Apologética Católica

Jesus era Comunista? O que diz a Igreja?


Mulher em manifestação comunista

A sabedoria do Magistério Católico, em seus 2000 mil anos de existência, sempre viu-se compelida a lidar com as questões pertinentes à vida cristã em seus mais diversos temas. Seria, portanto, difícil imaginar que o Magistério não tivesse um ponto de vista, um ensinamento oficial, pertinente aos regimes totalitários existentes ao longo da história. Desse modo, “A doutrina social da Igreja desenvolveu-se no século XIX aquando do confronto do Evangelho com a sociedade industrial moderna, as suas novas estruturas para a produção de bens de consumo, o seu novo conceito de sociedade, de Estado e de autoridade, as suas novas formas de trabalho e de propriedade.” (CIC 2421)

Entretanto, quando se trata do Comunismo, ou mesmo do  Socialismo, na forma como são entendidos atualmente, parece haver uma grande confusão na mente das pessoas, inclusive católicas, no que se refere à incompatibilidade entre as Doutrinas da Igreja e os referidos sistemas políticos. Uma consequência disso é, de maneira abrangente, a disseminação das idéias marxistas sob uma feição supostamente cristã que parece justificar algumas aberrações como, por exemplo, a Teologia da Libertação, notadamente infiltrada nos meios católicos desde o seu cimo.  Contudo,  a infiltração de sectos hereges na Igreja,  não é o tema deste texto. Por isso, peço que o leitor seja paciente enquanto desenvolvo minha abordagem.

A confusão da qual pretendo falar aqui é aquela resultante não de ideologias mal-intencionadas, mas da ingenuidade do cristão comum e do seu desejo sincero de cumprir a vontade de Deus.  Afinal, o Cristo Libertador pregado pelos “Teólogos da Libertação” foi aquele mesmo que pregou: “Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!” (Mt, 19,21) Não seria essa uma premissa socialista, e portanto, o primeiro passo em direção ao regime perfeito supostamente cumprido pelo comunismo? Seria Jesus um comunista?

Mais adiante, há aqueles que equivocam-se ainda mais gravemente presumindo que os próprios primeiros cristãos tenham praticado e difundido entre si a noção de um comunismo primitivo. Essa ideia, alegam, tem suas raízes nas próprias Escrituras, nos relatos dos Atos dos Apóstolos:

 Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum.45.Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de cada um. Atos 2, 44-45

A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era comum. Atos 4,32

Antes de prosseguir para a explicação que refuta a essa noção equivocada de um “comunismo cristão”, vejamos o que ensina a Igreja em seu Catecismo:

2425. A Igreja rejeitou as ideologias totalitárias e ateias, associadas, nos tempos modernos, ao «comunismo» ou ao «socialismo». Por outro lado, recusou, na prática do «capitalismo», o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 10: AAS 83 (1991) 804-806; Ibid., 13: AAS 83 (1991) 809-810; Ibid., 44: AAS 83 (1991) 848-849.). Regular a economia só pela planificação centralizada perverte a base dos laços sociais: regulá-la só pela lei do mercado é faltar à justiça social, «porque há numerosas necessidades humanas que não podem ser satisfeitas pelo mercado» (168). É necessário preconizar uma regulação racional do mercado e das iniciativas económicas, segundo uma justa hierarquia dos valores e tendo em vista o bem comum.

No parágrafo acima, notemos com cuidado que a Igreja na verdade rejeita  “ideologias totalitárias e ateias”. Não apenas o que se entende por “comunismo” é rejeitado, mas também outras ideologias ligadas a ele “nos tempos modernos”.

Dito isto, quando se considera que a palavra comunismo vem da mesma raiz  que “comunidade ” é quase natural deduzir que na idéia de  comunismo estão contidas muitas facetas de doutrinas que  a primeira vista soam muito cristãs, e que por isso seja difícil dizer que uma pessoa não possa ser ao mesmo tempo católica e comunista.

Para validar essa noção, uns argumentam que a própria Igreja seja avessa ao Capitalismo, porque ela recusa-se a aceitar  o individualismo na prática do capitalismo, bem como a supremacia absoluta da lei do mercado sobre o trabalho humano. Vejamos, mais uma vez, o que diz o Catecismo da Igreja:

2424. Uma teoria que faça do lucro a regra exclusiva e o fim último da actividade económica, é moralmente inaceitável. O apetite desordenado do dinheiro não deixa de produzir os seus efeitos perversos e é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a ordem social Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 63: AAS 58 (1966) 1085; João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 7: AAS 73 (1981) 592-594: Id., Enc. Centesimus annus, 35: AAS 83 (1991) 836-838.).

Um sistema que «sacrifique os direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à organização colectiva da produção», é contrário à dignidade humana ( II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 65: AAS 58 (1966) 1087). Toda a prática que reduza as pessoas a não serem mais que simples meios com vista ao lucro, escraviza o homem, conduz à idolatria do dinheiro e contribui para propagar o ateísmo. «Não podeis servir a Deus e ao dinheiro»(Mt 6, 24; Lc 16, 13)

Portanto, vemos que na verdade a Igreja claramente reforça  não a idéia de rejeição ao Capitalismo, mas à certos aspectos e ideologias associadas a ele.  Mais adiante, a despeito do entendimento de um suposto “comunismo bíblico”,  tal qual descrito nas passagens citadas dos Atos dos Apóstolos, devemos nos lembrar que, na verdade, o objetivo da convivência Comunal descrita por São Lucas não propõe de maneira alguma um ganho material ou temporal na abnegação dos bens e propriedades dos primeiros cristãos, mas sim o desenvolvimento espiritual de cada um,  no seio da igreja nascente do primeiro século. O desprendimento material descrito ali representa a exteriorização de um desejo comum àquela comunidade de seguir a Cristo, na expressão concreta do amor próximo ao atenderem as  necessidades uns dos outros, uma noção alienígena ao  comunismo clássico, cujo fim é meramente de caráter temporal.

 “Entre comunismo e cristianismo, […] a oposição é radical, e acrescenta não se poder admitir de maneira alguma que os católicos adiram ao socialismo moderado: quer porque ele foi construído sobre uma concepção da vida fechada no temporal, com o bem-estar como objetivo supremo da sociedade; quer porque fomenta uma organização social da vida comum tendo a produção como fim único, não sem grave prejuízo da liberdade humana; quer ainda porque lhe falta todo o princípio de verdadeira autoridade social.” (Mater et Magistra, n. 34)

Em suma, podemos concluir que a sabedoria do Magistério busca conduzir-nos a um lugar de fidelidade ao Evangelho de Cristo, onde o objetivo maior deve ser não os interesses que eventualmente nos conduzam à uma “felicidade” efêmera e perecível, mas à verdadeira felicidade, que é eterna, no trabalho para o bem comum na construção do Reino de Deus.

O Papa Bento XVI, em entrevista ao National Catholic Register diz que a comunhão de que São Lucas nos fala no livro do Atos dos Apóstolos, “é principalmente a comunhão com Deus, através da fé, mas a comunhão com Deus cria comunhão entre nós e se exprime necessariamente em que a comunhão concreta de que os Atos dos Apóstolos falam, em outras palavras, a partilha. Ninguém na comunidade cristã deve estar com fome ou pobre: Esta é uma obrigação fundamental. A comunhão com Deus, expressa em comunhão fraterna, é vivida na prática, no compromisso social, na caridade cristã e na justiça.”

9 replies »

  1. Fácil falarmos isso se não estamos passando fome… Muitas pessoas vão a Igreja, rezam, mas não fazem nada pelo próximo… Sou cristão, mas acho que isso de atacar só a esquerda e fechar os olhos para os erros da direita é hipocrísia…

    Like

    • Prezado Damião

      O artigo acima afirma que a Igreja condena o socialismo. Qto ao capitalismo ela recrimina que o mesmo seja praticado de forma a comprometer a justiça social.

      A igreja não recrimina a compensação financeira ao trabalho, ou a propriedade privada ou o lucro. Ela condena sim que esses sejam a motivação para a exploração dos mais fracos ou para fins avessos à moral Cristã.

      Pax
      Hellen

      Like

  2. Excelente artigo, porém com base nele, AINDA não consigo entender a passagem bíblica que diz:

    “Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum(…)
    34Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas, vendiam-nas, levavam o dinheiro, 35e o colocavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um.”

    Poderia, por favor, me esclarecer melhor? Muito obrigada.

    Like

    • Prezada Suzana,

      A resposta para a sua dúvida está neste parágrafo:

      24; Lc 16, 13)

      Portanto, vemos que na verdade a Igreja claramente reforça não a idéia de rejeição ao Capitalismo, mas à certos aspectos e ideologias associadas a ele. Mais adiante, a despeito do entendimento de um suposto “comunismo bíblico”, tal qual descrito nas passagens citadas dos Atos dos Apóstolos, devemos nos lembrar que, na verdade, o objetivo da convivência Comunal descrita por São Lucas não propõe de maneira alguma um ganho material ou temporal na abnegação dos bens e propriedades dos primeiros cristãos, mas sim o desenvolvimento espiritual de cada um, no seio da igreja nascente do primeiro século. O desprendimento material descrito ali representa a exteriorização de um desejo comum àquela comunidade de seguir a Cristo, na expressão concreta do amor próximo ao atenderem as necessidades uns dos outros, uma noção alienígena ao comunismo clássico, cujo fim é meramente de caráter temporal.

      Ou seja, no Novo Testamento, os primeiros Cristãos abstiveram-se da propriedade dos bens materias sem nenhum objetivo ideologico ou temporal que os motivassem a isso. Não foi com o intuito de promover o bem-estar social da maioria, mas sim com o único e primordial objetivo de alcançarem aproximação a Deus através do desapego material. Foi para alcançar o crescimento espiritual, e nºao por qualquer razão pertinente ao mundo ou às necessidades temporais do homem.

      Pax Domini

      Like

      • Entendi mais ou menos… rsrs. Porque seria errado promover o bem estar da maioria? Me desculpe, só gostaria de entender pois sou católica e procuro sempre saber sobre nossa religião. Muito obrigada!

        Like

        • Suzana,

          O texto não diz que seja errado “promover o bem-estar da maioria”. O erro é pressupor que o bem-estar material seja mais importante ou tão importante que o crescimento espiritual. Jesus mesmo disse que aquele que não abnegar o mundo, as coisaa materias, não pode ser Seu discípulo.

          As ideologias de esquerda negam a realidade espiritual, esquecendo-se que “Nem só de pão vive o homem”. A teologia da libertação, por outro lado, equipara o bem material ao bem espiritual.

          Somos chamados a cuidar dos pobres. A compartilhar nossas bênçãos. Não somos, entretanto, chamados à crer que sem o bem material não se possa viver uma vida plena.

          Pax Domini,

          Hellen

          Like

  3. Excelente artigo, porém, com base nele, ainda não entendo a passagem bíblica que diz:

    “Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum(…)
    34Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas, vendiam-nas, levavam o dinheiro, 35e o colocavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um.”

    Gostaria que fosse explicada essa parte acima mais claramente… Muito obrigada!

    Like

Seja respeitoso. Atenha-se ao tema do post. Comentários fora do tema original poderão ser excluídos.