Não estamos ainda no tempo em que serão erigidos edifícios esplêndidos para honrar esse Sacramento (p. ex. o Batistério do Latrão). O Batismo ainda era conferido nasdomus Ecclesiae, as casas de família, e não raramente em segredo. A grandeza do sacramento, porém, era conhecida. Paulo havia falado dele com termos grandiosos justamente na Carta aos Romanos (c. 6). Os cristãos sabiam que através do rito batismal, o homem morre e ressurge misticamente com Cristo, e é associado à vida divina pela eficácia desses atos redentores.

    Uma das mais antigas pinturas nos assim chamados Cubículos dos Sacramentos, em São Calisto, mostra-nos o Batismo. Diante de um espelho d’água, senta-se um pescador que, com o seu anzol, tira um peixe para fora: agrada-nos ver nesse personagem um apóstolo, que obedece ao mandamento de Jesus: “Segui-me; eu vos farei pescadores de homens” (Mc 1,17).

    Muitos cristãos, “alcançados por Cristo” (Fl 3,12) após angustiantes experiências interiores, sentiam que o momento do Batismo marcara o início de uma vida nova. De aqui o nome que se lê numa lápide da tricora de São Calisto, nome que depois tornou-se tão comum na Cristandade: “Renatus”: “Nasci de novo!”.

    EUCARISTIA. E eis-nos diante da jóia destas Capelas: a trilogia eucarística.
    No afresco, os cristãos reunidos à mesa eucarística são sete, como os discípulos reunidos ao redor de Jesus ressuscitado às margens do lago; nos pratos diante deles está o peixe:Jesus Cristo Filho de Deus Salvador.

    Na cena à esquerda, o sacerdote estende as mãos sobre uma pequena mesa onde está o pão eucarístico: referência clara ao ato de consagração reservado aos ministros; do outro lado da mesa, um orante com os braços elevados recorda-nos que, para ir para o céu, é preciso nutrir-se daquele pão consagrado (a Eucaristia).

    O terceiro quadro, à direita, é claro a quem se lembra das palavras do hino de Santo Tomás: “In figuris praesignatur cum Isaac immolatur”: “Na imolação de Isaac é prefigurado o sacrifício de Cristo”.
    Não podemos deixar de lado uma representação, preciosa pela sua antigüidade e pelo seu grande valor pastoral. Na Cripta de Lucina, datada do séc. 2º, na parede diante da entrada, estão representados simetricamente dois peixes, diante dos quais estão colocados dois cestos cheios de pães. Entrevêem-se nos cestos duas taças de vinho. O peixe é Cristo; pão e vinho são as espécies sob as quais Ele se faz presente na Eucaristia.
    Estamos nas fontes da cristandade. O cristão antigo, consciente de que “não existe sob o céu outro nome dado aos homens, no qual possam ser salvos, senão o de Cristo” (At 4,14), sabe que só pode ser associado a Cristo através dos Sacramentos instituídos por Ele com essa finalidade.

    Espiritualidade social
    A espiritualidade das catacumbas é também “social”: o cristão habituado a dizer na oração não mais “Meu Pai”, mas “Pai nosso”, sabe que na família de Deus não se vive de modo isolado, mas socialmente: “Sendo muitos, somos um só corpo em Cristo” (Rm 12,5). As catacumbas dão-nos a imagem desse corpo místico no qual os cristãos ordinariamente convivem em hierarquia de funções e em unidade de espírito. Aqui os Pontífices Mártires repousam em meio à humilde multidão do seu rebanho.
    Da parte frontal de um sarcófago, um jovenzinho eleva as mãos em atitude de orante bem-aventurado na visão de Deus: aos seus lados, parece que Pedro e Paulo, os fundadores da Igreja de Roma, o introduzem na pátria beata.

    Em Domitila, na pintura de um arcossólio, Veneranda chega com roupas de viagem, peregrina que concluiu o seu exílio, às portas da pátria: a santa do lugar, Petronília, com aspecto suave, a acolhe e faz entrar.

    Há um intercâmbio de orações entre as diversas partes da Igreja! Centenas de peregrinos recomendam-se a Pedro e Paulo sepultados na Memória da Via Appia Antiga(Catacumbas de São Sebastião), gravando breves mensagens na argamassa da tríclia(ambiente para banquetes funerários, a céu aberto): “Paulo e Pedro, orai por Vítor – Pedro e Paulo, tende Sozomeno no pensamento”.

    No ingresso do mausoléu dos Papas em São Calisto, a parede está constelada de orações:“S. Sisto, tem Aurélio Repentino no pensamento”, “Espíritos Santos… que Verecundo bem navegue com os seus”. Às vezes não há uma oração explícita: basta, para implorar, uma qualificação acrescentada ao nome: “Felicião, sacerdote, pecador”.
    Contam-se aos milhares as inscrições com orações dos vivos pelos defuntos ou com solicitações aos mortos para que rezem pelos que estão vivos. Na sociabilidade do Corpo Místico, cada indivíduo está ligado à Igreja inteira.

    Espiritualidade Escatológica
    O cristão tende aos “éscata”, isto é, às realidades definitivas da vida eterna: “Não temos aqui em baixo morada permanente, mas estamos em busca da morada futura” (Hb 13,14). “A nossa pátria é nos céus” (Fl 3,20). Basta um breve giro por uma catacumba para ver essa verdade brilhar da mais viva luz.

    E chegamos à escada que desce à Cripta dos Papas. Na parede esquerda uma lápide fala-nos de Agripina, “cuius dies inluxit”: o dia da morte foi o dia do seu ingresso na luz, na esperada bem-aventurança. Pouco abaixo uma inscrição grega de Adas, que “ecoimète”,“adormeceu”, como a menina de Cafarnaúm, que – como diz o Evangelho – “não está morta, mas dorme” (Mc 3,59), e espera a chamada d’Aquele que é a ressurreição e a vida.
    Numa capela, Jonas, que escapara das garras do monstro representante da morte, repousa placidamente à sombra de um caramanchão. Mais além, o Bom Pastor aperta com ternura o cordeiro nos ombros: a morte não é mais terrificante para o cristão, que é levado por Jesus a verdes pastagens.

    Da parede de um cubículo cinco cristãos elevam os braços em ato de adoração; ao redor deles um belíssimo jardim florido: é o paradisus, o jardim celeste. De uma lápide, entre as mais antigas, uma cruz-âncora anuncia-nos que chegou ao porto do paraíso uma cristã que tem um luminoso nome de estrela: “Hèsperos”.
    Estes cemitérios são, também, cheios de paz. A resposta está na fé dos antigos cristãos, que freqüentemente fala no silêncio das catacumbas: “Porque procurais entre os mortos aquele que está vivo?” (Lc 24,5). “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25).“Não tenhas medo, somente fé” (Mc 5,36).

    Espiritualidade bíblica
    Pintores e incisores, escultores e epígrafos, parecem-nos embebidos e inspirados pela Palavra de Deus. Aqui, o Antigo Testamento é todo meditado e interpretado à luz do Novo Testamento. Parece ouvir os temas centrais dos Evangelhos e das Cartas. Assim como a Liturgia e a literatura patrística, também a Espiritualidade das Catacumbas alimenta-se das Sagradas Escrituras, a exemplo da mártir Cecília que, segundo as Atas do martírio“semper evangelium Christi gerebat in pectore” (carregava sempre consigo o Evangelho de Cristo), e no ato supremo do martírio indica com os dedos a Unidade e a Trindade de Deus.

    Espiritualidade nova e transformadora
    Descobre-se aqui a verdadeira revolução operada pelo Cristianismo. Estão presentes de modo particular dois tipos de personagens de grande força espiritual: o “mártir” e a “virgem”. O “mártir” dá a vida para atestar a certeza da própria fé; dá-la com serenidade e sem lamento em meio ao desencadear-se de brutalidades e torturas; morre sem ódio pelo assassino, antes, implora o perdão para ele. Muitos cristãos sepultados nas catacumbas realizaram de modo sublime e em inúmeros casos o martírio cruento.
    A figura da “virgem” cristã não está ausente das catacumbas. É significativo sobre isso o poema damasiano em honra de sua irmã Irene, sepultada no complexo calistiano:

    “… Esta, quando ainda em vida, tinha-se votado a Cristo,
    assim que o mesmo santo pudor provou o mérito da virgem…
    E agora, quando Deus vier até mim
    lembra-te de Dâmaso, ó virgem,
    para que a tua luz me ilumine”.

    Saindo das Catacumbas de São Calisto, a última grande lápide que se vê no fundo da escada é a de Baccis. Grandes e rudes caracteres vermelhos em pedra cinzenta contam uma humilde história. Quem meditá-la perceberá com os olhos da fé, transparecer por detrás das letras dois vultos: um delicado, da menina morta, e outro áspero, do pai, no qual brilha um sorriso de ternura cheio de lágrimas. Eis as palavras: “Baccis, doce alma. Na paz do Senhor. Viveu 15 anos, 75 dias. (Morreu) nas vésperas das calendas (dia 1º) de dezembro. O pai à sua dulcíssima filhinha “. Uma onde divina de pureza e de ternura entrara com a fé de Cristo também nas famílias mais humildes.

    Nas mesmas catacumbas desceu certo dia um peregrino em busca de conforto. Entrou rezando, e no fundo da escada, confiou à parede um augúrio de vida feliz entre as almas diletas para a sua morta: “Sofronia vivas cum tuis” (“Sofrônia, vivas com os teus”). No fundo da escada o querido nome aparece de novo com um augúrio de vida em Deus: “Sofronia, vivas in Domino” (“Sofrônia, vivas no Senhor”). Enfim, num cubículo ao lado de um arcossólio, a escrita aparece uma terceira vez. Na oração, o luto perdeu a sua amargura e tornou-se uma esperança cheia de imortalidade: “Sofronia dulcis semper vives in Deo” (“Sofrônia, vivas docemente em Deus para sempre”), escreve o peregrino no alto. Mas parece que de seu coração acalmado transborde ternura, e ele ainda grava: “Sofonia, vives…”: (Sim, Sofrônia, tu viverás!…).

    Admirável síntese em que se funde um drama humano e de luto com a expressão apaixonada da fé consoladora: vida além da morte, vida entre os caros, vida perene, vida em Deus.

    Enfim, com as relações familiares aparecem nobilitadas as Relações sociais. As sepulturas cristãs ignoram indicações de cargos e honras, habituais nos epitáfios pagãos.
    São freqüentes, porém, as indicações, não só de profissões elevadas, como a de Dionísio médico e padre, mas também de ocupações humildes, dos pobres “banausòi”,“operáios”, desprezados pelos sábios do paganismo. Temos só em São Calisto o hortelãoValério Pardo que traz na mão esquerda um maço de hortaliças e na direita a foice;Márcia Rufina, a digna patroa, a quem Segundo Liberto coloca uma inscrição com o símbolo da oficina: um martelo e a bigorna. Num arcossólio a vendedora de hortaliças senta-se entre seus maços de verdura, etc. A religião do Artífice de Nazaré tinha dignificado o trabalho.
    Pode ser útil acrescentar e esses aspectos da espiritualidade ilustrados pelo saudoso estudioso P. Ugo Galizzia, SDB, professor de Exegese do Novo Testamento e de Arqueologia Cristã no Pontifício Ateneu Salesiano de Turim (Itália),um outro aspecto da espiritualidade das catacumbas freqüentemente esquecido, ou seja, a espiritualidade do silêncio.

    Espiritualidade do silêncio
    Pode parecer estranho falar de espiritualidade do silêncio, porque o silêncio, à primeira vista, é apenas um vazio sem sentido, pura ausência de palavras, pensamentos e sentimentos. Na realidade, o silêncio da palavra, da imaginação e do espírito é uma dimensão humana fundamental: pertence à nossa essência, porque é o vigilante do nosso mundo interior, a condição prévia da escuta, a necessária premissa de toda comunicação humana.

    Percorrendo as galerias das catacumbas ou detendo-nos nas criptas, somos imersos numa atmosfera de silêncio, que é contudo apenas o silêncio de um antigo cemitério. Ele, porém, atinge-nos intimamente, porque não é silêncio de morte, de saudade sem esperança de tudo que era caro aos Cristãos durante suas vidas. É silêncio de plenitude, repleto das vozes dos mártires que viveram a nossa vida, e que corajosa e constantemente testemunharam a própria fé não só em tempo de paz religiosa, mas sobretudo nas perseguições.
    Este silêncio é cheio de paz, de esperança numa futura vida melhor na luz da ressurreição de Cristo. O silêncio das catacumbas está cheio de história e de mistério; é sagrado, significativo e mais eloqüente do que as próprias palavras; é enriquecedor porque nos leva a refletir sobre a Igreja das origens, o heróico testemunho dos Mártires, como também o testemunho ordinário dos simples cristãos, que não sepultaram a própria fé debaixo da terra, mas viveram-na na vida de cada dia, na família, na sociedade, no trabalho, em cada tarefa ou profissão.
    É um silêncio comunicativo, que fala ao coração e à mente dos peregrinos, que lhes revela o mundo desconhecido da Igreja primitiva, com suas classes sociais, sentimentos e afetos; com as penas e as esperanças dos Cristãos sepultados nas catacumbas. Não podemos sufocar esse silêncio, que fala por si mesmo, ou melhor, grita mais imperiosamente. São Gregório Magno falou do “strepitus silentii”, do “fragor do silêncio”, uma marca que se adapta perfeitamente ao silêncio das catacumbas.

    Esta atmosfera de silêncio, evocativa da vida e do sacrifício dos primeiros Cristãos, constituium lugar privilegiado de meditação espiritual, de revisão de vida, de renovação da fé. O seu testemunho corajoso e fiel interpela-nos pessoalmente. Qual é a “nossa” resposta hoje ao amor de Deus, numa sociedade que talvez não é tão hostil como a deles, mas que é principalmente indiferente aos valores religiosos?
    As catacumbas deixam-nos uma mensagem de fé silenciosa, mas clara, tão mais necessária porque a nossa época está doente de rumor, de exterioridade, de superficialidade. Aqui as palavras não são necessárias, porque as catacumbas falam por si mesmas.

    Isto é o Cristianismo, em seu grau máximo de simplicidade e de intensidade, incorporado em figuras de mártires, confessores e virgens, que falam das criptas e deambulatórios, das pinturas e lápides consagradas por quase dois milênios de veneração. É justamente esse o caráter de essencialidade elementar, eficaz, inexaurível, que fez das catacumbas romanas uma das metas prediletas da Cristandade peregrina.
    Nos passos dos mártires e dos primeiros cristãos, a espiritualidade das catacumbas haverá de ajudar-nos a celebrar o Jubileu com uma verdadeira e profunda renovação da nossa fé para “viver da plenitude da vida em Deus” (Tertio Millennio Adveniente, n. 6).

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  29. Marco Aurélio
    Imperador romano
    Marco Aurélio, b. Abril 26, 121, d. 17 de março, 180, governou Roma de 161 até sua morte. Nascido Marcus Annius Verus, ele foi adotado pelo imperador AntoniusS Pio em 138 e casado com sua filha Annia Galeria Faustina alguns anos mais tarde. Ele sucedeu ao trono sem dificuldade sobre a morte de Antonino. Marcus insistiu em dividir o poder igualmente com Lúcio Vero, Antonino quem tinha também adoptado, embora Verus, que morreu em 169, foi claramente menos competente.
    Educado pelos melhores tutores em Roma e Atenas, Marcus era um devoto de aprendizagem grega e da filosofia do estoicismo. Mesmo durante as suas campanhas (167-175, 178-180) contra a Marcomanni e outras tribos do Danúbio manteve um “diário espiritual”. Este documento, as Meditações, reflete a tentativa de Marcus para conciliar sua filosofia estóica da virtude e do auto-sacrifício com o seu papel como um guerreiro soberano.
    Guerras de Marcus e benevolências – ele baixou os impostos e foi caridoso em relação aos menos afortunados – eram caros e muitas vezes ineficaz.Cômodo, seu filho, que lhe sucedeu, herdou a guerra do Danúbio, que Roma não podia ganhar, e um tesouro que tinha sido gravemente depauperadas.
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    Ele escreveu uma Epístola de Marco Aurélio para o Senado, creditando cristãos com sua vitória.

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  30. São Clemente I

    Clemente, d. AD 101, chamado Clemente de Roma, era o bispo de Roma, ou papa, de c.92 a 101. De acordo com Irineu, foi o terceiro sucessor de São Pedro. Pouco se sabe de sua vida, a principal fonte de informação é a sua Epístola aos Coríntios (c.96), a peça mais antiga da literatura cristã que não escritos do Novo Testamento em que o nome do autor é certo. A grande estima em que Clemente foi realizada é evidente pelo fato de que até o século quarto sua carta foi aceita por alguns como Escritura. Ele é um dos Padres da Igreja Apostólica. A carta foi escrita por causa de discórdia interna e divisão na igreja de Corinto. Clemente interveio em nome da igreja em Roma, e apelou para a restauração da paz, ordem, harmonia e. O documento, que demonstra familiaridade com Clemente filosofia estóica e mitologia grega, dá um retrato valioso da organização da igreja primitiva,

    Clemente de Roma (c.30-101 dC)

    Obra Primeira Epístola de Clemente de Roma aos Coríntios (c.97 dC)
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  31. Biografia de São Justino Mártir
    São Justino Mártir, C.100-c.165, é reconhecido como um dos mais importantes escritores cristãos primitivos. Um samaritano, ele estudou em diversas escolas de filosofia – estóica, peripatética, pitagórica e platônica – antes de se tornar um cristão. Justin assumiu a tarefa de fazer uma defesa racional do cristianismo para os forasteiros. Ele foi para Roma e abriu uma escola de filosofia. Justin é o renomado autor de um vasto número de tratados, mas as únicas autênticas obras restantes são duas Apologies, o seu Diálogo com Trifão o judeu, e fragmentos de Sobre a ressurreição. Justin foi decapitado, provavelmente em 165.
    Obras de S. Justino Mártir
    • Justino Mártir (110-165 AD)
    • Primeira Apologia de Justino Mártir
    • Segunda Apologia de Justino Mártir
    • Diálogo de Justino Mártir e Trifon
    • Exortatório Endereço de Justin para os gregos
    • Justino Mártir sobre o único governo de Deus
    • Justino Mártir sobre a Ressurreição
    • Fragmentos de escritos Justin Mártir
    • Martírio de Justino Mártir
    • Martírio dos Santos Mártires

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  32. Biografia de Júlio Africano

    Sexto Júlio Africano (em latim: Sextus Julius Africanus) foi um viajante e historiador cristão do final do século II d.C. e início do século III d.C. Ele foi uma importante influência para Eusébio de Cesareia e todos os padres da Igreja posteriores que escreveram sobre a história da Igreja Católica, e em toda a escola grega de escritores de crônicas.
    Seu nome indica que ele ele era um africano. Suidas o chamou de “um filósofo líbio”, enquanto Gelzer o considerou como tendo ascendência romana[1]. Júlio chamava a si mesmo de “nativo de Jerusalém” – que alguns estudiosos consideram ser de fato seu lugar de nascimento– e vivia nas redondezas de Emaús. Sua crônica indica sua familiaridade com a topografia da Palestina.

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    Obras de Júlio Africano
    • Júlio Africano (200-245)
    Aviso de Introdução ao Júlio Africano.
    As sobrevivente escritos de Júlio Africano.
    • I.-A Epístola aos Aristides.
    • II.-narrativa de eventos que acontecem na Pérsia sobre o nascimento de Cristo
    • III.-os fragmentos existentes dos cinco livros da Chronographié de Júlio Africano.
    • IV.-A Paixão de São Sinforosa e seus sete filhos.

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  33. Uma síntese, uma bela síntese do que foi o sofrimento imposto aos cristãos dos quatro primeiros séculos do cristianismo.. Mas gostaria de dizer que nós conhecemos um número ínfimo de mártires,. As catacumbas romanas estão sempre lotadas de estudiosos à procura de mártires. Santa Filomena, por exemplo, só teve a sepultura descoberta no século XIX. Não podemos esquecer o imperador Juliano, o Apóstata, filho de um meio irmão de Constantino. Embora criado na religião cristã, quando assumiu o império pretendeu impor novamente o paganismo. Ele governou de 361 a 363, e durante o seu reinado foram martirizados Santa Bibiana, sua irmã, e seus pais, O túmulo de Santa Bibiana se encontra sob a Basílica de Santa Maria Maior. Tal como o imperador Décio, esse monstro acabou morrendo numa guerra contra os persas. Ah, ia esquecendo. Não podemos esquecer de uma mártir alemã, Santa Afra. Prostituta, converteu-se ao cristianismo e a partir de então levou uma vida virtuosa. Morreu mártir em 304. Quinze dias depois, sua mãe foi visitar seu túmulo, e foi martirizada também. Colocaram-lhe fogo nas vestes. Trata-se de Santa Hilária.Parabéns Helen, brilhante a sua postagem.

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    • Braz dos Santos amigo Braz vou presentear você e os leitores do site da Helen um pouco de patrística revelando a vocês um muito das catacumbas dos mártires da igreja católica comprovados unânimes por todos os historiadores padres da igreja padres apostólicos

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      • CATACUMBAS CRISTÃS DE ROMA E PERSEGUIÇÕES DOS PRIMEIROS CRISTÃOS

        INTRODUÇÃO

        As catacumbas são antigos cemitérios subterrâneos, usados por algum tempo pelas comunidades cristãs e judaicas, sobretudo em Roma. As catacumbas cristãs, que são as mais numerosas, originaram-se no secundo século e a escavação continuou até à primeira metade do quinto século.

        Elas foram, na origem, apenas lugares de sepultura. Aqui os cristãos reuniam-se para celebrar os ritos fúnebres, os aniversários dos mártires e dos defuntos.

        Em casos excepcionais, durante as perseguições, serviram também como lugar de refúgio momentâneo para a celebração da Eucaristia. Elas nunca foram usadas como esconderijos secretos dos cristãos, sendo isso pura lenda, ficção, proposta por romances e filmes.

        Acabadas as perseguições, sobretudo no tempo do papa São Dâmaso (366-384), as catacumbas tornaram-se verdadeiros e próprios santuários dos mártires, centros de devoção e de peregrinação de cristãos de todas as partes do império romano.

        Também existiam em Roma, naquela época, cemitérios ao aberto, mas os cristãos, por diversos motivos, preferiram os cemitérios subterrâneos. Antes de tudo eles recusavam o uso pagão da cremação dos corpos. A exemplo da sepultura de Cristo, eles preferiam a inumação, por um senso de respeito para com o corpo destinado um dia à ressurreição dos mortos.

        Esse sentimento vivo dos cristãos criou um problema de espaço, que influiu fortemente no desenvolvimento das catacumbas. Caso tivessem utilizado apenas cemitérios ao aberto o espaço disponível deveria exaurir-se em pouco tempo, visto que normalmente os cristãos não reutilizavam os sepulcros. As catacumbas resolveram o problema de forma econômica, prática e segura. Como os primeiros cristãos eram, em sua maioria, gente pobre, essa forma de sepultura foi decisiva.

        Existiram, entretanto, outros motivos que levaram à opção da escavação subterrânea. Era vivíssimo nos cristãos o sentido de comunidade: eles desejavam estar juntos também no “sono da morte”. Além disso, esses lugares eram apartados permitindo, particularmente durante as perseguições, reuniões comunitárias reservadas e discretas e consentindo o livre uso dos símbolos cristãos.

        Em conformidade com a lei romana, que proibia a sepultura dos defuntos no recinto interno às muralhas da cidade, todas as catacumbas estão situadas ao longo das grandes estradas consulares e, geralmente, na imediata área suburbana daquele tempo.

        HISTÓRIA

        Os cristãos do primeiro século não tinham cemitérios próprios. Possuíam terrenos, sepultavam neles os seus defuntos, ou recorriam aos cemitérios comuns, usados também pelos pagãos. São Pedro, por esse motivo, foi sepultado na “necrópole” (“cidade dos mortos”) junto à Colina do Vaticano, aberta a todos; São Paulo, igualmente, foi sepultado numa necrópole da Via Ostiense.

        Na primeira metade do século segundo, como consequência de várias concessões e doações, os cristãos começaram a sepultar os seus mortos abaixo da terra. Iniciaram-se assim as catacumbas. Muitas delas surgiram e desenvolveram-se ao redor de sepulcros familiares, cujos proprietários, recém convertidos, não os reservaram apenas à família, mas abriram-nos também aos seus irmãos na fé. Com o passar do tempo as áreas funerárias alargaram-se, às vezes por iniciativa da própria Igreja. É tipico o caso das catacumbas de São Calisto: a Igreja assumiu diretamente a sua organização e administração, com caráter comunitario.

        Com o edito de Milão, promulgado pelos imperadores Constantino e Licínio em fevereiro de 313, os cristãos não foram mais perseguidos. Podiam professar livremente a fé, construir 1ugares de culto e igrejas dentro e fora das muralhas da cidade, e comprar lotes de terreno sem perigo de confisco. As catacumbas, contudo, continuaram a funcionar como cemitérios regulares até os inícíos do seculo quinto, quando a Igreja voltou a sepultar exclusivamente acima da terra ou nas basílicas dedicadas a mártires importantes.

        Quando os bárbaros (Godos e Longobardos) invadiram a Itália e desceram até Roma, destruíram sistematicamente muitos monumentos e saquearam muitos lugares, inclusive as catacumbas. Impotentes diante das repetidas invasões, pelo final do oitavo e início do nono século, os papas fizeram transferir, por razões de segurança, as relíquias dos mártires e dos santos às igrejas da cidade.

        Uma vez concluído o traslado das relíquias, as catacumbas não foram mais frequentadas, sendo totalmente abandonadas, com exceção das de São Sebastião, São Lourenço e São Pancrácio. Com o passar do tempo, os desabamentos e a vegetação obstruíram e esconderam as entradas das outras catacumbas, tanto que se perderam até mesmo os sinais delas. Durante todo a tarda Idade Média não se sabia nem sequer onde se localizassem.

        A exploração e o estudo científico das catacumbas tiveram início, séculos dcpois, com Antonio Bosio (l575-l629), chamado de o “Colombo da Roma subterrânea”. No século passado, a exploraçao sistemática das catacumbas, e particularmente das de São Calisto, foi realizada por Giovanni Battista de Rossi (1822-1894), considerado o fundador e pai da Arqueologia Cristã.

        DESCRIÇÃO

        As catacumbas são formadas por galerias subterrâneas, parecendo verdadeiros labirintos e podem atingir no conjunto muitos quilômetros. Nas paredes de tufo desse intrincado sistema de galerias foram escavadam filas de nichos retangulares, chamados lóculos, de várias dimensões, que podiam conter um único cadáver, mas era frequente o caso que contivessem os corpos de duas e às vezes mais pessoas.

        A sepultura dos primeiros cristãos era extremamente simples e pobre. Como Cristo, os cristãos eram envolvidos num lençol ou sudário, sem caixão. Os lóculos eram fechados em seguida com placas de mármore ou, na maioria dos casos, com telhas fixadas por argamassa. Sobre a placa escrevia-se às vezes o nome do defunto, com um símbolo cristão ou os votos de paz no céu. Com freqüência eram colocadas junto aos sepulcros lamparinas a óleo ou pequenos vasos com perfume.

        Pela sua colocação em filas sobrepostas umas sobre as outras, as sepulturas davam a idéia de um vasto dormitório, chamado cemitério, termo de origem grega que significa “lugar de repouso”. Os cristãos queriam afirmar dessa forma a própria fé na ressurreição dos corpos. Além dos lóculos existiam outros tipos de sepultura: arcossólio, sarcófago, forma, cubículo e cripta.

        O arcossólio, sepultura típica do terceiro e quarto séculos, é um nicho bastante grande, com um arco sobrestante. A placa de mármore era colocada horizontalmente. Em geral o arcossólio servia como sepultura para uma família inteira

        O sarcófago é um caixão de pedra ou mármore, ornado normalmente com esculturas em relevo ou com inscrições.

        A forma é uma sepultura escavada no pavimento das criptas, dos cubículos ou das galerias. Encontram-se em grande número próximo às sepulturas dos mártires.

        Os cubículos, (o termo significa “câmaras”), eram pequenas salas, verdadeiros mausoléus familiares com capacidade para vários lóculos. O uso de um mausoléu de família não era privilégio reservado aos ricos. Os cubículos e os arcossólios eram freqüentemente decorados com afrescos que repetiam cenas bíblicas e que reproduziam os temas do Batismo, da Eucaristia e da Ressurreição, simbolizada no ciclo de Jonas.

        A cripta é uma sala maior. No tempo do papa São Dâmaso muitas sepulturas de mártires foram transformadas em criptas, ou seja, pequenas igrejas subterrâneas, embelezadas com pinturas, mosaicos e outras decorações.

        A escavação das catacumbas era um trabalho exclusivo de uma associação especializada de trabalhadores, os “fossários”. Eles escavavam as galerias uma após a outra à fraca luz de suas lamparinas e serviam-se, para transportar a terra à superfície, de cestos ou sacos passados através de clarabóias abertas no teto das criptas, dos cubículos ou ao longo das galerias. As clarabóias eram longos poços que chegavam à superfície. Quando se concluía o trabalho de escavação, as clarabóias eram deixadas abertas para que entrassem ar e luz, como condutores de ventilação e meios de iluminação.

        Os antigos cristãos não usavam o termo “catacumba”. A palavra é de origem grega e significa “cavidade, um vale aberto”. Os Romanos davam esse nome a uma localidade da Via Appia, onde existiam cavas para a extração de blocos de tufo. Perto dali foram escavadas as catacumbas de São Sebastião. No século IX o termo foi estendido a todos os cemitérios com o significado específico de cemitério subterrâneo.

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  34. fascinante s patrística excelente tradução já tinha ouvido muito falar nessa historia de nome as 10 primeiras perseguições dos imperadores sobre os cristãos dos primeiros séculos

    maravilhoso site de apologética um muito obrigado pornos da maravilhosas informações

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