Todos os cristãos concordam que devemos nos submeter à autoridade de Cristo; o problema é como ambos os grupos percebem tal autoridade. Para o Cristão fundamentalista somente a Bíblia compõe a regra da fé, enquanto os Católicos aceitam a Bíblia e a Sagrada Tradição como depósito da fé
Ou seja, quando um protestante questiona um Católico “Onde a Bíblia ensina tal doutrina?” o Católico vê-se obrigado a responder: “Primeiro demonstre onde na Bíblia está escrito que toda doutrina Cristã deve estar explicitamente contida nas Sagradas Escrituras!”
Entenda porque os cristãos primitivos aceitavam a Sagrada Tradição:
Está claro na Bíblia que Jesus Cristo, ao escolher Seus Doze Apóstolos, pretendia instituir um apostolado capaz de transpor as limitações do tempo de vida de cada um dos Apóstolos. Por isso os ordenou que “fizessem discípulos de todas as nações…” ensinando tudo aquilo lhes havia sido confiado por Ele, o próprio Cristo.
Percebemos que depois da ascensão do Senhor, os Apóstolos prontamente começam a executar essa ordem com a escolha de um novo membro da Igreja para tomar o lugar Judas. Isso nos demonstra que para os Apóstolos estava claro que o ofício ocupado por Judas não se restringia à pessoa individual de Judas, mas sim a uma autoridade específica delegada à Igreja de Cristo no cumprimento de sua missão. Com isso, Pedro, o líder escolhido por Jesus, declara: “Que outro tome o seu lugar de autoridade” (Atos 1:20) e Matias é selecionado.
Concílio de Jerusalém em Atos 15: 1-21 – O primeiro concílio da Igreja
A Bíblia comprova ainda que mesmo antes da morte dos Apóstolos uma segunda geração de líderes começara a ser escolhida para exercer a autoridade da Igreja. Vemos em Atos 15: 2,4,6 e 22 que esses líderes eram chamados anciões, bispos e diáconos. Fica bastante evidente a formação de uma hierarquia dentro da Igreja desde de seu princípio que perdura até os dias de hoje.
Na ocasião do Concílio de Jerusalém, os bispos reuniram-se com os Apóstolos para decidirem se novos fiéis, os chamados gentios, deveriam ou não se submeterem às leis Mosaicas – por meio da circuncisão – para obterem a salvação por Cristo. Note-se que o concilio delibera sobre a questão sem fazer referencia às palavras de Jesus ou ao antigo testamento; ao invés disso a decisão é tomada com base apenas na própria autoridade do concilio!
Ao final do processo, S. Tiago então afirma que ‘nós cremos que’ a decisão tomada está em harmonia com as escrituras (Atos 15:15), exatamente como atesta a Igreja Católica: Ou seja, Tradição e Escrituras Sagradas constituem o Depósito da Fé em perfeita harmonia, uma não pode contradizer a outra. Dessa forma percebemos como cumpriu-se a promessa do Senhor:
Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir. (Jo 16: 12-13)
Ou seja, tudo aquilo que não fora ensinado explicitamente por Cristo à Sua Igreja durante seu ministério na terra, havia de ser revelado pelo Paráclito, o Espírito Santo que guia a Igreja em Verdade desde seus primórdios.
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Categories: Autoridade Eclesial, Tradições Sagradas
Por mais que a Constituição esteja acima de qualquer indivíduo e de qualquer grupo de indivíduos (até mesmo do presidente da república e do congresso nacional), são os membros da Assembleia Constituinte que se reúnem para escrever uma Constituição. E mesmo assim, após tê-la escrito, reconhecem que a mesma tem autoridade acima deles, e é por isso que eles não podem sair por aí pisando na Constituição ou praticando coisas em contradição a ela.
A Constituição não é “autocriada”, ela é formulada pela Assembleia, e mesmo assim todo mundo reconhece que sua autoridade está acima de todos, que devem se submeter a ela em obediência incondicional enquanto a Constituição durar. Se a lógica dos católicos de “a Igreja criou o cânon e por isso é superior a Bíblia” estivesse certa, os membros da Assembleia Constituinte poderiam tranquilamente se considerar acima da Constituição mesmo depois de a mesma ser formulada – o que, de fato, os tornaria acima da lei. Da mesma forma que a lei está acima dos que a formularam, a Escritura tem autoridade acima de qualquer um que tenha reconhecido seu cânon.
Ainda que seja de conhecimento universal que o presidente da república tenha mais autoridade no país do que um cidadão comum como eu e você, somos nós que elegemos o presidente e o colocamos lá. Ou seja, o fato de nós (menor autoridade) elegermos o presidente (maior autoridade) não nos torna superiores ao presidente, da mesma forma que a Igreja do século IV ter reconhecido o cânon da Bíblia não a torna acima da Bíblia. O curioso é que essa mesma analogia pode ser usada dentro do contexto da própria Igreja Católica: por mais que os cardeais elejam o novo Papa, esse Papa que é eleito detém autoridade superior aos cardeais dentro do conceito católico. Por que a mesma lógica não pode ser aplicada na relação Igreja-Bíblia?
É argumentado pelos católicos atuais que a Igreja Romana “criou” o cânon no século IV, como se não existisse Bíblia até então. Dizem estes: “Como podia haver Sola Scriptura, se durante três séculos não existia Bíblia? ” Isso porque, para estes, um livro bíblico não podia ser considerado de fato “Escritura” até que algum concílio se reunisse no final do século IV dizendo isso. Por exemplo, o evangelho de Lucas não seria considerado um evangelho autêntico, canônico e parte integrante das Escrituras até que os bispos de Hipona se reunissem mais de trezentos anos depois de sua redação. Isso é absurdo, irracional e insensato. Existem diversos trechos dos pais da Igreja que desfazem essa visão defeituosa.
Na verdade, quando aqueles concílios se reuniram com este propósito, não foi na intenção de “criar” um cânon do zero, mas apenas de reconhecer os livros que já eram considerados inspirados.
Em outros comentários, já citei o que visto nas Escrituras para serem considerados inspiradas ou não. Se quiser coloco de novo!
Os apologistas católicos que nunca leram os Pais da Igreja irão citar vários trechos, alguns adulterados e outros tirados vergonhosamente do contexto, para dizer o oposto do pensamento patrístico que nunca exigiu submissão incondicional à Roma para ser considerado “católico”.
Irineu acreditava piamente na inspiração, inerrância e infalibilidade das Escrituras. Ele claramente se referiu às Escrituras em termos muito elevados que não foram igualmente aplicados a tradição ou ao magistério.
Ele declara que as “Escrituras são perfeitas, entregues pelo Verbo de Deus e pelo seu Espírito” (2.28.2). Elas são chamadas de “a Escritura da verdade” em oposição aos “escritos falsos” dos hereges (1.20.1).
O fato de que “toda a Escritura, que nos foi dada por Deus”, é mais uma prova de sua inerrância, já que Deus não pode erradicar (AH 2.28.3). Na verdade, Irineu fala dos autores da Escritura como “os apóstolos, igualmente, sendo DISCÍPULOS DA VERDADE, estão acima de qualquer falsidade” no que ensinaram (3.5.1). Os evangelhos, escritos pelos apóstolos, baseiam-se nas palavras de nosso Senhor. E “nosso Senhor, portanto, sendo a verdade, não disse mentiras” (3.5.1). Esta é uma constante entre os Pais da Igreja. Eles defenderam de forma explícita a inspiração e infalibilidade da Escritura. Todavia, os mesmos termos nunca são usados para se referir à Tradição ou magistério da Igreja. Isso demonstra a preeminência da Escritura.
O Padre Ari Luís do Vale Ribeiro em seu artigo sobre a teoria das duas fontes (Escrituras Sagradas e a Tradição) afirma: “Os Santos Padres apoiavam a doutrina cristã sobre a Revelação divina, manifestada pelos profetas, por Cristo e pelos Apóstolos, identificando esta Revelação com as Escrituras do Antigo e do Novo Testamento. Todos admitem que entre a Revelação e Escritura haja perfeita harmonia que vai até a identidade de conteúdo; a voz de Deus ou a doutrina das Escrituras goza duma autoridade absoluta. Por isso, os Padres a apresentam como critério do verdadeiro ou do falso, como a única demonstração da fé e norma do ensinamento cristão” (Revista de Cultura Teológica – v. 16 – n. 64 – JUL/SET 2008).
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