Apologética Católica

Se Deus existe, por que há tanto mal na terra?


Fonte - Spiritus Paraclitus

O problema do mal é o problema mais sério do mundo hoje. É também a  mais séria objeção em relação a existência de Deus.

Quando São Tomas de Aquino escreveu sua grande Suma Teológica, ele encontrou apenas duas grandes objeções a existência de Deus, mesmo ele tentando listar pelo menos três objeções para cada uma das milhares de teses que ele tentou provar nesse seu grande trabalho. Uma das duas objeções é a habilidade aparente das ciências naturais para explicar tudo em nossa existência, sem Deus; e a outra é o problema do mal.

Mais pessoas tem abandonado sua fé por causa do problema do mal mais do que qualquer outra razão. É certamente o maior teste de fé, a maior tentação para a descrença. E não é apenas uma objeção intelectual. Nós a sentimos. Nós a vivemos. É por isso que o Livro de Jó é tão cativante.

O problema pode ser indicado de uma maneira muito simples: Se Deus é tão bom, porque o Seu mundo é tão mal? Se um Deus todo bom, onisciente, todo-amoroso, todo-justo e todo-poderoso esta comandando o espetáculo, por que ele parece esta fazendo um trabalho tão miserável? Porque coisas ruins acontecem com pessoas boas?

O descrente que faz essa pergunta esta geralmente sentindo algum ressentimento e rebelião contra Deus, não é apenas a falta de evidencias a Sua existência. C.S. Lewis relembra que como um ateu ele “não acreditava que Deus existisse. Eu também tinha muita raiva Dele por não existir. Também tinha raiva Dele por ter criado o mundo.”

Quando você conversa com tal pessoa, lembre-se que é mais como se estivesse conversando com um divorciado do que com um cientista descrenteA razão pela descrença é um amante infiel, e não uma hipótese inadequada. O problema do descrente não é apenas uma mente fraca, mas um coração duro. E o bom apologista sabe como fazer o coração guiar a mente e vice-versa. Existem quatro partes para a solução do problema do mal.

Primeiro, o mal não é uma coisa, uma entidade, um ser. Todos os seres são ou do Criador ou das criaturas criadas pelo Criador. Mas tudo que Deus criou é bom, de acordo com Genesis. Nós tendemos naturalmente pintar uma imagem do mal como uma coisa – uma nuvem negra, ou uma tempestade perigosa, ou um rosto fazendo caretas ou sujeira. Mas essas imagens nos enganam. Se Deus é o criador de todas as coisas, e o mal é uma coisa, então Deus é o criador do mal, e ele é o culpado por sua existência. Não, o mal não é uma coisa, mas sim uma escolha errada, ou o dano feito pela escolha errada. O mal não é uma coisa mais positiva do que a cegueira é, mas é tão real quanto. Não é uma coisa, mas não é uma ilusão.

Segundo, a origem do mal não é o Criador, mas a criatura ao escolher livremente o pecado e o egoísmo. Tire todo o pecado e egoísmo e você teria o céu na terra. Ate mesmo os males físicos restantes já não mais nos irritariam e nos amargurariam. Os santos suportam e até abraçam o sofrimento e a morte como amantes que abraçam desafios heróicos. Mas eles não abraçam o pecado. Mais adiante, a causa do mal físico é o mal espiritual. A causa do sofrimento é o pecado. Depois que Gênesis nos contou a história do Bom Deus que criou o mundo bom, logo em seguida ele responde a pergunta óbvia “De onde veio o mal então?” pela história da queda da humanidade. Como nós devemos entender isto? Como o mal espiritual (pecado) pode causar o mal físico (sofrimento e morte)?

Deus é a fonte de toda a vida e alegria. Então, quando a alma humana se rebela contra Deus, perde sua vida e alegria. Agora, um ser humano é formado de corpo dotado de alma espiritual. Nós somos uma única criatura, não somos duplos. Nós nem somos corpo alma, tanto quanto somos alma encarnada ou corpo animado. Então o corpo deve compartilhar a inevitável punição da alma – um castigo tão natural e inevitável como ossos quebrados por saltar de um penhasco ou um estomago enjoado por comer comida estragada, e não um castigo por conseguir uma nota baixa na escola ou uma tapinha nas mãos por tirar os biscoitos. Se esta conseqüência do pecado foi uma mudança física no mundo, ou apenas uma mudança espiritual na consciência humana – se os espinhos e os abrolhos cresceram no jardim somente após a queda ou se eles estavam sempre La, mas só foi sentida a dor pela recém caída consciência – é outra questão. Mas em qualquer caso, a conexão entre o mal físico e o mal espiritual tem que ser tão próxima quanto a conexão entre as duas coisas que afetam, a alma humana e o corpo humano.

Se a origem do mal é o livre arbítrio, e Deus é a origem do livre arbítrio, não será Deus a origem do mal? São os pais a origem dos erros cometidos pelos seus filhos só porque eles deram origem a seus filhos? O Deus todo-poderoso nos deu uma parte de Seu poder para escolher livremente. Preferiríamos que ele não tivesse dado e tivesse nos feito como robôs ao invés de seres humanos?

terceira parte da solução para o problema do mal é a parte mais importante: como resolver o problema na prática, e não apenas na teoria; na vida, não só no pensamento. Apesar do mal ser um problema sério para o pensamento (pois parece refutar a existência de Deus), é ainda um problema maior na vida (pois é a exclusão real de Deus). Mas mesmo que você ache que a solução no pensamento é obscura e incerta, a solução na pratica é tão forte e clara como o sol: é o Filho. A solução de Deus para o problema do mal é Seu Filho Jesus Cristo. O amor do Pai nos enviou Seu Filho para morrer por nos para derrotar o poder do mal na natureza humana: este é o coração da história Cristã. Nós não adoramos um Deus deísta, um proprietário da terra ausente que ignora suas casas; nós adoramos um Deus lixeiro que veio direto para o nosso pior lixo para limpar tudo.

A Cruz é a parte de Deus como solução prática para o mal. Nossa parte, de acordo com o mesmo Evangelho, é de nos arrependermos, crermos e trabalharmos com Deus na luta contra o mal pelo poder do amor. O Rei invadiu, estamos terminando a operação de limpeza.

Finalmente, e sobre o problema filosófico? Não é logicamente contraditório dizer que um todo-poderoso e todo-amoroso Deus tolera tanto mal quando Ele poderia erradicá-lo? Por que coisas ruins acontecem com pessoas boas? A pergunta faz três pressupostos questionáveis.

Primeiro, quem disse que somos pessoas boas? A pergunta não deveria ser “Por que coisas ruins acontecem com pessoas boas?” mas sim, “Por que coisas boas acontece com pessoas ruins?”. Se a fada madrinha da Cinderela diz que ela pode vestir seu vestido mágico até meia-noite, a pergunta não deveria ser “Porque não depois de meia-noite?”, mas sim “ Por que pude vesti-lo, em primeiro lugar?”. A pergunta não é porque o copo d’água está vazio pela metade, mas sim por que está cheio pela metade, pois toda bondade é um dom. As melhores pessoas são aquelas que são mais relutantes em chamarem a si mesmas de boas. Pecadores pensam que são santos, mas os santos sabem que são pecadores. O melhor homem que já viveu um dia disse: “Ninguém é bom, apenas Deus.”

Segundo, quem disse que sofrimento é sempre ruim? A vida sem ele produziria crianças mimadas e tiranas, e não santos alegres.

O rabino Abraham Heschel diz simplesmente: “O homem que não tenha sofrido, o que é possível que ele saiba, afinal?” O sofrimento pode trabalhar para o bem maior da sabedoria. Não é verdade que todas as coisas são boas, mas é verdade que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus.”

Terceiro, quem disse que nós temos que saber todas as razoes de Deus? Quem já nos prometeu todas as respostas? Os animais não podem entender muito sobre nós; Porque deveríamos ser capazes de entender tudo sobre Deus? O ponto óbvio do Livro de Jó, a maior exploração do mundo sobre problema do mal, é que nós simplesmente não sabemos o que Deus esta fazendo.

Que lição difícil de aprender: lição número Um, que nós somos ignorantes, que nós somos crianças! Não é a toa que Sócrates foi declarado o homem mais sábio do mundo pelo Oráculo de Delfos. Ele interpretou essa declaração no sentido de que só ele sabia que não tinha sabedoria, e essa foi a verdadeira sabedoria para o homem.

Uma criança no décimo andar de um prédio em chamas não pode ver os bombeiros com suas redes de segurança na rua. Eles gritam “Pula! Nos te seguraremos. Confie!”. A criança responde: “Mas não te vejo.”. O bombeiro responde, “Esta tudo bem, eu te vejo”. Nós somos como aquela criança, o mal é como o fogo, nossa ignorância é como a fumaça, Deus é como o bombeiro, e Cristo é como a rede de segurança. Se existe situações como esta que nós devemos confiar até mesmo em seres humanos falíveis com as nossas vidas, onde nós devemos confiar no que ouvimos, e não no que vemos, então é razoável que nós devemos confiar no infalível Deus que tudo vê, quando ouvimos de Sua palavra, mas não vemos por causa de nossa razão ou experiência. Nós não podemos saber todas as razoes de Deus, mas nós podemos saber o porque não sabemos.

Deus já nos deixou saber muito. Ele levantou a cortina no problema do mal com Cristo. Lá, o maior mal que já aconteceu, ambos o maior mal espiritual e o maior mal físico, ambos o pecado maior (deicídio) e o maior sofrimento (amor perfeito odiado e crucificado), é revelado como Seu plano sábio e amoroso para trazer o maior bem, a salvação do mundo contra o pecado e o sofrimento eterno. Ai esta, a maior injustiça de todos os tempos esta integrado no plano de salvação que São Paulo chama de “a justiça de Deus”. O amor encontra uma maneira. O amor é muito complicado. Mas precisa de amor para ser confiável.

O pior aspecto do problema do mal é o mal eterno, o inferno. O inferno não contradiz um amado e onipotente Deus? Não, pois o inferno é a conseqüência do livre arbítrio. Nós escolhemos livremente o inferno para nós mesmos. Deus não manda ninguém para o inferno contra sua vontade. Se uma criatura é realmente livre pra dizer sim e não a oferta de amor e casamento espiritual do Criador, então deve ser possível para a criatura dizer não. E isso é o que o inferno é, essencialmente. Livre arbítrio, por vez, foi criado do amor de Deus. Então, inferno é o resultado do amor de Deus. Tudo é.

Nenhuma pessoa sã quer que o inferno exista. Nenhuma pessoa sã quer que o mal exista. Mas o inferno é apenas o mal eternizado. Se existe o mal, e se existe eternidade, pode existir o inferno. Se é intelectualmente desonesto desacreditar no mal só por que é chocante e incomodo, é o mesmo com o inferno. A realidade tem cantos duros, surpresas e perigos terríveis nela. Precisamos desesperadamente de um mapa de verdade, e não sentimentos agradáveis, se quisermos chegar em casa. É verdade, como se costuma dizer, que “o inferno só se sente irreal, impossível”. Sim, assim como o Auschwitz. Assim como o Calvário.

Do Apostolado Online Spiritus Paraclitus / KREEFT, Peter. O problema do mal. [Traduzido pela colaboradora Ana Paula Livingston]. Disponível em: http://www.peterkreeft.com/home.htm

1 reply »

  1. Muito boa a abordagem, embora eu penso que poderia ter se preocupado mais em tratar o mal do ponto de vista moral. Recorrendo ao Livre arbitrio de Santo Agostinho fica muito fácil de explicar o mal Moral. Contudo antes de comentar sobre a resposta do bispo de hipona a esta questão, penso que vale a pena clarificar o conceito de bom e mal no ambito da ontologia para que entendamos em que sentido podemos dizer do mundo que é bom ou mal e do homem.
    Bom e mal enquanto qualidades descrevem ou predicam um estado ou disposição em que algo é melhor (bom) ou pior (mal), Melhor ou pior ontologicamente falando traduz o conceito de perfeito (completo) e imperfeito (incompleto). Entendido agora a ideia em questão podemos pensar o que Deus quis dizer com “bom” ao se referir à criação no livro do Gênesis. O que muitas pessoas não sabem ou sabem e fingem não saber é que existe uma harmonia na criação. As vezes a nossa inteligência atribui imperfeição onde não há tal atributo. Pensamos as vezes na debilidade do corpo, nos desejos e necessidades fisiologicas como se a configuração do seres simplesmente fosse imperfeita por não ser eterna, imútavel, incorruptivel e sobretudo livre de desejos. O próprio Agostinho ao falar da criação pensa em termos de perfeição relativa, porque de fato, somos seres acabados no sentido mais próprio que o vócabulo “Perfectio” em latim ou “Teléion” em grego expressam. Em outras palavras ser perfeito implica necessariamente ser de acordo com a natureza disposta em nosso ser pelo ato criador e intenção de Deus.
    Do ponto de vista ontológico a nossa perfeição é integrar a ordem disposta por Deus à criação e de sobre maneira somos dispostos para Deus como nos fala o mesmo Agostinho nas confissões. Agora ao tratar do mal moral temos que levar em conta não um suposto permissivismo de Deus para com o mal, mas sim que somos livres para agir bem e se agirmos mal é fruto do mal uso da nossa liberdade. Ora, se Deus se dispusesse a interfirir nas nossas ações então já não seríamos livres, mas isto é um absurdo. Tanto Agostinho quanto Sto. Tomás de Aquino nos ensina que ação moral quando correta isto é, boa, nos aperfeiçoa pois nos aproxima da perfeição de Deus. Tal como no evangelho de Matheus onde Jesus diz: “Sede pois, perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”. Neste caso a perfeição a que Jesus se refere não é tanto ontológica, mas moral, porque Deus é Justiça, no entanto a perfeição moral praticada pelo cristão o conduz para mais perto de Deus gerando nele a santidade. A santidade, com efeito, é um estado de Graça para o qual nos abrimos sempre que no inclinamos para o que é bom. Se há o mal não é pq simplesmente Deus o permite, mas pq nós mesmos o permitimos optando pelo pior e quebrando a ordem disposta Por Deus a criação. a noção de lei que aparece em Sto. Tomás já está presente em Agostinho no livre arbitrio, mas o mais importante é que Santo Agostinho muito antes de Kant já havia fundamentado a moral, a ética na boa vontade esta é, sem dúvida, incondicionada por desejos desvairados e parte daquilo que Deus nos deu não como um simples privilégio, mas como um dom a serviço dele e da criação que ele confiou a nós, isto é a reta razão. Portanto as pessoas que afirmam que a existência do mal moral implica numa deficiencia de Deus, não sabem de fato o que é liberdade e muito menos entende que a justiça de Deus começa sua ação aqui e termina no que a teologia chama de escatologia. Não entende também o que de fato significa a palavra perfeição e tampouco que é a liberdade que nos permite sermos humanos e capazes de Justiça conscientemente e não apenas sermos fantoches na mão do seu criador. Quem diz que Deus deve interfirir na liberdade humana, tem uma visão helenizada da divindade, são pessoas que defendem o determinismo moral e não entenderam que se fosse deste modo o mal e sequer o bem existiriam.

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